São Paulo, quinta-feira, 17 de setembro de 2009

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PASQUALE CIPRO NETO

"Chuva recorde mata e paralisa SP"


Por que não adotar a construção abreviada, quando ela for mais concisa e eficiente do que a outra?

O TÍTULO PRINCIPAL da edição da quarta-feira passada da Folha foi este: "Chuva mata e paralisa SP". Alguns leitores reclamaram, entendendo que a construção não é das mais felizes. O argumento? O termo "SP" funciona (ou funcionaria?) como complemento de "mata" e "paralisa", ou seja, lida ao pé da letra, a frase informa que a tal chuva matou SP.
O desconforto causado pelo título do jornal poderia ser evitado com a simples alteração da ordem: "Chuva paralisa SP e mata". Nesse caso, o verbo "matar" seria usado como intransitivo, com o sentido de "causar mortes", como registram o "Aurélio" ("...tremedeira, sezão das que matavam em poucos dias") e o "Houaiss" ("Na entressafra, os produtores não matam").
Posto isso, vamos ao caso em si. Será que de fato a construção original faz o leitor entender que a chuva matou SP? Certamente não. É claro que, num primeiro momento, a conjunção aditiva "e" impõe ao leitor o par "mata e paralisa" e o consequente estranhamento da mensagem captada com essa leitura.
Ato contínuo, o leitor se "refaz" e entende o que realmente se pretendia informar. E aí vem a pergunta (que não quer calar): então a construção é boa e pode ser imitada? Isso são outros 500.
Em se tratando de língua escrita formal, o melhor é sempre perseguir a clareza imediata, ou seja, a construção que não exija uma segunda leitura ou a apropriação do contexto para ser compreendida.
O caso traz à tona outro aspecto dessa questão: o dos complementos de termos de regências diferentes, como se vê em "Ao toque da campainha, não entre, nem saia do trem", em que os verbos "entrar" e "sair" são complementados pelo mesmo termo ("do trem"). O chamado "rigor gramatical" diz que, como "entrar" pede a preposição "em" e "sair" pede a preposição "de", a frase deveria ser alterada para "Não entre no trem, nem saia dele". Será? Será que a segunda construção é mais eficiente do que a primeira? Será que essa "lei" pega, pegou ou um belo dia vai pegar?
Vejamos o que afirma a "Moderna Gramática Portuguesa", de Evanildo Bechara: "Ao gênio de nossa língua, porém, não repugnam tais formas abreviadas de dizer, principalmente quando vêm dar à expressão uma agradável concisão que o giro gramaticalmente correto nem sempre conhece". Em seguida, a obra dá este exemplo, de ninguém menos que Alexandre Herculano: "...que se deduz daí a favor ou contra o direito de propriedade literária?". A ser seguido o "rigor gramatical", a frase de A. Herculano seria alterada para "...que se deduz a favor do direito de propriedade literária ou contra ele?".
A construção imposta pelo rigor gramatical não é ruim, nem parece artificial, o que não significa que a adotada por A. Herculano não seja boa. É boa, sim, além de ser mais concisa. Ressalte-se ainda que ela não causa nenhuma dificuldade de entendimento ou de captação imediata de seu significado.
Domingos P. Cegalla cita este exemplo, de Camilo Castelo Branco: "Na companhia desta sua tia ficara Rosa, enquanto o cônego ia e vinha de Lisboa". Que tal trocar por "...o cônego ia a/para Lisboa e de lá vinha?". Sem comentário. Parece que o cônego fica pelo caminho...
Como se vê pelos exemplos, o fato está na língua há mais tempo do que talvez se possa imaginar. Nesses casos, o importante é ter critério para discernir entre o "correto" e o eficiente. Quando o "correto" é também eficiente, por que não adotá-lo? E por que não adotar a construção abreviada, quando ela for melhor do que a outra? É isso.

inculta@uol.com.br


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