São Paulo, domingo, 17 de fevereiro de 2008

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Não dava para sair bêbado da festa"

24 garrafas da bebida não seriam capazes de embriagar as vítimas do acidente em Mogi, diz dona da casa onde meninas foram

Cinco das sete meninas morreram após colisão, há uma semana; "uma das meninas era até crente, não bebia", diz Carmem Pereira

PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL

Foi uma "festa americana" (cada convidado levou um prato de salgado ou uma bebida). Só havia um engradado de cervejas (24 garrafas), para cerca de 30 pessoas. Uma das meninas "era até crente".
Assim Carmem Pereira, 55, tenta demonstrar que ninguém poderia ter saído tão bêbado da festa de aniversário de sua filha, Karen, no domingo passado, a ponto de perder o controle ao volante de um automóvel superlotado e bater de frente com um caminhão, causando uma tragédia que resultou em cinco vítimas com idades entre 17 e 28 anos -havia sete no carro.
No veículo um engradado de cerveja foi encontrado -não se sabe se é o mesmo a que se refere Carmem. Um exame vai identificar se havia álcool no sangue da agente de viagens Liliane Assunção Miguel, 28, que dirigia o carro, um Siena.
Karen, que deu a festa, completava 26 anos com um churrasco na casa de Carmem, em um condomínio nas redondezas de Mogi das Cruzes. Estudante de jornalismo, Carmem afirma que vai trancar a matrícula porque não quer "apanhar". "O jornalista tem de fazer muita pergunta, eu vi agora, com o acidente. Até entendo por que os artistas querem bater em repórter e fotógrafo." A seguir, leia a conversa de Carmem com a Folha:  

FOLHA - Como foi o churrasco?
CARMEM PEREIRA
- Era o aniversário da minha filha, uma "festa americana". Cada pessoa trouxe um prato ou uma caixa de guaraná, de cerveja. Não foram só as meninas que estavam no carro que beberam. Eram quase 60 pessoas, e só tinha uma caixa de cerveja.

FOLHA - Uma?
CARMEM PEREIRA
- É, que eu comprei.

FOLHA - Ninguém levou mais?
PEREIRA
- Não. As pessoas [imprensa] falam demais. Falaram uma porção de besteiras sobre o que teria acontecido lá [durante a festa].

FOLHA - Como foram os preparativos da festa?
PEREIRA
- As amigas fizeram um bolo prestígio [coco com chocolate] para a Karen, ela comprou as carnes. A Karen é churrasqueira há 26 anos.

FOLHA - Comia churrasco quando bebê?
PEREIRA
- O pai fez um já no primeiro aniversário dela. Acha que corintiano não vai fazer churrasco?

FOLHA - A casa tem piscina?
PEREIRA
- É uma casa de classe média-alta [ela não quis descrevê-la].

FOLHA - Você disse que eram umas 60 pessoas?
PEREIRA
- Vamos pôr 30.

FOLHA - A sra. colaborou com alguma coisa para a festa?
PEREIRA
- Eu dei as tortas, os guaranás e essa única caixa de cerveja. Uma só. Dá menos de uma garrafa para cada convidado.

FOLHA - Essas pessoas eram só jovens?
PEREIRA
- Sim.

FOLHA - Não acha incomum um jovem não beber...
PEREIRA
- Com certeza. Mas minha filha não bebe; minha filha de criação [de 22 anos], que estava aqui, também não.

FOLHA - Sobrou mais para as outras então.
PEREIRA
- Você acha que com essa quantidade de cerveja alguém sairia embriagado de uma casa de família?

FOLHA - Não tinha muita gente no carro?
PEREIRA
- Todas muito amigas. Uma delas era até crente, não bebia.

FOLHA - É alguma sobrevivente?
PEREIRA
- Não. A Jéssica [uma das sobreviventes] só eu sei da vida dela, o telefone do pai; eles não vão dar entrevista. Ela está bem, mas não sabe que as amigas morreram. O pai dela liberou a entrada da gente no hospital amanhã [ontem]. Vai ter a missa de uma delas também, em Santo Amaro.

FOLHA - Elas eram muito amigas da sua filha?
PEREIRA
- Não. Mais de uma amiga da minha filha.

FOLHA - Então a sra. não as conhecia bem?
PEREIRA
- Não. Minha filha as conheceu em dezembro, em um barzinho no ABC, pouco antes do Natal. Elas passaram o Carnaval juntas, na nossa casa de praia. E agora a amiga da minha filha as convidou para a festa.

FOLHA - Foi a Karen que pediu para ficar só na casa com as amigas?
PEREIRA
- Não, aqui não tem isso. Eu é que saí para dar uma volta e deixá-las à vontade. Minha filha possui uma índole ótima. Tem duas faculdades, educação física e RH.

FOLHA - Quando a sra. voltou para casa?
PEREIRA
- Pouco antes do acidente. A Karen tinha ido levar duas amigas na estação de trem de Suzano [município vizinho a Mogi] e, na volta, encontrou a estrada interditada pelo resgate. Quando viram o tumulto, ela e minha filha adotiva saíram do carro, deram dez passos, mas não quiseram chegar perto. Perceberam que era muito grave. Mas nem imaginaram que fosse com o carro das meninas.

FOLHA - Como voltaram pra casa?
PEREIRA
- Tiveram de dar uma volta grande para conseguir chegar ao condomínio pela outra portaria. Me ligaram para avisar. Em vez de dez minutos, demoraram uma hora.

FOLHA - Quando vocês souberam que as vítimas eram as meninas?
PEREIRA
- Às 23h30.

FOLHA - Mas o acidente foi por volta das 20h?
PEREIRA
- Houve uma queda de energia, apagou tudo, e os guardas na guarita ficaram sem computador, não puderam acessar no sistema os dados de registro do carro delas, para identificar com o do acidente. Por isso, não fizeram contato comigo. Ficamos à luz de velas, fomos tomar banho e aguardar a volta da energia. Quando voltou, eles nos ligaram da portaria, perguntando se ninguém do carro era parente. Dissemos que não, aí eles nos contaram. Mas a essa altura o resgate delas já havia sido feito.

FOLHA - E qual a reação de vocês?
PEREIRA
- Elas ficaram em pânico, não sabiam o que fazer.. Começaram a ligar para as outras, sem acreditar no que tinha acontecido. Aí, aos poucos, foram vendo o tamanho do desastre. Mas já estava feito.


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