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BARBARA GANCIA
Por qué no te callas, Lula?
O presidente Lula não estará nos dizendo que sua concepção de democracia é a mesma do venezuelano Hugo Chávez?
JÁ DIZIA O REI Faruk do Egito,
nos anos 50, que chegaria o dia
em que só cinco monarcas
manteriam seus tronos e sua dignidade. São eles, os quatro reis do baralho e a rainha da Inglaterra.
Nesta semana, deu o que falar o
bate-boca entre o rei da Espanha,
Juan Carlos, e o presidente da Venezuela, Hugo Chávez. Pois eu pergunto: alguém ousaria imaginar Elizabeth 2ª, em alguma reunião entre
membros do Commonwealth, ordenando aos primeiros-ministros australiano ou canadense que fechassem a matraca? "I don"t think so",
"no lo creo", nem pensar.
Confrontada com uma saia justa
do tamanho da que Hugo Chávez
aprontou para cima do rei espanhol,
seria bem mais plausível conceber
que Elizabeth se levantasse da poltrona, oferecesse aquele seu aceno
clássico, o "royal wave", e se retirasse, muda, do recinto.
Mas Juan Carlos, que é tratado
por "Juanito" pelos amigos (entre os
quais figuram um punhado de ex-franquistas que o ajudaram a fazer
fortuna), não possui a mesma pompa e circunstância da rainha. Conhecido por andar de moto pelas ruas de
Madri e Mallorca em velocidades
acima das permitidas e por sua atração por mulheres "guapas", o rei espanhol é bem mais acessível aos súditos do que Elizabeth. Diz-se no
meio da Fórmula 1 que, neste ano,
ele se desentendeu com Fernando
Alonso, de quem tinha se tornado
amigo do peito, porque o asturiano
não teria retornado os telefonemas
do monarca.
Mas, gregário ou não, foi Juan
Carlos quem organizou a Cúpula
Ibero-Americana, e foi o governo espanhol quem anunciou, nesta semana, no Chile, a formação de um fundo de água potável que irá beneficiar
países latino-americanos carentes.
Foi também o governo espanhol,
respaldado pelo rei e na mesma cúpula do bate-boca, que aprovou a
"portabilidade" da aposentadoria,
dando direito aos membros da Comunidade Ibero-Americana de ir
gozar da aposentadoria em qualquer
cidade espanhola, como nos explicou o expert em questões ibéricas e
latino-americanas, Clóvis Rossi, na
edição de ontem da Folha.
Se esse foi o tipo de assunto tratado no encontro, diga-me, ó, nobre leitor: faz sentido o sr. Chávez
dispor dos holofotes da cúpula para lembrar da exploração, há 500
anos, dos colonizadores espanhóis? Faz sentido ele se queixar
de José María Aznar ao seu sucessor e adversário político, José Luis
Rodríguez Zapatero? Claro que
não. O comportamento de Chávez,
mais uma vez, não passou de fanfarronice, de franca grosseria e de
palhaçada oportunista.
E o que faz o presidente Lula,
quando perguntado sobre o bate-boca? Em vez de dizer algo na linha
do "Eu não estava presente e não
meto o bedelho em querelas
alheias", ele resolve sair em defesa
da "democracia venezuelana"
-sim, aquela que é movida a plebiscitos e que tenta reescrever a
história nos livros escolares-, e fazer pouco do rei, dando até a entender que Juan Carlos não deveria estar ali presente. Isso, sem
contar a comparação sem pé nem
cabeça, beirando o desonesto, entre parlamentarismo e presidencialismo, feita para justificar a permanência de seu amigo no poder.
Com suas afirmações, Lula não
estará nos dizendo que sua concepção de democracia é a mesma de
Chávez?
barbara@uol.com.br
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