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MOACYR SCLIAR
Em busca do ouro
Taça de champanhe com partículas
de ouro. Cardápio em anúncio publicitário de restaurante,
11.jun.2002
O dono da empresa resolveu oferecer um jantar aos
funcionários mais dedicados, e
ele, claro, foi convidado: afinal,
estava completando 25 anos no
emprego sem ter faltado um dia
sequer. Ou seja: em termos de dedicação, era exemplo. De modo
que, na noite do jantar, lá estava
ele, com seu melhor terno.
Era um restaurante elegante, o
restaurante mais elegante que ele
já vira. Verdade que não frequentava muito tais lugares, mas
aquilo era coisa de cinema, até
pianista tinha, tocando música
romântica.
Um cardápio foi distribuído e
ele examinou-o com atenção. Os
pratos, com nomes franceses,
eram para ele inteiramente desconhecidos. Mas um item lhe chamou a atenção. Antes do jantar
seria servida uma taça de champanhe com partículas de ouro.
Ouro no champanhe? Aquilo era
novidade. E será que não faria
mal? Resolveu perguntar a um colega, que sorriu, superior: ouro no
champanhe era uma coisa sofisticada, elegante:
- Pode tomar sem medo.
Ele tomou o champanhe, que,
de fato, tinha um gosto muito
bom, nada de estranho. E aí começou a fazer cálculos. Pelo que
tinha lido nos jornais, o ouro estava em alta. Portanto haveria uma
boa grana na taça de champanhe. A questão era: como recuperar o ouro? Claro que não poderia
levar o champanhe para casa.
Mas, se o tomasse, o que aconteceria? Isso o colega não sabia ao
certo, mas achava que o ouro sairia na urina. O que resolvia o problema: era só coletar a própria
urina, deixá-la evaporar e recolher o precioso metal.
Quando o garçom veio com as
taças de champanhe, ele se precipitou. Tomou uma, duas, três, várias taças da bebida. Os demais
convidados olhavam-no com surpresa, mas ele não dava bola: em
matéria de investimento, é preciso ser agressivo, principalmente
quando o mercado se mostra instável, nervoso.
Tanto champanhe tomou que
ficou alegre. E inconveniente.
Aproximou-se do patrão, que estava acompanhado da segunda
esposa, uma jovem e bela mulher,
e fez alguns gracejos pesados. O
homem não hesitou: chamou-o a
um canto e despediu-o. Ele teria
de ir embora, sem ao menos jantar.
Foi, não sem antes tomar mais
quatro taças de champanhe. Chegando em casa, pegou uma vasilha e urinou abundantemente, esperando ver ali os reflexos dourados de um próspero futuro. Mas a
urina tinha aspecto absolutamente comum. Cor de urina,
cheiro de urina.
Concluiu que o ouro está agora
incorporado a seu organismo.
Embora desempregado, agora vale mais. É o que diz a si próprio,
cada vez que se olha ao espelho:
- Aí está um cara que vale ouro.
O escritor Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de
ficção baseado em reportagens publicadas no jornal.
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