São Paulo, sábado, 17 de maio de 2008

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ENTREVISTA - JOSÉ MARIANO BELTRAME

Confronto é inevitável, afirma secretário de Segurança do Rio

Para José Mariano Beltrame, estratégia é desarticular quadrilhas e fazê-las perder renda do tráfico; falta, porém, polícia nas ruas, diz

ITALO NOGUEIRA
SERGIO COSTA

DA SUCURSAL DO RIO

Há um ano e meio no cargo mais crítico do Estado do Rio de Janeiro, o gaúcho José Mariano Beltrame, 51, está seguro de que encontrou a fórmula para reduzir a violência no Rio: ela combina grandes operações policiais -como a que reuniu 1.250 homens em junho do ano passado e matou 19 pessoas no complexo do Alemão- com policiamento ostensivo.
Transformado em celebridade após aquela operação, o secretário de Segurança ainda não pode comemorar mudanças drásticas nas estatísticas. Sua gestão manteve a tendência histórica dos registros -exceção para o roubo de veículos, que caiu após três anos de alta (14,4% na capital, de 2006 para o ano passado).
Beltrame comanda a polícia que mais matou nos dez anos de registro oficial para autos de resistência -mortes em supostos confrontos com policiais. Foram 1.330 em 2007, mais de três por dia. Para ele, o confronto com mortes é inevitável, devido ao grau de armamento dos criminosos. No primeiro bimestre deste ano, a polícia já matou 28,3% a mais na capital do que no mesmo período do ano passado.
O secretário de Segurança defende a estratégia de enfrentamento -definida como "operações de desarmamento". Segundo ele, desarticuladas as quadrilhas, e sem a renda do tráfico, os bandidos menores vão tentar praticar outros crimes e esbarrar com um policiamento mais numeroso na rua. Até agora, está em cartaz apenas parte dessa estratégia.
Beltrame admite que falta polícia nas ruas. O índice de assaltos a transeuntes é o que mais cresce no Estado (28,4% de 2007 em relação a 2006).
A seguir os principais trechos da entrevista.

 

FOLHA - O crime no Rio é organi- zado?
JOSÉ MARIANO BELTRAME -
Não existe crime organizado no Rio. O que há são pessoas que lidam com o dinheiro [da droga], pessoas que lidam com a segurança, com a armazenagem e com a venda.

FOLHA - Por que, então, tanta importância atribuída ao CV (Comando Vermelho)?
BELTRAME -
O CV tem o domínio de 80% das favelas. E é quem compra a droga a ser distribuída pelos principais entrepostos, como o morro do Alemão [na zona norte].

FOLHA - O CV é o principal alvo da Segurança no Rio?
BELTRAME -
Não se trata apenas de prender as lideranças, porque elas são automaticamente substituídas. A importância [das operações] é desarticular as quadrilhas. Quando a gente bate forte nos grupos mais estruturados, os crimes comuns aumentam. Os quadros mais periféricos vêm buscar os seus ganhos nas ruas.

FOLHA - Parece uma situação sem solução: ataca-se o tráfico e os assaltos aumentam...
BELTRAME -
É preciso sedimentar isso [as operações] para quando o cara sair de lá encontrar a polícia. Um exemplo disso foi o Pan-Americano. Nós tínhamos 10 mil policiais nas ruas, e os índices de violência foram lá embaixo [os roubos caíram 10% em julho de 2007 e voltaram a subir em agosto].

FOLHA - Por que não é sempre assim?
BELTRAME -
Faltam policiais. Não sou pessimista de achar que é uma situação sem solução. Temos de continuar a fazer operações nos redutos das facções, mas minha lição de casa neste ano é a gestão de recursos humanos. Nós precisamos colocar polícia na rua, diminuir funções administrativas. Estamos fazendo testes com dias em que não haverá expediente administrativo em batalhões. Todos os policiais [militares] irão para as ruas reforçar a ostensividade. Hoje nós temos 5.000 policiais prontos para uma população de 11 milhões. É um absurdo.

FOLHA - O senhor está há um ano e meio num cargo de alta tensão, atravessou várias crises. Qual o momento mais difícil?
BELTRAME -
Antes de tomar posse. Quando definíamos se a Seap (Secretaria de Administração Penitenciária) ficaria sob nossa responsabilidade, aconteceu uma série de ataques. Incendiaram um ônibus com pessoas dentro. Metralharam uma delegacia e balearam pelas costas um cidadão que fazia registro de ocorrência. Isso não é crime comum. Foi uma demonstração de força do CV.

FOLHA - E por quê?
BELTRAME -
Porque havia uma cultura no Rio de que, em certos lugares, o Estado não entra. Uma cultura de inércia e inépcia do Estado. Isso criou um tipo de criminalidade que não se vê em outras capitais. No Rio, não basta roubar, tem de matar. Mataram o meu segurança com 82 tiros. Nem sabiam que ele era policial. Estava de terno, um cidadão comum. Vejam se isso ocorre em São Paulo ou Recife. Se não existe Estado, não há atalho: estamos aqui e temos que ir para ali.

FOLHA - Por isso a política do confronto?
BELTRAME -
Não tem política do confronto, tem a política do desarmamento.

FOLHA - Houve os ataques de dezembro [de 2006], depois os assassinatos de policiais, a morte do menino João Hélio [arrastado por ladrões de carro] em fevereiro. Ali o senhor pensou que a sua tarefa seria mais difícil do que imaginava?
BELTRAME -
O caso João Hélio foi o mais doloroso. Sou pai, tenho sentimentos. Aquilo foi uma monstruosidade. Mas o problema da segurança do Rio é imenso. Nós temos de pensar macro. Nos 200 anos de polícia no Brasil, talvez a mudança mais significativa seja a que fizemos para acabar com a ingerência política na polícia. Não tem mais indicação política em batalhão, delegacia ou chefia de polícia.

FOLHA - Com aquela seqüência de acontecimentos, havia uma sensação generalizada de descontrole. A operação no Alemão, com 19 mortos, foi um divisor de águas na política de segurança do Estado?
BELTRAME -
Foi, pelo ineditismo de uma operação daquelas. Fomos a lugares em que a polícia não ia havia quatro ou cinco anos. Hoje não vamos mais a lugar nenhum sem planejamento: "Os senhores vão fazer o que, no morro, atrás de quem e por quê? Quantos precisam? 60? Vamos com 120. Um dando cobertura ao outro".

FOLHA - E a partir dali, as operações seguiram o modelo...
BELTRAME -
A gente atua com inteligência e investigação. Não temos efetivo para brincar. Não há mais como arriscar. Nós temos que sair para buscar o resultado.

FOLHA - O senhor fala em cultura da violência, mas ela parece disseminada pela sociedade. Após a operação do Alemão, o senhor foi aplaudido de pé numa casa de espetáculos freqüentada por gente de classe alta. As pessoas não estavam aplaudindo a morte de 19 supostos criminosos pela polícia?
BELTRAME -
Não vejo dessa forma. Eles se manifestaram porque houve uma posição diferente da polícia.

FOLHA - De enfrentamento?
BELTRAME -
De desarmamento. Mas para desarmar é necessário o confronto. Eu diria mais, que é inevitável o confronto. Não pense que o policial sobe o morro sorrindo. As pessoas que estão lá vão proteger o seu negócio. Se não formos organizados, vamos ser escorraçados. Nos últimos três meses, apreendemos 12 armas calibre ponto 30 [capazes de furar blindados]. Eles querem essas armas para quê?

FOLHA - A polícia sobe o morro, apreende drogas e armas, troca tiros, mata e, no dia seguinte, recomeça. Isso há anos. O senhor mesmo, outro dia, repetiu uma frase usada por um ex-secretário de Segurança [Nilo Baptista, do governo de Leonel Brizola (91-94)], de que a polícia "enxuga gelo" no Rio...
BELTRAME -
Eu não sou pessimista de achar que isso não vai terminar nunca. Mas, se a gente não enxugar gelo agora, vamos ter que enxugar um iceberg lá na frente.

FOLHA - No caso do Alemão, onde, há um ano, não tem havido mais confrontos e as principais lideranças teriam saído, ainda é necessário o cerco da Força Nacional?
BELTRAME -
Acho que nós temos que rearranjar a Força Nacional. Ali ela já cumpriu o seu papel. Uma força estática por muito tempo faz com que os criminosos achem outros caminhos e estratégias.


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