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PASQUALE CIPRO NETO
"Mídia, "seitas" e divórcio"
Por que a palavra "seitas" foi posta entre aspas? Mudaria algo se não houvesse esse sinal de pontuação?
ESTAVA NA CAPA da Folha, na
edição do último sábado:
"Papa ataca mídia, "seitas" e
divórcio". Muitos leitores escreveram para perguntar por que a palavra "seitas" foi posta entre aspas.
Bom sinal, isto é, sinal de que notaram a presença das aspas.
O fato é que, infelizmente, não
são poucos os leitores que não percebem a presença desse sinal de
pontuação. O resultado disso pode
ser catastrófico. Pode-se, por
exemplo, ignorar que determinado
pensamento expresso no texto não
é de seu autor, mas de alguém citado pelo articulista. Numa notícia
corriqueira -da crônica policial,
por exemplo-, pode-se não entender que certa passagem do texto
contém a declaração de alguém, e
não uma informação do jornal.
Em qual categoria entram as aspas do título da Folha? No desenvolvimento da manchete, o próprio
jornal se encarrega de explicar.
Leia com atenção: "Nos dois eventos públicos de que participou ontem em São Paulo, o papa Bento 16
criticou a mídia e as igrejas evangélicas (que chamou de "seitas') que
tiram fiéis do catolicismo".
Já entendeu? Quem chama de
"seitas" as igrejas evangélicas? O
jornal ou o papa? O papa, obviamente. E por que as benditas aspas? Para falar o português claro,
porque o jornal não mete o bedelho em assuntos religiosos, ou seja,
o jornal é laico. Se o jornal não publicasse a palavra "seitas" com aspas, estaria chancelando as declarações de Sua Santidade (não se
pode esquecer o caráter pejorativo
da palavra "seita"). Se o papa quer
dizer que certas igrejas evangélicas
são "seitas", o problema é dele.
A esta altura, alguém talvez já esteja com o dedo no teclado para
mandar-me mensagem de protesto, dizendo que eu isso, que eu
aquilo... Eu nada, caro leitor. Só
cumpri meu papel de "explicador".
Por falar em explicação, por que
empreguei a palavra "certas" na
passagem "Se o papa quer dizer
que certas igrejas evangélicas são
seitas..."? Por que a limitação do
número dessas igrejas? Volte à
transcrição do texto do jornal, por
favor ("Nos dois eventos..."). Vá lá,
que eu espero. Voltou? Leu com
atenção? Notou que não há vírgula
depois do parêntese que encerra a
passagem "que chamou de seitas",
isto é, antes do "que" que introduz
a oração "que tiram fiéis..."? Não se
iluda, caro leitor: ler dá trabalho.
Vamos lá. Se eliminarmos os parênteses do trecho em questão, teremos o seguinte: "...o papa Bento
16 criticou a mídia e as igrejas
evangélicas que tiram fiéis do catolicismo". O "que" em questão é
pronome relativo (recupera "igrejas evangélicas") e, como tal, introduz oração adjetiva (ou "relativa").
Como se sabe, as orações adjetivas podem ter caráter restritivo, o
que normalmente é evidenciado
pela ausência de vírgula antes do
pronome relativo que as introduz.
Se tivesse empregado a vírgula antes do "que" ("...as igrejas evangélicas, que tiram fiéis..."), o redator
teria informado que o papa se referiu a todas as igrejas evangélicas.
Ao não empregar a vírgula, o redator quis deixar claro que o papa
não se referiu a todas as igrejas
evangélicas, mas especificamente
àquelas que, na visão de Sua Santidade, "aliciam" os católicos. É isso.
inculta@uol.com.br
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