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ESTRANHOS NO PARAÍSO
Dona de jornal voltado à comunidade em cidade próxima a NY e a filha sofrem ameaças de compatriotas
"Revolta dos brasucas" agita cidade dos EUA
SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL
Há uma "revolta de brasileiros"
em curso em uma pequena cidade
norte-americana. De um lado,
parte da comunidade de imigrantes ilegais, a maior em proporção
nos EUA. De outro, a dona de um
dos três jornais locais voltados a
essa comunidade e sua filha.
O palco da revolta é Danbury, a
uma hora de Manhattan, cidade-dormitório no Estado de Connecticut onde vivem nova-iorquinos
endinheirados e um dos dez principais destinos dos imigrantes
brasileiros ilegais nos EUA, que
encontram emprego fácil como
mão-de-obra não-especializada.
Dos 75 mil habitantes da cidade,
estima-se que entre 15 mil e 20 mil
sejam do Brasil -ou entre 20% e
22,5% da população.
Há duas semanas, quando a cidade vivia a campanha para prefeito, a brasileira Emanuela Lima,
22, editora-executiva do jornal
quinzenal "Tribuna", o único bilíngüe português-inglês, cuja publisher é sua mãe, Celia Bacelar,
45, foi uma das entrevistadas em
reportagem do telejornal do
Channel 8, afiliado à ABC, uma
das maiores emissoras dos EUA.
Naqueles dias, o noticioso norte-americano vinha fazendo uma
série de reportagens-denúncia sobre os imigrantes ilegais na cidade, comunidade formada também por mexicanos e equatorianos. Não por acaso, endurecer as
leis contra estes era a principal
bandeira do prefeito de então, o
republicano Mark Boughton, que
concorria ao terceiro mandato.
Ele reproduzia em sua plataforma eleitoral o sentimento antiimigração que tomou a parte conservadora do país pós-11 de Setembro, externado por estrelas do
partido do presidente George W.
Bush como Arnold Schwarzenegger, governador da Califórnia,
que propôs uma milícia antiilegais na fronteira com o México.
Com um funcionário brasileiro
da emissora que posou de imigrante ilegal, a reportagem do
Channel 8 filmava a atendente de
uma loja brasileira de Danbury, a
Interpoint Travel, indicando ao
"imigrante" como conseguir uma
carteira de habilitação falsificada
do Brasil, para depois voltar ali e
comprar uma internacional legal.
O valor do documento se explica. Sem a carteira internacional,
só obtida com a equivalente nacional em dia, o típico imigrante
ilegal, já com visto de turista vencido e sem "greencard" ou cartão
de seguro social, não consegue
nem o subemprego nem comprar
um carro -o que o torna inútil
numa cidade em que o transporte
público virtualmente inexiste.
Além das autoridades, uma das
entrevistadas para comentar o flagrante era Emanuela. "Pessoas
são capazes de conseguir um cartão de seguro social e "greencard"
logo ali na rua", dizia a editora do
"Tribuna". "É lamentável que a
maioria das pessoas que provêem
esses serviços seja brasileira, descendente ou imigrante mesmo."
O telejornal foi ao ar no último
dia 3. Foi o estopim. Nos dias seguintes, a redação do "Tribuna"
começou a receber telefonemas,
cartas e e-mails ameaçadores. Os
jornais concorrentes, "The Immigrant" e "Comunidade News",
ambos semanais e escritos só em
português, soltaram suas edições
seguintes com as manchetes
"Traição" e "Revolta na comunidade", respectivamente.
Comunidades contra o jornal
foram criadas no site de relacionamentos Orkut, batizadas "Eu
Odeio o jornal "Tribuna'" e "Brazucas [sic] em Danbury". Há
mensagens com títulos como "Tá
na hora de acabar com o "Tribuna'" e frases do tipo "Se não agirmos agora para dar um fim de vez
no "Tribuna", com certeza essas
doidas irão aprontar mais".
Só faltava a polícia. Na segunda-feira, segundo disse à Folha Emanuela Lima, duas supostas testemunhas teriam ouvido, num restaurante brasileiro de Danbury,
três homens e uma mulher falando em português que era preciso
"matar essa menina, Emanuela".
Foi aberto um inquérito, comandado pelo chefe da polícia local, Peter Ganter. De acordo com
o tenente, não é a primeira vez
que Celia Bacelar e sua família sofrem ameaças. Em março deste
ano, disse ele, a publisher foi atropelada na rua de sua casa por uma
picape escura sem placas e com as
luzes apagadas. Foi parar no hospital e sofre seqüelas até hoje.
Na mesma época, teve o vidro
da sala quebrado por uma pedra
amarrada com o bilhete: "Dessa
vez você escapou, mas da próxima não escapa". Dias depois, encontrou na porta de sua casa uma
foto queimada sua, com sangue
animal e a mesma mensagem.
O "Tribuna" é um dos poucos
pequenos órgãos de imprensa
voltados à comunidade brasileira
nos EUA com uma abordagem
mais imparcial quando o assunto
são seus próprios leitores. Ao
mesmo tempo, identifica-se politicamente com o prefeito republicano, que tem coluna no jornal.
"As pessoas estão muito preocupadas com a imigração ilegal
por aqui", cutucou Mark Boughton, que foi reeleito e será reempossado em dezembro. Uma de
suas medidas mais criticadas pela
comunidade tinha sido pedir à
governadora mais poderes para
que a polícia local pudesse expulsar imigrantes. "Felizmente ela
negou", disse à Folha Breno da
Mata, do "Comunidade".
Com a reeleição de Boughton, o
clima de caça às bruxas foi reavivado de lado a lado. Entre os brasileiros, o papel principal é ocupado por Celia Bacelar e sua filha,
que vivem legalmente nos EUA.
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