São Paulo, Domingo, 17 de Outubro de 1999
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GILBERTO DIMENSTEIN
Faculdade para todos

Árbitro de futebol acaba de ganhar no Brasil um novo status intelectual -começa a ser oferecido curso na faculdade para quem quiser apitar os jogos.
O diploma de árbitro faz parte de um movimento que se instala em todo o país, abrindo o ensino superior para cursos, batizados de sequenciais, de curta duração, mais conectados com o mercado de trabalho.
A abertura propicia maior oferta de vagas nas faculdades e melhor treinamento de mão-de-obra.
Propagam-se, especialmente, os cursos voltados para as novas tecnologias com web design. Mas já existe diploma até para gastronomia.
Não é apenas uma questão educacional, mas política. Facilitar a entrada de centenas de milhares de jovens nas faculdades tende a criar um indivíduo mais atento, crítico e exigente, vitaminando as taxas de cidadania -até porque tende a produzir mais leitores capazes de entender notícias.


Os cursos sequenciais são consequência de um boom de conhecimento no país, provocado, em parte, pelas demandas do mercado de trabalho.
As estatísticas surpreendentes: a cada ano, crescem em 700 mil as novas matrículas do ensino médio, drenando mais gente para os andares de cima da hierarquia escolar.
Sinal desse boom está no recorde de inscrições da Fuvest e da Unicamp este ano, respectivamente cerca de 149 mil e 43 mil.
Só de 1997 a 1998, o volume de estudantes universitários expandiu 10%. O que significa mais 200 mil novos alunos, dois estádios do Maracanã lotados.
O espaço de crescimento é gigantesco: proporcionalmente, temos menos estudantes universitários do que, pasmem, a Bolívia.
Está disseminada a percepção de que a sobrevivência no emprego e o progresso salarial depende de diplomas superiores; empresas já pedem segundo grau até para faxineiro.


A percepção está integralmente fundamentada em números.
Pegue o período de 1992 a 1996, de acordo com dados do IBGE.
Para quem tinha menos de cinco anos de escolaridade, a oferta de vagas caiu 8%. Mas para aqueles que detinham entre 9 e 11 anos, aumentou quase 30%.
As estatísticas mostram que reduziu o desemprego para quem tem diploma de curso superior. Em algumas áreas, a oferta é ainda maior do que a procura.
Há fartos sinais de que, de 1996 até agora, essa tendência tem se aguçado ainda mais.
É, ao mesmo tempo, uma ótima notícia e uma péssima notícia.


Ótima porque aumento da educação implica aumento de renda.
Péssima porque joga ainda mais na marginalidade e na desesperança amplas camadas da população, em particular, jovens, analfabetos ou semi-analfabetos. Ou que, apesar de alfabetizados, não dominam um mínimo dos códigos modernos como os rudimentos da linguagem computadorizada.
Fala-se, aqui, em milhões de brasileiros, vivendo na periferias, para quem o tempo é uma dramática contagem regressiva.


Raros problemas brasileiros são tão sérios, com tão poucas perspectivas de solução e tão escassas políticas públicas como a marginalização da juventude.
É o que explica, em larga medida, a corrosão das grandes cidades, transformadas em praças da guerra.
Assim como, num dia, considerou-se o analfabetismo uma vergonha nacional, depois a evasão escolar e a repetência, os fatos conduzem para que, mais cedo ou mais tarde, vire consenso que a juventude sem escolaridade é um dos mais devastadores dramas brasileiros.


PS - Por causa da violência, assistimos, semana passada, uma proposta que mostra até onde estamos perdendo o controle. Na impossibilidade de garantir segurança para quem frequenta os caixas eletrônicos dos bancos, o Ministério da Justiça sugere: acabem com os caixas eletrônicos.
Deveriam ficar apenas em lugares mais seguros como os aeroportos ou se tiverem câmeras por todos os lados.
Parece aquela piada em que o marido, flagrando a mulher com outro homem no sofá, lançou uma inusitada vingança: queimou o sofá.

E-mail: gdimen@uol.com.br


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