São Paulo, segunda-feira, 17 de junho de 2002

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MOACYR SCLIAR

Em busca do ouro

 Taça de champanhe com partículas de ouro. Cardápio em anúncio publicitário de restaurante, 11.jun.2002

O dono da empresa resolveu oferecer um jantar aos funcionários mais dedicados, e ele, claro, foi convidado: afinal, estava completando 25 anos no emprego sem ter faltado um dia sequer. Ou seja: em termos de dedicação, era exemplo. De modo que, na noite do jantar, lá estava ele, com seu melhor terno.
Era um restaurante elegante, o restaurante mais elegante que ele já vira. Verdade que não frequentava muito tais lugares, mas aquilo era coisa de cinema, até pianista tinha, tocando música romântica.
Um cardápio foi distribuído e ele examinou-o com atenção. Os pratos, com nomes franceses, eram para ele inteiramente desconhecidos. Mas um item lhe chamou a atenção. Antes do jantar seria servida uma taça de champanhe com partículas de ouro. Ouro no champanhe? Aquilo era novidade. E será que não faria mal? Resolveu perguntar a um colega, que sorriu, superior: ouro no champanhe era uma coisa sofisticada, elegante:
- Pode tomar sem medo.
Ele tomou o champanhe, que, de fato, tinha um gosto muito bom, nada de estranho. E aí começou a fazer cálculos. Pelo que tinha lido nos jornais, o ouro estava em alta. Portanto haveria uma boa grana na taça de champanhe. A questão era: como recuperar o ouro? Claro que não poderia levar o champanhe para casa. Mas, se o tomasse, o que aconteceria? Isso o colega não sabia ao certo, mas achava que o ouro sairia na urina. O que resolvia o problema: era só coletar a própria urina, deixá-la evaporar e recolher o precioso metal.
Quando o garçom veio com as taças de champanhe, ele se precipitou. Tomou uma, duas, três, várias taças da bebida. Os demais convidados olhavam-no com surpresa, mas ele não dava bola: em matéria de investimento, é preciso ser agressivo, principalmente quando o mercado se mostra instável, nervoso.
Tanto champanhe tomou que ficou alegre. E inconveniente. Aproximou-se do patrão, que estava acompanhado da segunda esposa, uma jovem e bela mulher, e fez alguns gracejos pesados. O homem não hesitou: chamou-o a um canto e despediu-o. Ele teria de ir embora, sem ao menos jantar.
Foi, não sem antes tomar mais quatro taças de champanhe. Chegando em casa, pegou uma vasilha e urinou abundantemente, esperando ver ali os reflexos dourados de um próspero futuro. Mas a urina tinha aspecto absolutamente comum. Cor de urina, cheiro de urina.
Concluiu que o ouro está agora incorporado a seu organismo. Embora desempregado, agora vale mais. É o que diz a si próprio, cada vez que se olha ao espelho:
- Aí está um cara que vale ouro.


O escritor Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em reportagens publicadas no jornal.



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