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ENTREVISTA - JOSÉ MARIANO BELTRAME
Confronto é inevitável, afirma secretário de Segurança do Rio
Para José Mariano Beltrame, estratégia é desarticular quadrilhas e fazê-las perder renda do tráfico; falta, porém, polícia nas ruas, diz
ITALO NOGUEIRA
SERGIO COSTA
DA SUCURSAL DO RIO
Há um ano e meio no cargo
mais crítico do Estado do Rio
de Janeiro, o gaúcho José Mariano Beltrame, 51, está seguro
de que encontrou a fórmula para reduzir a violência no Rio:
ela combina grandes operações
policiais -como a que reuniu
1.250 homens em junho do ano
passado e matou 19 pessoas no
complexo do Alemão- com policiamento ostensivo.
Transformado em celebridade após aquela operação, o secretário de Segurança ainda
não pode comemorar mudanças drásticas nas estatísticas.
Sua gestão manteve a tendência histórica dos registros -exceção para o roubo de veículos,
que caiu após três anos de alta
(14,4% na capital, de 2006 para
o ano passado).
Beltrame comanda a polícia
que mais matou nos dez anos
de registro oficial para autos de
resistência -mortes em supostos confrontos com policiais.
Foram 1.330 em 2007, mais de
três por dia. Para ele, o confronto com mortes é inevitável, devido ao grau de armamento dos
criminosos. No primeiro bimestre deste ano, a polícia já
matou 28,3% a mais na capital
do que no mesmo período do
ano passado.
O secretário de Segurança
defende a estratégia de enfrentamento -definida como "operações de desarmamento". Segundo ele, desarticuladas as
quadrilhas, e sem a renda do
tráfico, os bandidos menores
vão tentar praticar outros crimes e esbarrar com um policiamento mais numeroso na rua.
Até agora, está em cartaz
apenas parte dessa estratégia.
Beltrame admite que falta polícia nas ruas. O índice de assaltos a transeuntes é o que mais
cresce no Estado (28,4% de
2007 em relação a 2006).
A seguir os principais trechos
da entrevista.
FOLHA - O crime no Rio é organi-
zado?
JOSÉ MARIANO BELTRAME - Não
existe crime organizado no Rio.
O que há são pessoas que lidam
com o dinheiro [da droga], pessoas que lidam com a segurança, com a armazenagem e com a
venda.
FOLHA - Por que, então, tanta importância atribuída ao CV (Comando Vermelho)?
BELTRAME - O CV tem o domínio de 80% das favelas. E é
quem compra a droga a ser distribuída pelos principais entrepostos, como o morro do Alemão [na zona norte].
FOLHA - O CV é o principal alvo da
Segurança no Rio?
BELTRAME - Não se trata apenas
de prender as lideranças, porque elas são automaticamente
substituídas. A importância
[das operações] é desarticular
as quadrilhas. Quando a gente
bate forte nos grupos mais estruturados, os crimes comuns
aumentam. Os quadros mais
periféricos vêm buscar os seus
ganhos nas ruas.
FOLHA - Parece uma situação sem
solução: ataca-se o tráfico e os assaltos aumentam...
BELTRAME - É preciso sedimentar isso [as operações] para
quando o cara sair de lá encontrar a polícia. Um exemplo disso foi o Pan-Americano. Nós tínhamos 10 mil policiais nas
ruas, e os índices de violência
foram lá embaixo [os roubos
caíram 10% em julho de 2007 e
voltaram a subir em agosto].
FOLHA - Por que não é sempre assim?
BELTRAME - Faltam policiais.
Não sou pessimista de achar
que é uma situação sem solução. Temos de continuar a fazer
operações nos redutos das facções, mas minha lição de casa
neste ano é a gestão de recursos
humanos. Nós precisamos colocar polícia na rua, diminuir
funções administrativas. Estamos fazendo testes com dias
em que não haverá expediente
administrativo em batalhões.
Todos os policiais [militares]
irão para as ruas reforçar a ostensividade. Hoje nós temos
5.000 policiais prontos para
uma população de 11 milhões. É
um absurdo.
FOLHA - O senhor está há um ano e
meio num cargo de alta tensão,
atravessou várias crises. Qual o momento mais difícil?
BELTRAME - Antes de tomar
posse. Quando definíamos se a
Seap (Secretaria de Administração Penitenciária) ficaria
sob nossa responsabilidade,
aconteceu uma série de ataques. Incendiaram um ônibus
com pessoas dentro. Metralharam uma delegacia e balearam
pelas costas um cidadão que fazia registro de ocorrência. Isso
não é crime comum. Foi uma
demonstração de força do CV.
FOLHA - E por quê?
BELTRAME - Porque havia uma
cultura no Rio de que, em certos lugares, o Estado não entra.
Uma cultura de inércia e inépcia do Estado. Isso criou um tipo de criminalidade que não se
vê em outras capitais. No Rio,
não basta roubar, tem de matar.
Mataram o meu segurança com
82 tiros. Nem sabiam que ele
era policial. Estava de terno,
um cidadão comum. Vejam se
isso ocorre em São Paulo ou Recife. Se não existe Estado, não
há atalho: estamos aqui e temos
que ir para ali.
FOLHA - Por isso a política do confronto?
BELTRAME - Não tem política do
confronto, tem a política do desarmamento.
FOLHA - Houve os ataques de dezembro [de 2006], depois os assassinatos de policiais, a morte do menino João Hélio [arrastado por ladrões
de carro] em fevereiro. Ali o senhor
pensou que a sua tarefa seria mais
difícil do que imaginava?
BELTRAME - O caso João Hélio
foi o mais doloroso. Sou pai, tenho sentimentos. Aquilo foi
uma monstruosidade. Mas o
problema da segurança do Rio é
imenso. Nós temos de pensar
macro. Nos 200 anos de polícia
no Brasil, talvez a mudança
mais significativa seja a que fizemos para acabar com a ingerência política na polícia. Não
tem mais indicação política em
batalhão, delegacia ou chefia de
polícia.
FOLHA - Com aquela seqüência de
acontecimentos, havia uma sensação generalizada de descontrole. A
operação no Alemão, com 19 mortos, foi um divisor de águas na política de segurança do Estado?
BELTRAME - Foi, pelo ineditismo
de uma operação daquelas. Fomos a lugares em que a polícia
não ia havia quatro ou cinco
anos. Hoje não vamos mais a
lugar nenhum sem planejamento: "Os senhores vão fazer
o que, no morro, atrás de quem
e por quê? Quantos precisam?
60? Vamos com 120. Um dando
cobertura ao outro".
FOLHA - E a partir dali, as operações
seguiram o modelo...
BELTRAME - A gente atua com
inteligência e investigação. Não
temos efetivo para brincar. Não
há mais como arriscar. Nós temos que sair para buscar o resultado.
FOLHA - O senhor fala em cultura
da violência, mas ela parece disseminada pela sociedade. Após a operação do Alemão, o senhor foi aplaudido de pé numa casa de espetáculos freqüentada por gente de classe
alta. As pessoas não estavam aplaudindo a morte de 19 supostos criminosos pela polícia?
BELTRAME - Não vejo dessa forma. Eles se manifestaram porque houve uma posição diferente da polícia.
FOLHA - De enfrentamento?
BELTRAME - De desarmamento.
Mas para desarmar é necessário o confronto. Eu diria mais,
que é inevitável o confronto.
Não pense que o policial sobe o
morro sorrindo. As pessoas que
estão lá vão proteger o seu negócio. Se não formos organizados, vamos ser escorraçados.
Nos últimos três meses,
apreendemos 12 armas calibre
ponto 30 [capazes de furar
blindados]. Eles querem essas
armas para quê?
FOLHA - A polícia sobe o morro,
apreende drogas e armas, troca tiros, mata e, no dia seguinte, recomeça. Isso há anos. O senhor mesmo, outro dia, repetiu uma frase
usada por um ex-secretário de Segurança [Nilo Baptista, do governo de
Leonel Brizola (91-94)], de que a polícia "enxuga gelo" no Rio...
BELTRAME - Eu não sou pessimista de achar que isso não vai
terminar nunca. Mas, se a gente
não enxugar gelo agora, vamos
ter que enxugar um iceberg lá
na frente.
FOLHA - No caso do Alemão, onde,
há um ano, não tem havido mais
confrontos e as principais lideranças
teriam saído, ainda é necessário o
cerco da Força Nacional?
BELTRAME - Acho que nós temos
que rearranjar a Força Nacional. Ali ela já cumpriu o seu papel. Uma força estática por
muito tempo faz com que os
criminosos achem outros caminhos e estratégias.
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