São Paulo, domingo, 17 de agosto de 2008

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"Faria tudo outra vez", diz cirurgião que operou paciente durante 51 horas

RICARDO WESTIN
DA REPORTAGEM LOCAL

O médico Francisco Gregori Jr., 60, desenvolveu cinco técnicas de cirurgia cardíaca inéditas no mundo e criou duas próteses de válvula do coração. Publicou seis dezenas de estudos em concorridas revistas científicas. E, pelas suas contas, operou mais de 26 mil corações.
Mesmo com o vasto currículo, Gregori Jr. só virou celebridade por vias tortuosas.
Seu último feito, ocorrido no final de julho, ganhou o noticiário nacional na semana passada. No Hospital Evangélico de Londrina, no Paraná, ele passou 51 horas -mais de dois dias- lutando pela vida de um paciente que, após uma cirurgia, não parava de sangrar. O vendedor de carros Onivaldo Cassiano, 50, havia sido internado para corrigir um aneurisma na artéria aorta.
Liderada por Gregori Jr., a equipe entrou na sala de cirurgia na manhã de 28 de julho (segunda-feira) e só saiu na manhã do dia 30 (quarta-feira). Fora os breves intervalos para "lavar o rosto -tomar banho não-, trocar a camisa, tomar um suco, comer um sanduíche e tirar um cochilo numa poltrona", as horas foram passadas lutando pela vida do paciente.
Tentaram-se todas as técnicas possíveis para estancar o sangue, de drogas coagulantes e suturas mais apertadas ao uso das mãos para comprimir a hemorragia.
"Se fiquei exausto? Puxa, se fiquei", diz. "Intimamente, eu me dava prazos para resolver aquilo. Depois de um tempo, pensava: "Será que não está na hora de parar?". Mas bastava uma mexidinha dele para eu ganhar de novo o ânimo. Cada sinal de vida era uma euforia. Eu não tinha como desistir."
A cirurgia consumiu todo o estoque de sangue da região. Naqueles dois dias, cem litros de sangue passaram pelo corpo de Cassiano -o corpo humano contém, em média, sete litros. Uma das razões para ele ter sobrevivido foi o apoio da população de Londrina, que, atendendo aos apelos da TV, doou sangue B+ em peso.
Gregori Jr. conta que, passadas aquelas horas intermináveis, tomou "um belíssimo de um banho e um belíssimo de um relaxante muscular" e dormiu "belíssimas oito horas". "Acabei de me matricular numa academia. Preciso estar em forma caso isso aconteça de novo."
O cirurgião passou os últimos dias falando a jornais, revistas e emissoras de rádio e TV. "Faz dias que não consigo trabalhar", queixa-se. O paciente Cassiano, recém-saído da UTI mas ainda hospitalizado, ia pelo mesmo caminho até o médico, por razões óbvias, proibi-lo de continuar com as entrevistas. "Você acredita em milagre? Eu acredito. Só um milagre mesmo para me tirar de uma dessas", disse ele à Folha, a voz fraquejando, numa rápida entrevista por telefone.
A primeira vez que Gregori Jr. ganhou os holofotes foi em 1997. Sem saída após tentar de várias maneiras fechar o orifício do coração de uma mulher infartada, o cirurgião decidiu, no desespero, recorrer à potente cola Super Bonder. Para assombro da comunidade médica, foi a salvação.
Apesar de todo o noticiário, Gregori Jr. se diz avesso à celebridade e jura que ambos os episódios foram divulgados contra sua vontade.
"Gosto de ficar no meu canto. No episódio da cola, apareceram médicos me criticando nos jornais, na televisão. Foi um choque", diz. "Mas eu sou impetuoso mesmo. Quando a porta é fechada ali, você não imagina do que é capaz um cirurgião cardíaco. Antes de decretar a perda do paciente, ele tenta tudo que está na medicina e tudo que não está. Nos dois casos, eu faria tudo de novo."
Fora da medicina, Gregori Jr. faz questão de ser o centro das atenções. Com a mulher, um dos filhos e dois amigos, montou uma banda de rock sugestivamente batizada de Gregori's Heart Band (heart, em inglês, significa coração), que já tem "quatro CDs prensados na Zona Franca de Manaus". O cirurgião compõe, canta (em inglês), toca gaita e baixo. As apresentações são em congressos médicos. "Meu estilo vai mais para Bob Dylan, Cat Stevens e Dire Straights, algo assim."


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