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Não dava para sair bêbado da festa"
24 garrafas da bebida não seriam capazes de embriagar as vítimas do acidente em Mogi, diz dona da casa onde meninas foram
Cinco das sete meninas morreram após colisão, há uma semana; "uma das meninas era até crente, não bebia", diz Carmem Pereira
PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL
Foi uma "festa americana"
(cada convidado levou um prato de salgado ou uma bebida).
Só havia um engradado de cervejas (24 garrafas), para cerca
de 30 pessoas. Uma das meninas "era até crente".
Assim Carmem Pereira, 55,
tenta demonstrar que ninguém
poderia ter saído tão bêbado da
festa de aniversário de sua filha,
Karen, no domingo passado, a
ponto de perder o controle ao
volante de um automóvel superlotado e bater de frente com
um caminhão, causando uma
tragédia que resultou em cinco
vítimas com idades entre 17 e
28 anos -havia sete no carro.
No veículo um engradado de
cerveja foi encontrado -não se
sabe se é o mesmo a que se refere Carmem. Um exame vai
identificar se havia álcool no
sangue da agente de viagens Liliane Assunção Miguel, 28, que
dirigia o carro, um Siena.
Karen, que deu a festa, completava 26 anos com um churrasco na casa de Carmem, em
um condomínio nas redondezas de Mogi das Cruzes.
Estudante de jornalismo,
Carmem afirma que vai trancar
a matrícula porque não quer
"apanhar". "O jornalista tem de
fazer muita pergunta, eu vi agora, com o acidente. Até entendo
por que os artistas querem bater em repórter e fotógrafo." A
seguir, leia a conversa de Carmem com a Folha:
FOLHA - Como foi o churrasco?
CARMEM PEREIRA - Era o aniversário da minha filha, uma "festa
americana". Cada pessoa trouxe um prato ou uma caixa de
guaraná, de cerveja. Não foram
só as meninas que estavam no
carro que beberam. Eram quase 60 pessoas, e só tinha uma
caixa de cerveja.
FOLHA - Uma?
CARMEM PEREIRA - É, que eu
comprei.
FOLHA - Ninguém levou mais?
PEREIRA - Não. As pessoas [imprensa] falam demais. Falaram
uma porção de besteiras sobre
o que teria acontecido lá [durante a festa].
FOLHA - Como foram os preparativos da festa?
PEREIRA - As amigas fizeram um
bolo prestígio [coco com chocolate] para a Karen, ela comprou as carnes. A Karen é churrasqueira há 26 anos.
FOLHA - Comia churrasco quando
bebê?
PEREIRA - O pai fez um já no primeiro aniversário dela. Acha
que corintiano não vai fazer
churrasco?
FOLHA - A casa tem piscina?
PEREIRA - É uma casa de classe
média-alta [ela não quis descrevê-la].
FOLHA - Você disse que eram umas
60 pessoas?
PEREIRA - Vamos pôr 30.
FOLHA - A sra. colaborou com alguma coisa para a festa?
PEREIRA - Eu dei as tortas, os
guaranás e essa única caixa de
cerveja. Uma só. Dá menos de
uma garrafa para cada convidado.
FOLHA - Essas pessoas eram só jovens?
PEREIRA - Sim.
FOLHA - Não acha incomum um jovem não beber...
PEREIRA - Com certeza. Mas minha filha não bebe; minha filha
de criação [de 22 anos], que estava aqui, também não.
FOLHA - Sobrou mais para as outras então.
PEREIRA - Você acha que com
essa quantidade de cerveja alguém sairia embriagado de
uma casa de família?
FOLHA - Não tinha muita gente no
carro?
PEREIRA - Todas muito amigas.
Uma delas era até crente, não
bebia.
FOLHA - É alguma sobrevivente?
PEREIRA - Não. A Jéssica [uma
das sobreviventes] só eu sei da
vida dela, o telefone do pai; eles
não vão dar entrevista. Ela está
bem, mas não sabe que as amigas morreram. O pai dela liberou a entrada da gente no hospital amanhã [ontem]. Vai ter a
missa de uma delas também,
em Santo Amaro.
FOLHA - Elas eram muito amigas
da sua filha?
PEREIRA - Não. Mais de uma
amiga da minha filha.
FOLHA - Então a sra. não as conhecia bem?
PEREIRA - Não. Minha filha as
conheceu em dezembro, em
um barzinho no ABC, pouco
antes do Natal. Elas passaram o
Carnaval juntas, na nossa casa
de praia. E agora a amiga da minha filha as convidou para a
festa.
FOLHA - Foi a Karen que pediu para
ficar só na casa com as amigas?
PEREIRA - Não, aqui não tem isso. Eu é que saí para dar uma
volta e deixá-las à vontade. Minha filha possui uma índole ótima. Tem duas faculdades, educação física e RH.
FOLHA - Quando a sra. voltou para
casa?
PEREIRA - Pouco antes do acidente. A Karen tinha ido levar
duas amigas na estação de trem
de Suzano [município vizinho a
Mogi] e, na volta, encontrou a
estrada interditada pelo resgate. Quando viram o tumulto, ela
e minha filha adotiva saíram do
carro, deram dez passos, mas
não quiseram chegar perto.
Perceberam que era muito grave. Mas nem imaginaram que
fosse com o carro das meninas.
FOLHA - Como voltaram pra casa?
PEREIRA - Tiveram de dar uma
volta grande para conseguir
chegar ao condomínio pela outra portaria. Me ligaram para
avisar. Em vez de dez minutos,
demoraram uma hora.
FOLHA - Quando vocês souberam
que as vítimas eram as meninas?
PEREIRA - Às 23h30.
FOLHA - Mas o acidente foi por volta das 20h?
PEREIRA - Houve uma queda de
energia, apagou tudo, e os guardas na guarita ficaram sem
computador, não puderam
acessar no sistema os dados de
registro do carro delas, para
identificar com o do acidente.
Por isso, não fizeram contato
comigo. Ficamos à luz de velas,
fomos tomar banho e aguardar
a volta da energia. Quando voltou, eles nos ligaram da portaria, perguntando se ninguém
do carro era parente. Dissemos
que não, aí eles nos contaram.
Mas a essa altura o resgate delas já havia sido feito.
FOLHA - E qual a reação de vocês?
PEREIRA - Elas ficaram em pânico, não sabiam o que fazer.. Começaram a ligar para as outras,
sem acreditar no que tinha
acontecido. Aí, aos poucos, foram vendo o tamanho do desastre. Mas já estava feito.
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