São Paulo, domingo, 17 de junho de 2007

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Dramaturgos criam tramas inspiradas em rabiscos

Histórias se baseiam em desenhos de restaurantes

GUSTAVO FIORATTI
DA REVISTA DA FOLHA

Se existe no mundo alguma obra de arte destinada a ir para o lixo é aquele seu rabisco despretensioso no papel-manteiga que encobre mesas de bares e restaurantes da cidade. Que tal mudar um dedinho dessa terrível fatalidade? Mais: por que não adicionar um pouco de fantasia num hábito tão prosaico quanto rabiscar um papel a esmo? A Revista foi a três estabelecimentos que encorajam seus fregueses a desenvolver suas veias artísticas e lá encontrou as peças reproduzidas nesta página.

Brincadeira
A brincadeira não termina na publicação dessas obras abandonadas entre restos de comida e manchas de café. Dois dramaturgos foram convidados a criar histórias e diálogos fictícios inspirados pelos rabiscos (um tico de fantasia, por que não?). O mérito, no entanto, é desses ilustradores de mesa, que, ao ceder ao convite do giz de cera durante uma refeição familiar, um almoço de negócios ou um jantar romântico, criaram uma pausa colorida no cotidiano, por vezes cinzento.
Excessivamente trivial? Pode ser. Mas, como diria Toquinho, melhor ficar com as cores. Porque um dia, enfim, toda aquarela descolorirá.
O leitor pode conferir o resultado de dois dos trabalhos. Há outras três criações no site da Revista (www.uol.com.br/revista), aberto para assinantes da Folha ou do UOL.


Agradecimentos: restaurantes Ráscal, Galpão da Pizza, Viena e aos desenhistas que lá deixaram suas obras

Mário Viana




* Dramaturgo, foi colaborador da novela "Paixões Proibidas" (Band) e está em cartaz com as peças "Carro de Paulista", no Teatro Maria della Costa, e "O Amor do Sim", no Espaço dos Satyros 1.

Eu chego e digo: "Uma semana no Rio, vê se pode". Com cara de chateado. "Uma semana no Rio, amor, vê se pode". É bom não forçar na chateação, ela é capaz de desconfiar. "Um congresso lá no Riocentro. Longe demais da praia. Não vou ver nem a cor do mar." Ô, meu pai, do jeito que ela é desconfiada. O congresso no Rio é verdade, mas termina na sexta-feira. Hotel pago, avião. Que custa ficar um fim de semana? O Miguel conta a mesma história pra Tina, se elas se falarem... Opa, olha ela. Melhor rasgar o desenho.

MILTON: Dá outro Big Mac.
CIDA: Não, filhinho. O seu avião vai sair já, já.
MILTON: Mas eu queria.
CIDA: Lá em Camboriú você pede pro seu pai comprar.
MILTON: Tem Mac em Camboriú?
CIDA: Deve ter. Em qualquer lugar do mundo tem. Ih, ouviu? Chamaram o seu vôo. Vamos lá.
MILTON: Espera eu terminar o desenho.
CIDA: Não vai dar tempo. Vai, Miltinho, larga esse desenho. (pausa) Filhinho. Vamos combinar uma coisa?
MILTON: O quê?
CIDA: Não conta pro seu pai do novo namorado da mamãe, tá?

Samir Yazbek




* Dramaturgo e diretor teatral, autor de "A Terra Prometida" e "O Invisível". Em 1999, recebeu o Prêmio Shell pela peça "O Fingidor".

É possível que o desenho tenha sido feito pelo mais iludido. Talvez um deles intuísse o futuro, sem que o outro o soubesse. Pode ser que compartilhassem um segredo. Melhor seria se tivessem desenhado juntos.

ELA: (pensando) Eu estava ansiosa por este encontro.
ELE: Blá, blá, blá.
ELA: (pensando) Essas flores bem que podiam ser dele.
ELE: Blá, blá, blá.
ELA: (pensando) Mas ele não pára de falar.
ELE: Blá, blá, blá.
ELA: (pensando) O que ele está desenhando?
ELE: Blá, blá, blá.
ELA: (pensando) Acho que vou me enterrar nesse jardim.

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