São Paulo, quinta-feira, 17 de maio de 2007

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PASQUALE CIPRO NETO

"Mídia, "seitas" e divórcio"

Por que a palavra "seitas" foi posta entre aspas? Mudaria algo se não houvesse esse sinal de pontuação?

ESTAVA NA CAPA da Folha, na edição do último sábado: "Papa ataca mídia, "seitas" e divórcio". Muitos leitores escreveram para perguntar por que a palavra "seitas" foi posta entre aspas. Bom sinal, isto é, sinal de que notaram a presença das aspas. O fato é que, infelizmente, não são poucos os leitores que não percebem a presença desse sinal de pontuação. O resultado disso pode ser catastrófico. Pode-se, por exemplo, ignorar que determinado pensamento expresso no texto não é de seu autor, mas de alguém citado pelo articulista. Numa notícia corriqueira -da crônica policial, por exemplo-, pode-se não entender que certa passagem do texto contém a declaração de alguém, e não uma informação do jornal.
Em qual categoria entram as aspas do título da Folha? No desenvolvimento da manchete, o próprio jornal se encarrega de explicar. Leia com atenção: "Nos dois eventos públicos de que participou ontem em São Paulo, o papa Bento 16 criticou a mídia e as igrejas evangélicas (que chamou de "seitas') que tiram fiéis do catolicismo". Já entendeu? Quem chama de "seitas" as igrejas evangélicas? O jornal ou o papa? O papa, obviamente. E por que as benditas aspas? Para falar o português claro, porque o jornal não mete o bedelho em assuntos religiosos, ou seja, o jornal é laico. Se o jornal não publicasse a palavra "seitas" com aspas, estaria chancelando as declarações de Sua Santidade (não se pode esquecer o caráter pejorativo da palavra "seita"). Se o papa quer dizer que certas igrejas evangélicas são "seitas", o problema é dele.
A esta altura, alguém talvez já esteja com o dedo no teclado para mandar-me mensagem de protesto, dizendo que eu isso, que eu aquilo... Eu nada, caro leitor. Só cumpri meu papel de "explicador". Por falar em explicação, por que empreguei a palavra "certas" na passagem "Se o papa quer dizer que certas igrejas evangélicas são seitas..."? Por que a limitação do número dessas igrejas? Volte à transcrição do texto do jornal, por favor ("Nos dois eventos..."). Vá lá, que eu espero. Voltou? Leu com atenção? Notou que não há vírgula depois do parêntese que encerra a passagem "que chamou de seitas", isto é, antes do "que" que introduz a oração "que tiram fiéis..."? Não se iluda, caro leitor: ler dá trabalho.
Vamos lá. Se eliminarmos os parênteses do trecho em questão, teremos o seguinte: "...o papa Bento 16 criticou a mídia e as igrejas evangélicas que tiram fiéis do catolicismo". O "que" em questão é pronome relativo (recupera "igrejas evangélicas") e, como tal, introduz oração adjetiva (ou "relativa"). Como se sabe, as orações adjetivas podem ter caráter restritivo, o que normalmente é evidenciado pela ausência de vírgula antes do pronome relativo que as introduz. Se tivesse empregado a vírgula antes do "que" ("...as igrejas evangélicas, que tiram fiéis..."), o redator teria informado que o papa se referiu a todas as igrejas evangélicas. Ao não empregar a vírgula, o redator quis deixar claro que o papa não se referiu a todas as igrejas evangélicas, mas especificamente àquelas que, na visão de Sua Santidade, "aliciam" os católicos. É isso.

inculta@uol.com.br


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