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GUERRA URBANA
Governo afirma que todos tinham ligação com o PCC, mas não divulga nomes
Em 12 horas, polícia mata 33 suspeitos e prende 24
ANDRÉ CARAMANTE
DA REPORTAGEM LOCAL
Na guerra declarada à facção
criminosa PCC, a polícia de São
Paulo matou 71 pessoas. Apenas
entre a noite de segunda-feira e a
manhã de ontem, em cerca de 12
horas, foram 33 mortes.
Apesar de não revelar a identificação dos mortos, a Secretaria da
Segurança Pública afirma que todos eles tinham ligação com o
grupo criminoso ou estavam relacionados diretamente aos atentados nos últimos dias.
Na noite de segunda, quando o
comandante-geral da PM, coronel Elizeu Eclair Teixeira Borges,
fez um pronunciamento em que
pediu calma à população, o número de pessoas mortas sob a
acusação de participação em ataques às forças de segurança era de
38. De segunda para terça, em
pouco mais de 12 horas, houve
um aumento de 87% nas mortes
cometidas pelas polícias em todo
o Estado de São Paulo.
Ainda segundo o governo, até
segunda-feira 91 pessoas haviam
sido presas por suspeita de ligação
com a onda de violência; ontem,
esse número era de 115. Isso significa que as polícias, em apenas 12
horas, realizaram 21% do total de
prisões efetuadas em todos os
dias anteriores de violência (sexta,
sábado, domingo e segunda), enquanto as mortes subiram 87%.
Segundo a contabilidade oficial,
os mortos já chegam a 115 (71 acusados de ligação com a facção, 23
PMs, seis policiais civis, três guardas municipais, oito agentes penitenciários e quatro cidadãos). Em
rebeliões, houve 17 mortos, o que
totaliza 132.
Desde domingo, a Folha pede à
Segurança Pública a lista completa com os nomes e a ficha criminal
das pessoas que, segundo o próprio órgão, tinham participação
nos ataques e foram mortas pela
polícia. Até a conclusão desta edição, a resposta foi a mesma: "Estamos consolidando os dados,
que serão divulgados em breve".
Ontem, a reportagem pediu um
pronunciamento do secretário da
Segurança Pública, Saulo de Castro Abreu Filho, sobre a letalidade
policial. Segundo seus assessores,
ele não falaria sobre o aumento de
mortos pelas polícias "para evitar
o uso político de uma fala dele".
Até agora, passadas mais de 24
horas após o PCC ter determinado, de dentro de prisões de segurança máxima e com o uso do telefone celular, o fim da afronta ao
Estado, a Segurança Pública não
responde também às seguintes
questões: o local exato de cada
uma das 71 mortes nos "confrontos", como elas ocorreram, se os
feridos pela polícia foram encaminhados a hospitais ou se os corpos ficaram nos locais dos embates para a realização de perícia,
quantas armas de policiais e de
acusados foram apreendidas para
exame de balística e a ficha de antecedentes criminais dos mortos.
Na madrugada, às escuras
Durante a madrugada de ontem, a Folha percorreu todas as
regiões da capital e parte da região
metropolitana. Em muitos lugares, principalmente na zona norte, onde existe uma grande concentração de casas de PMs, vários
carros da corporação estavam totalmente apagados, o que contraria o regulamento dos policiais.
Apesar dos 33 mortos em "confrontos", a reportagem não conseguiu chegar a tempo para fazer
imagens dos corpos das vítimas
em nenhum dos casos.
Somente no bairro de São Mateus, na zona leste, entre as 22h15
de segunda e as 3h de ontem, cinco pessoas "que teriam reagido à
abordagem", segundo homens da
PM, foram mortas. Em Osasco
(Grande São Paulo), dois acusados de atirar contra o fórum da cidade também foram mortos pela
PM. Outros dois, que teriam jogado uma granada contra uma base
comunitária da PM, foram perseguidos e baleados na vizinha Carapicuíba; um deles morreu. A
Rota matou outros dois homens
em Guarulhos. Eles estariam com
coquetéis molotov.
Para o professor da faculdade de
direito e diretor clínico do Programa de Direitos Humanos da Universidade de Harvard, James Cavallaro, 43, "apesar de a polícia ter
sofrido os ataques terríveis dos últimos dias, isso não dá carta branca para matar quem quiser e como quiser".
Segundo Cavallaro, que dirigiu
no Brasil durante sete anos a Human Rights Watch, vários colegas
de universidade, uma das mais
importantes do mundo, têm perguntado sobre o ocorrido em São
Paulo nos últimos dias, mas não
conseguem entender completamente os crimes ligados ao PCC.
"Todos esses casos de morte, os
cometidos pelo PCC, assim como
os cometidos pelas forças de segurança, precisam ser investigados.
O sentimento de vingança é normal. As forças da lei não podem
agir com espírito vingativo. É preciso ficar dentro da lei, mesmo em
tempos difíceis. Caso contrário, a
polícia vira mais uma quadrilha,
uma gangue, um grupo armado
agindo sem lei", disse Cavallaro.
Segundo o procurador-geral de
Justiça de São Paulo, Rodrigo César Pinho, "o Ministério Público
não compactua com execuções
sumárias e os excessos das corporações serão investigados".
Colaboraram RACHEL AÑON, MARTHA
ALVES e DEH OLIVEIRA, da Agência Folha, e FABIANE LEITE, da Reportagem
Local
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