São Paulo, domingo, 17 de junho de 2007 |
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GILBERTO DIMENSTEIN O Brasil do dia seguinte
PROFESSORA DA UNIVERSIDADE de São Paulo, a ginecologista Albertina Duarte Takiuti notou, em seu consultório,
o crescente número de adolescentes
que usavam a chamada pílula do dia
seguinte para evitar a gravidez. A imensa maioria dos brasileiros pode até suspeitar, mas não conhece o tamanho da tragédia da falta de planejamento familiar -e, daí, a importância da pílula do dia seguinte. De acordo com os últimos dados oficiais disponíveis (2004), a cada hora, três meninas de idades entre 10 e 14 anos se tornam mães. Se elevarmos essa faixa etária até os 19 anos, há o registro de uma nova mãe adolescente por minuto. Repito: minuto. Isso quer dizer que, desde que você começou a ler esta coluna até agora, pelo menos uma menina já teve um filho. Vamos traduzir um pouco mais: são 661.290 mães adolescentes todos os anos. Vamos adiante: 44 mil adolescentes são internadas por ano por causa do aborto. Calcula-se que mais 300 mil jovens com menos de 19 anos tenham feito aborto, mas não tenham tido problemas médicos. Somando-se tudo, gira em torno de 1 milhão o número de garotas que engravidam anualmente, tornadas mães precoces ou obrigadas a abortar. Registre-se também que são 180 mil as mulheres acima de 19 anos internadas na rede pública por problemas da interrupção de gravidez. Esse é o Brasil do dia seguinte. Já sabemos que a gravidez precoce é uma das principais causas de evasão escolar e, segundo uma série de estudos científicos, uma das causas da violência -filhos indesejados, rejeitados, descuidados são um óbvio estímulo à marginalidade. O tema do aborto foi lançado (corajosamente, diga-se) pelo ministro da Saúde, José Gomes Temporão. Causou polêmica (falou-se em plebiscito), até que, aos poucos, foi saindo de cena -e, enfim, foi desautorizado por Lula. A pista da pesquisa conduzida pela professora Albertina é a seguinte: por mais indesejável que seja, a pílula do dia seguinte está caindo no gosto das adolescentes e, se disseminada maciçamente pela rede pública, conectada às escolas, a tragédia da gravidez precoce e do aborto poderá ser menor. Fica ainda a tragédia das doenças sexualmente transmissíveis -e, aí, a pílula do dia seguinte corre o risco de virar uma ameaça. "A jovem pode se sentir tentada a não se proteger, imaginando que se valerá desse recurso final", afirma a ginecologista com base em entrevistas feitas com adolescentes. O que já sabe é que o melhor caminho é o mais difícil -jovens com auto-estima elevada, apostando em carreira e estudos, já vêm com anticoncepcional na cabeça. Temos aí não o Brasil do dia seguinte, mas o Brasil do amanhã. PS - Para evitar o "Brasil do dia seguinte", vêm sendo realizados projetos experimentais que usam os mais diversos recursos com garotos e garotas. Essas experiências deveriam ser disseminadas rapidamente em toda a rede pública. Coloquei em meu site (www.dimenstein.com.br) alguns exemplos.
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