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São Paulo, segunda-feira, 17 de novembro de 2003

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ADMINISTRAÇÃO

Por meio de convênios com a prefeitura, a terceirização nas áreas de saúde, limpeza e esporte é crescente

Rio contrata ONGs para serviços em favelas

FERNANDA DA ESCÓSSIA
DA SUCURSAL DO RIO

Em áreas pobres do Rio, a violência transformou em rotina a terceirização de serviços públicos municipais, com a transferência de ações de saúde, limpeza, esporte e assistência social para ONGs e associações de moradores.
Por intermédio de convênios, as entidades recebem da prefeitura dinheiro para atuar numa determinada região e acabam desempenhando funções do Estado, como contratar pessoal. Nas comunidades, a terceirização e o serviço público convivem lado a lado.
O prefeito do Rio, Cesar Maia (PFL), diz que a violência e o tráfico mudaram a forma de contratação nas favelas. Segundo ele, a terceirização é a saída para contratar mão-de-obra local, pois é difícil manter concursados em áreas controladas por traficantes.
Maia cita a exigência, por parte de organismos como o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e o Banco Mundial, de participação do terceiro setor (ONGs e entidades da sociedade civil) na gestão de projetos.
Segundo dados obtidos pela Folhaem órgãos da prefeitura, 9.300 pessoas são contratadas dessa forma: têm a carteira de trabalho assinada por associações do terceiro setor, com dinheiro transferido pela prefeitura. A Prefeitura do Rio tem cerca de 145 mil funcionários, entre ativos e inativos.
Em 2003 foram repassados pelo menos R$ 115 milhões para projetos do tipo -cerca de 1,4% do orçamento anual do município. Há também cerca de R$ 16 milhões para projetos contratados a longo prazo, como o Favela Bairro.
Os programas de terceirização incluem projetos experimentais e políticas de maior escala, como o programa de saúde da família.
A violência tem sido fator determinante para esse tipo de política. Foi assim, por exemplo, que começou o projeto dos garis comunitários em favelas do Rio, em 1995. Obrigada, muitas vezes, a interromper o trabalho por causa dos tiroteios, a Comlurb (Companhia Municipal de Limpeza Urbana) optou por repassar o dinheiro para as associações de moradores, que contratam os garis. Hoje há 2.557 garis comunitários na cidade. Para o gari comunitário, o salário base é o mínimo (R$ 240); para o da Comlurb, R$ 400.
Na saúde, a prefeitura tem recorrido a ONGs e associações de moradores para implantar, em comunidades pobres, os programas de saúde da família e agentes comunitários, que atendem hoje 400 mil pessoas em favelas. A folha de pagamento mensal dos dois programas vale R$ 2 milhões.
No complexo de favelas da Maré (zona norte), as associações chegam a gerenciar oito postos. Recebem dinheiro da prefeitura para contratar médicos, enfermeiros, dentistas. A prefeitura fornece os medicamentos.
As creches também são um exemplo de área em que o poder público não dá conta da demanda. A rede conveniada (creches criadas pela sociedade civil, às quais a prefeitura repassa gêneros alimentícios para a merenda e/ou funcionários) é maior que a rede de creches municipais. Enquanto a conveniada atende 25 mil crianças, a rede própria atende 19.193 crianças de zero a três anos.

Vantagens e riscos
Especialistas, políticos e gestores apontam vantagens e riscos desse tipo de política. Entre as vantagens, a agilidade do processo de contratação, a geração de emprego local e a facilidade de acesso a locais perigosos, já que a mão-de-obra, recrutada na comunidade, tem trânsito livre.
Os riscos são a transferência de responsabilidades do poder público para a sociedade civil, o clientelismo político e, no caso do Rio, a apropriação das entidades por grupos criminosos, como os traficantes de drogas.
Em duas áreas da cidade onde foi implementado o projeto Mel (da Fundação Rio Esportes), a Penha (zona norte) e a Rocinha (zona sul), a Folha viu faixas do projeto com nomes de duas vereadoras da base política de Maia, Rosa Fernandes (PFL) e Patrícia Amorim (PFL), hoje secretária municipal de Assuntos Estratégicos.
Uma pesquisa da Assembléia Legislativa revelou que, de uma amostragem de mil líderes comunitários, cerca de 400 foram cooptados pelo tráfico em dez anos.

Licitação
Na maior parte dos casos, os convênios são feitos sem licitação. A Prefeitura do Rio afirma que não há ilegalidade, por entender que a licitação é considerada dispensável ou inexigível, de acordo com a lei 8.666: contratos de pequeno valor, notória especialização ou impossibilidade de competição (por exemplo, na contratação de associação de moradores para atuar em uma favela).
Para regulamentar esse tipo de convênio, o decreto municipal 19.752, assinado por Maia, fixa um processo de seleção para casos em que, pela lei federal, a licitação seria dispensável ou inexigível. O decreto exige que a entidade tenha reputação comprovada.


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