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PASQUALE CIPRO NETO
Ordem, pontuação e ênfase
Estava na primeira página
da Folha de ontem: "Alckmin, como Lula e Serra, sofre derrota no Legislativo". O exemplo é
ótimo para que se discuta a escolha da ordem dos termos.
Vamos lá, pois. De início, é preciso deixar claro que a seqüência
escolhida pelo redator é perfeitamente possível. Com essa ordem
(e com o verbo no singular -"sofre"), enfatiza-se "Alckmin", ponto central do título jornalístico.
Cumpre notar o papel das vírgulas, que isolam a expressão comparativa "como Lula e Serra".
Teria sido possível também iniciar o título jornalístico com a expressão comparativa (em que,
não por acaso, Lula antecede Serra). Teríamos, pois, esta redação:
"Como Lula e Serra, Alckmin sofre derrota no Legislativo". Com
essa ordem, enfatizar-se-ia a semelhança das situações vividas
por Alckmin, Lula e Serra.
Antes que me esqueça, convém
salientar que o título tinha apenas duas linhas; a segunda linha
seria a mesma ("sofre derrota no
Legislativo"), qualquer que fosse
a ordem escolhida pelo redator.
Moral da história: conscientemente ou não, o redator enfatizou a derrota de Alckmin, o que,
em termos jornalísticos, parece
fazer todo o sentido do mundo
(trata-se do fato mais recente).
Independentemente das circunstâncias, o que conta nessa
discussão é o fato de que, em nossa língua, a escolha da ordem dos
termos tem papel fundamental
na expressão da mensagem. Um
belo exemplo disso está na genial
"O Homem Velho" (do disco "Velô", de 1984), de Caetano Veloso.
Levado talvez pela necessidade de
encaixar a letra na música (e/ou
vice-versa), o poeta optou pela ordem indireta em "As linhas do
destino nas mãos a mão apagou".
Pensando bem, não custa nada
citar a estrofe toda: "A solidão
agora é sólida, uma pedra ao sol /
As linhas do destino nas mãos a
mão apagou / Ele já tem a alma
saturada de poesia, soul e
rock'n'roll / As coisas migram e
ele serve de farol". Com a ordem
escolhida, além de enfatizar "as
linhas do destino nas mãos"
(complemento de "apagou"), o
poeta consegue produzir o expressivo encontro de "nas mãos" com
"a mão". Agora, ponha em outra
ordem os termos desse verso. Que
tal? Parece outra mensagem, não?
Bem, voltemos ao título jornalístico. Teria sido possível empregar o verbo no plural ("sofrem")?
Os registros dizem que sim, desde
que não se separem os sujeitos por
vírgula. Teríamos isto: "Alckmin
como Lula e Serra sofrem derrota
no Legislativo". Com essa ordem
e essa flexão verbal, haveria destaque para o conjunto, ou seja,
para os três integrantes do grupo.
O fato é que, embora gramaticalmente possível, essa construção esbarraria numa questão delicada: a do tempo. A frase acentuaria uma simultaneidade que
não existe, já que a derrota de Lula (na eleição para a presidência
da Câmara Federal) e a do prefeito José Serra (para a da Câmara
da cidade de São Paulo) são mais
antigas do que a do governador
Geraldo Alckmin (para a presidência da Assembléia Legislativa
do Estado de São Paulo).
Moral da história: a escolha da
ordem dos termos e a da flexão
verbal podem interferir na expressão, no efeito ou no alcance
da mensagem. Em se tratando de
língua escrita, portanto, o melhor
que se pode fazer é tratar dessa
questão com muito carinho, ou
seja, ler e reler, levar em conta as
circunstâncias etc. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br
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