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GILBERTO DIMENSTEIN
Faculdade para todos
Árbitro de futebol acaba de ganhar no Brasil um novo status intelectual -começa a ser oferecido curso na faculdade para quem
quiser apitar os jogos.
O diploma de árbitro faz parte
de um movimento que se instala
em todo o país, abrindo o ensino
superior para cursos, batizados
de sequenciais, de curta duração,
mais conectados com o mercado
de trabalho.
A abertura propicia maior oferta de vagas nas faculdades e melhor treinamento de mão-de-obra.
Propagam-se, especialmente, os
cursos voltados para as novas tecnologias com web design. Mas já
existe diploma até para gastronomia.
Não é apenas uma questão educacional, mas política. Facilitar a
entrada de centenas de milhares
de jovens nas faculdades tende a
criar um indivíduo mais atento,
crítico e exigente, vitaminando as
taxas de cidadania -até porque
tende a produzir mais leitores capazes de entender notícias.
Os cursos sequenciais são consequência de um boom de conhecimento no país, provocado, em
parte, pelas demandas do mercado de trabalho.
As estatísticas surpreendentes: a
cada ano, crescem em 700 mil as
novas matrículas do ensino médio, drenando mais gente para os
andares de cima da hierarquia
escolar.
Sinal desse boom está no recorde de inscrições da Fuvest e da
Unicamp este ano, respectivamente cerca de 149 mil e 43 mil.
Só de 1997 a 1998, o volume de
estudantes universitários expandiu 10%. O que significa mais 200
mil novos alunos, dois estádios do
Maracanã lotados.
O espaço de crescimento é gigantesco: proporcionalmente, temos menos estudantes universitários do que, pasmem, a Bolívia.
Está disseminada a percepção
de que a sobrevivência no emprego e o progresso salarial depende
de diplomas superiores; empresas
já pedem segundo grau até para
faxineiro.
A percepção está integralmente
fundamentada em números.
Pegue o período de 1992 a 1996,
de acordo com dados do IBGE.
Para quem tinha menos de cinco anos de escolaridade, a oferta
de vagas caiu 8%. Mas para
aqueles que detinham entre 9 e 11
anos, aumentou quase 30%.
As estatísticas mostram que reduziu o desemprego para quem
tem diploma de curso superior.
Em algumas áreas, a oferta é ainda maior do que a procura.
Há fartos sinais de que, de 1996
até agora, essa tendência tem se
aguçado ainda mais.
É, ao mesmo tempo, uma ótima
notícia e uma péssima notícia.
Ótima porque aumento da educação implica aumento de renda.
Péssima porque joga ainda
mais na marginalidade e na desesperança amplas camadas da
população, em particular, jovens,
analfabetos ou semi-analfabetos.
Ou que, apesar de alfabetizados,
não dominam um mínimo dos
códigos modernos como os rudimentos da linguagem computadorizada.
Fala-se, aqui, em milhões de
brasileiros, vivendo na periferias,
para quem o tempo é uma dramática contagem regressiva.
Raros problemas brasileiros são
tão sérios, com tão poucas perspectivas de solução e tão escassas
políticas públicas como a marginalização da juventude.
É o que explica, em larga medida, a corrosão das grandes cidades, transformadas em praças da
guerra.
Assim como, num dia, considerou-se o analfabetismo uma vergonha nacional, depois a evasão
escolar e a repetência, os fatos
conduzem para que, mais cedo ou
mais tarde, vire consenso que a
juventude sem escolaridade é um
dos mais devastadores dramas
brasileiros.
PS - Por causa da violência, assistimos, semana passada, uma
proposta que mostra até onde estamos perdendo o controle. Na
impossibilidade de garantir segurança para quem frequenta os
caixas eletrônicos dos bancos, o
Ministério da Justiça sugere: acabem com os caixas eletrônicos.
Deveriam ficar apenas em lugares mais seguros como os aeroportos ou se tiverem câmeras por todos os lados.
Parece aquela piada em que o
marido, flagrando a mulher com
outro homem no sofá, lançou
uma inusitada vingança: queimou o sofá.
E-mail: gdimen@uol.com.br
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