São Paulo, domingo, 17 de novembro de 2002

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DANUZA LEÃO

Um dia (de cão) em Nova York

Você chega e a primeira coisa que faz é ir ao PJ Clark comer um hambúrger bem americano. Primeira decepção: o PJ, aquele monumento da cidade, está em obras, o que é um perigo: vai que ele reabre decorado por Philippe Stark? Seria o caso de condenação do responsável à prisão perpétua ou à cadeira elétrica, para os mais radicais.
Aí você vai passear, olhar as vitrines; apesar de ser domingo, as lojas estão todas abertas, e as pessoas comprando, comprando, comprando. Distraída, você anda quilômetros e quando percebe está exausta, precisando sentar por uns momentos. Sentar em New York? Como, onde?
Em Paris existem cafés em cada esquina, onde se pode ler um jornal tomando um copo de vinho e vendo o mundo passar, o que é quase tão cultural quanto entrar num museu; existem também, nos grandes boulevards, bancos nos quais as pessoas se sentam para fazer quase a mesma coisa que fazem nos cafés, isto é, nada, só olhar e viver.
Em Nova York, nem pensar. Se você está à beira de um desmaio, as soluções são poucas: ou você entra numa cafeteria onde tem que beber ou comer muito rápido (tem sempre alguém esperando você sair para se sentar), ou entra numa loja luxuosíssima e pede para ver uma coisa bem cara: um sweater de US$ 1.500, por exemplo. A vendedora trará vários, e aí você tem que dar a impressão de estar na dúvida sobre a cor. Nessa hora, para poder refletir, você tem o direito a se sentar num banquinho muito chique, muito design, sem encosto, sem nenhum conforto, mas que é melhor que nada. Pense, pense, diga que não está segura quanto ao tom. Enquanto isso, descanse -e desnecessário dizer que sem poder acender um cigarro. Ah, como faria bem ao corpo e à alma um cigarro nessa hora; mas não pode.
Você diz que vai pensar, sai, e como há muita coisa a ver nas vitrines -tudo que existe no mundo-, você sobe a Madison por uma calçada, para depois voltar pela outra. Como as ruas são numeradas, de repente se dá conta de que andou 23 quarteirões; portanto, para voltar para o hotel, são mais 23. Não vai conseguir, claro que não vai. Mas Deus às vezes é pai, e você vê um tipo pub inglês, onde, às 3h da tarde, pessoas bebem e fumam. Entra e a vida começa a fazer algum sentido.
Quando o hambúrger e as batatas fritas chegam, vê que dariam para alimentar várias famílias. Abre a bolsa para pegar um cigarro, mas como em Nova York não se fuma em lugar algum, deixou os seus no hotel. Pede um maço e descobre que a felicidade ainda existe. Existe, mas custa caro. Preço de um maço, em qualquer lugar da cidade: US$ 7,50 -e ela esqueceu a calculadora.
Mas como é da geração que aprendeu a fazer as quatro operações, faz a conta na agenda: comprou o dólar a R$ 3,70, o que significa que aquele maço de cigarros custou exatamente R$ 27,75, socorro. Comenta com o garçon, e ele diz: "Aproveite, pois estão tentando aprovar duas novas leis: uma que proíbe fumar na rua, e outra dentro de sua própria casa". Que vida.
Claro que todo mundo sabe que o fumo etc. etc. Mas que o próximo governo, que pretende aumentar os impostos dos cigarros, seja menos voraz. Não ficou combinado que tortura nunca mais?
PS: Logo depois do segundo turno, Lula falou uma coisa muito importante à qual ninguém deu ainda muita importância: o desperdício. Ele tem razão. Num jantar (normal) em casa de um europeu nunca é servido um rosbife, por exemplo. Se são quatro pessoas, são quatro bifes, de sobremesa é uma fruta ou um doce para cada um, e um pudim inteiro, nem pensar: pudins, no supermercado, são vendidos em porções individuais. Os alimentos são comprados diariamente, e não tem essa história de geladeira cheia e quase tudo acabar no lixo, como todas nós, donas de casa, sabemos. Se a couve-flor sobe 500%, isso não é assunto para a televisão; as donas de casa substituem por cenoura -compram duas ou três, nunca um quilo-, repolho ou beterraba, cujos preços não foram aumentados, e fim de papo; elementar, não? Essa educação começa em casa, e como o próximo governo pretende inovar, uma campanha para ensinar economia doméstica seria de grande ajuda, começando pelas escolas. Nas da Europa, os alunos almoçam e são obrigados, quando terminam, a passar o pão no prato e deixar ele limpinho, isto é: a comer tudo. Dessa forma aprendem a só se servir da quantidade que vão conseguir comer.
É com coisas aparentemente banais como essa que as coisas podem começar a mudar.
E-mail - danuza.leao@uol.com.br



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