São Paulo, domingo, 17 de agosto de 2008

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Publicitária que foi alvo de atentado quer rever o pai

Renato Garembeck Archilla, 49, e Nicolau Archilla Messa, 81, dizem que são inocentes; Renata diz que quer ver o pai para lhe perguntar: "Por quê?"

Renata Archilla não entende por que pai e avô teriam supostamente mandado matá-la


Marlene Bergamo/Folha Imagem
Renata Archilla, com sua avó Iara, relata o romance de seus pais e o atentado que sofreu, segundo ela, a mando de seu pai e de seu avô

LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL

"Por quê? Eu sei que ninguém pode ser obrigado a amar ninguém. Mas eu nunca fiz nada de mal para você. Eu nunca fui à sua casa para ofender. Por que você fez isso comigo?"
Vítima de atentado contra sua vida -um tiro na bochecha, outro logo abaixo do nariz (a bala ficou alojada na coluna vertebral) e outro no pulso esquerdo-, cometido por um homem vestido de Papai Noel a cinco dias do Natal de 2001, a publicitária Renata Guimarães Archilla, 29, desde logo teve a certeza de que os mandantes do crime foram seu pai e avô. No dia 12, os dois, que alegam inocência, foram presos em São Paulo. A jovem sobrevivente, depois de se submeter a oito cirurgias reparadoras (chegou a ter a morte anunciada em virtude de complicações), ainda manifesta o desejo de se encontrar com o pai, Renato Garembeck Archilla, 49, para lhe perguntar: "Por quê?"
Renata Archilla é o único fruto do amor que, por um ano e meio, uniu Renato e Iara Lúcia Guimarães. Permitido pela família dela e não pela dele, os dois se separaram quando apenas se confirmara a gravidez que gerou Renata. Testes de DNA reconheceram que ela era uma "Archilla" quando a menina tinha 7 anos.
Renata acredita que a vontade de eliminá-la veio com a decisão judicial que determinou a obrigação paterna de lhe pagar uma pensão alimentícia até os 24 anos, somada ao fato de que ela, nunca aceita pelo pai, se tornara herdeira dos bens dele (inclui-se fazenda em Sorocaba onde se criam cavalos).
Com feições e modos delicados, Renata fez questão de mostrar o álbum de fotos em que sua mãe aparece em companhia de Renato na fazenda de cavalos. Também mostrou as cartas que o então apaixonado Renato enviou para Iara. "Minha mãe e ele viveram um lindo amor. Juntos, eles planejaram a gravidez. Depois, ele se acovardou. Foi a maior decepção da minha mãe", acredita.
Abaixo, trechos da entrevista que Renata concedeu à Folha na última quarta-feira na casa de sua avó materna, Iara Guimarães, um sobrado geminado no bairro de Moema, zona sul de São Paulo.

O COMEÇO
Eles se conheceram no Guarujá -mamãe tinha 17 anos, ele, 19. Meu pai sempre mandava flores. Ele a chamava de "Prin", de princesa, escrevia cartas de amor derramado. Tinha acabado de entrar na Fundação Getúlio Vargas e ela estava fazendo cursinho. Minha mãe comentava que o meu avô Nicolau nunca gostou muito dela [refere-se a Nicolau Archilla Messa, 81, preso com o filho sob acusação de ter planejado a execução da neta]. Mas, superapaixonado, meu pai um dia pediu-a em casamento. Para driblar a oposição paterna, ele teve a idéia: como meu avô tinha muita vontade de ter um neto, seria uma boa minha mãe engravidar. Uma vez confirmada a gestação, eles chegariam com a "feliz notícia" e tudo se resolveria. No dia 31 de dezembro de 1978, meu pai levou minha mãe a um hotel para a primeira noite deles. Logo, o teste de gravidez deu positivo e meu pai foi contar para o Nicolau. "Ou você fica com ela, ou com sua família." Deu tudo errado.
Renato foi à casa do meu avô José Bernardino Guimarães, onde a minha mãe morava: "Seu Guimarães, eu não tenho coragem de assumir essa situação". De repente, ele se transformou em uma coisa frágil. Mamãe ficou inconsolada.
Já com a gestação avançada, uma vez a minha mãe viu meu pai dentro de um [carro] BMW, parado em um semáforo da rua Augusta. Correu para falar com ele, que fechou o vidro. O farol abriu. Ele arrancou. Mamãe ficou plantada na rua.

O NASCIMENTO
Minha mãe não queria nada da família Archilla. Mas meu avô materno insistia que eu tinha um pai que não era desconhecido, que eu tinha o direito de ter o nome do meu pai. Ele achava que depois, se eu quisesse tirar o nome do pai, seria uma decisão minha.
Quando nasci, no dia 15 de agosto de 1979, às 22h35, no Hospital São Luiz, minha mãe estava cercada pela sua família e amigos. Meu pai não apareceu. A enfermeira de plantão contou para minha mãe que um homem se apresentou naquela madrugada no berçário, dizendo ser parente, ficou uma hora comigo no colo, e chorou muito. A enfermeira descreveu-o. Era Renato Archilla -minha mãe tinha certeza.

PATERNIDADE
Em 1980, começou o processo de reconhecimento de paternidade. Quando eu tinha nove anos, veio a notícia de que a Justiça tinha me concedido o direito de usar o nome Archilla. Fiquei superfeliz com a decisão da Justiça. Então, minha mãe telefonou para o meu pai. Perguntou-lhe se já sabia da novidade. "Não". Pedi para falar com ele. "Eu não tenho filha."
Anos mais tarde, surgiu um superexame de DNA, última palavra em teste de paternidade. Fomos fazer na Pro-Matre. Chegamos ao hospital e eles já estavam lá -Nicolau com o meu pai. Uma hora a enfermeira chamou. Ficamos só nós três em uma sala. Meu pai sentou-se à minha esquerda e minha mãe, à direita. Foi a única vez em que tive os dois ao meu lado.
Tiramos o sangue. O médico pediu que eu escrevesse meu nome no meu tubinho de sangue, que minha mãe escrevesse o nome do meu pai no tubo dele, e que ele escrevesse o nome da minha mãe no tubo dela. Era para que ninguém suspeitasse da troca dos tubos de sangue. Então, ele se virou para minha mãe e perguntou: "Como é mesmo o seu nome?" Iara Lucia Chinaglia Guimarães, respondeu minha mãe, que logo emendou: "E o seu, como é?". Ela não ia ficar por baixo. Foi por muito pouco que eu não perguntei: "E o meu mesmo, como é?" Quando saí da Pro-Matre, chorei, chorei.

MORTE DA MÃE
Quando eu tinha seis anos e ela 26, minha mãe descobriu que estava com câncer. Foram dez anos de sofrimento, força e dor. Começou no seio (ela teve de tirar e fazer reconstrução), depois apareceu no pulmão, então nos ossos e, por último, no cérebro. Minha mãe ia para a quimioterapia, saía e ia trabalhar direto. Pensa que ela ficava chorando de dor? Ela mesma aplicava na perna ou na barriga o granuloquine [um concentrado de leucócitos] logo depois da quimio. Foram pouquíssimas as vezes que ela falava "hoje estou com dor nos ossos e não vou trabalhar". Eu tinha 16 anos, no dia 3 de julho de 1996, às 8h, quando ela faleceu.

ENCONTRO MARCADO
Fui morar com meus avós. Havia um telefone no meu quarto. Meu pai começou a ligar nesse telefone. Dizia que queria conversar. Eu tentava tranqüilizá-lo: ele não precisava me amar do dia para a noite. Eu só queria conhecê-lo. Ele me perguntava, por exemplo, se eu já havia visto o nascimento de um potro. "Não? É a coisa mais linda e mais emocionante que já vi na vida. Um dia levo você na fazenda, para ver como é lindo." Toda vez que ele me ligava, as conversas acabavam com a promessa: "Hoje vou passar aí para buscar você." Eu me arrumava, ficava linda, uma supervontade de conhecer. Na hora H, ele ligava e desmarcava. Eu chorava todas as vezes.
Uma vez, na época dos telefonemas, eu tinha saído de carro com a minha avó. Pedi para passarmos na casa do Renato para que eu o visse. "Ah, vovó, a gente marca tanto e nunca dá, então vamos fazer como naquele ditado "se Maomé não vai à montanha, a montanha vai a Maomé"." Ela parou e eu bati a campainha da casa da rua Colômbia [trata-se de amplo imóvel da família Archilla, nos Jardins, zona sul]. "O que você está fazendo aqui? Por que você veio? Não deveria ter vindo."

A HORA DO CRIME
Tudo explodia dentro da minha boca. Depois, era o calor, parecia que eu estava sendo queimada viva. Aí, eu peguei os dentes, achando que pudesse colocá-los de volta na boca. Fui para o hospital segurando-os na mão. Na hora, o barulho é indescritível. Em volta, quando abri a porta do carro, tinha uma multidão falando. Mas eu estava meio surda e distante. Só me lembro de ouvir frases esparsas, "olha o rosto dela, todo furado". Os policiais me colocaram no carro. Ficou um policial de cada lado, eu no meio. De repente, vi minha imagem no retrovisor. Era um rombo na minha bochecha, um buraco no meio e um inchaço grotesco de sangue no pescoço. A língua estava partida ao meio. Também tinha um tiro no pulso, que só não arrancou a minha mão porque encontrou o anteparo do relógio que tinha sido da minha mãe, e que eu usava na hora.


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