São Paulo, quarta-feira, 17 de maio de 2006

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GUERRA URBANA

Governo afirma que todos tinham ligação com o PCC, mas não divulga nomes

Em 12 horas, polícia mata 33 suspeitos e prende 24

ANDRÉ CARAMANTE
DA REPORTAGEM LOCAL

Na guerra declarada à facção criminosa PCC, a polícia de São Paulo matou 71 pessoas. Apenas entre a noite de segunda-feira e a manhã de ontem, em cerca de 12 horas, foram 33 mortes.
Apesar de não revelar a identificação dos mortos, a Secretaria da Segurança Pública afirma que todos eles tinham ligação com o grupo criminoso ou estavam relacionados diretamente aos atentados nos últimos dias.
Na noite de segunda, quando o comandante-geral da PM, coronel Elizeu Eclair Teixeira Borges, fez um pronunciamento em que pediu calma à população, o número de pessoas mortas sob a acusação de participação em ataques às forças de segurança era de 38. De segunda para terça, em pouco mais de 12 horas, houve um aumento de 87% nas mortes cometidas pelas polícias em todo o Estado de São Paulo.
Ainda segundo o governo, até segunda-feira 91 pessoas haviam sido presas por suspeita de ligação com a onda de violência; ontem, esse número era de 115. Isso significa que as polícias, em apenas 12 horas, realizaram 21% do total de prisões efetuadas em todos os dias anteriores de violência (sexta, sábado, domingo e segunda), enquanto as mortes subiram 87%.
Segundo a contabilidade oficial, os mortos já chegam a 115 (71 acusados de ligação com a facção, 23 PMs, seis policiais civis, três guardas municipais, oito agentes penitenciários e quatro cidadãos). Em rebeliões, houve 17 mortos, o que totaliza 132.
Desde domingo, a Folha pede à Segurança Pública a lista completa com os nomes e a ficha criminal das pessoas que, segundo o próprio órgão, tinham participação nos ataques e foram mortas pela polícia. Até a conclusão desta edição, a resposta foi a mesma: "Estamos consolidando os dados, que serão divulgados em breve".
Ontem, a reportagem pediu um pronunciamento do secretário da Segurança Pública, Saulo de Castro Abreu Filho, sobre a letalidade policial. Segundo seus assessores, ele não falaria sobre o aumento de mortos pelas polícias "para evitar o uso político de uma fala dele".
Até agora, passadas mais de 24 horas após o PCC ter determinado, de dentro de prisões de segurança máxima e com o uso do telefone celular, o fim da afronta ao Estado, a Segurança Pública não responde também às seguintes questões: o local exato de cada uma das 71 mortes nos "confrontos", como elas ocorreram, se os feridos pela polícia foram encaminhados a hospitais ou se os corpos ficaram nos locais dos embates para a realização de perícia, quantas armas de policiais e de acusados foram apreendidas para exame de balística e a ficha de antecedentes criminais dos mortos.

Na madrugada, às escuras
Durante a madrugada de ontem, a Folha percorreu todas as regiões da capital e parte da região metropolitana. Em muitos lugares, principalmente na zona norte, onde existe uma grande concentração de casas de PMs, vários carros da corporação estavam totalmente apagados, o que contraria o regulamento dos policiais. Apesar dos 33 mortos em "confrontos", a reportagem não conseguiu chegar a tempo para fazer imagens dos corpos das vítimas em nenhum dos casos.
Somente no bairro de São Mateus, na zona leste, entre as 22h15 de segunda e as 3h de ontem, cinco pessoas "que teriam reagido à abordagem", segundo homens da PM, foram mortas. Em Osasco (Grande São Paulo), dois acusados de atirar contra o fórum da cidade também foram mortos pela PM. Outros dois, que teriam jogado uma granada contra uma base comunitária da PM, foram perseguidos e baleados na vizinha Carapicuíba; um deles morreu. A Rota matou outros dois homens em Guarulhos. Eles estariam com coquetéis molotov.
Para o professor da faculdade de direito e diretor clínico do Programa de Direitos Humanos da Universidade de Harvard, James Cavallaro, 43, "apesar de a polícia ter sofrido os ataques terríveis dos últimos dias, isso não dá carta branca para matar quem quiser e como quiser".
Segundo Cavallaro, que dirigiu no Brasil durante sete anos a Human Rights Watch, vários colegas de universidade, uma das mais importantes do mundo, têm perguntado sobre o ocorrido em São Paulo nos últimos dias, mas não conseguem entender completamente os crimes ligados ao PCC.
"Todos esses casos de morte, os cometidos pelo PCC, assim como os cometidos pelas forças de segurança, precisam ser investigados. O sentimento de vingança é normal. As forças da lei não podem agir com espírito vingativo. É preciso ficar dentro da lei, mesmo em tempos difíceis. Caso contrário, a polícia vira mais uma quadrilha, uma gangue, um grupo armado agindo sem lei", disse Cavallaro.
Segundo o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Rodrigo César Pinho, "o Ministério Público não compactua com execuções sumárias e os excessos das corporações serão investigados".


Colaboraram RACHEL AÑON, MARTHA ALVES e DEH OLIVEIRA, da Agência Folha, e FABIANE LEITE, da Reportagem Local


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