São Paulo, quinta-feira, 17 de novembro de 2005

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ESTRANHOS NO PARAÍSO

Dona de jornal voltado à comunidade em cidade próxima a NY e a filha sofrem ameaças de compatriotas

"Revolta dos brasucas" agita cidade dos EUA

SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL

Há uma "revolta de brasileiros" em curso em uma pequena cidade norte-americana. De um lado, parte da comunidade de imigrantes ilegais, a maior em proporção nos EUA. De outro, a dona de um dos três jornais locais voltados a essa comunidade e sua filha.
O palco da revolta é Danbury, a uma hora de Manhattan, cidade-dormitório no Estado de Connecticut onde vivem nova-iorquinos endinheirados e um dos dez principais destinos dos imigrantes brasileiros ilegais nos EUA, que encontram emprego fácil como mão-de-obra não-especializada. Dos 75 mil habitantes da cidade, estima-se que entre 15 mil e 20 mil sejam do Brasil -ou entre 20% e 22,5% da população.
Há duas semanas, quando a cidade vivia a campanha para prefeito, a brasileira Emanuela Lima, 22, editora-executiva do jornal quinzenal "Tribuna", o único bilíngüe português-inglês, cuja publisher é sua mãe, Celia Bacelar, 45, foi uma das entrevistadas em reportagem do telejornal do Channel 8, afiliado à ABC, uma das maiores emissoras dos EUA.
Naqueles dias, o noticioso norte-americano vinha fazendo uma série de reportagens-denúncia sobre os imigrantes ilegais na cidade, comunidade formada também por mexicanos e equatorianos. Não por acaso, endurecer as leis contra estes era a principal bandeira do prefeito de então, o republicano Mark Boughton, que concorria ao terceiro mandato.
Ele reproduzia em sua plataforma eleitoral o sentimento antiimigração que tomou a parte conservadora do país pós-11 de Setembro, externado por estrelas do partido do presidente George W. Bush como Arnold Schwarzenegger, governador da Califórnia, que propôs uma milícia antiilegais na fronteira com o México.
Com um funcionário brasileiro da emissora que posou de imigrante ilegal, a reportagem do Channel 8 filmava a atendente de uma loja brasileira de Danbury, a Interpoint Travel, indicando ao "imigrante" como conseguir uma carteira de habilitação falsificada do Brasil, para depois voltar ali e comprar uma internacional legal.
O valor do documento se explica. Sem a carteira internacional, só obtida com a equivalente nacional em dia, o típico imigrante ilegal, já com visto de turista vencido e sem "greencard" ou cartão de seguro social, não consegue nem o subemprego nem comprar um carro -o que o torna inútil numa cidade em que o transporte público virtualmente inexiste.
Além das autoridades, uma das entrevistadas para comentar o flagrante era Emanuela. "Pessoas são capazes de conseguir um cartão de seguro social e "greencard" logo ali na rua", dizia a editora do "Tribuna". "É lamentável que a maioria das pessoas que provêem esses serviços seja brasileira, descendente ou imigrante mesmo."
O telejornal foi ao ar no último dia 3. Foi o estopim. Nos dias seguintes, a redação do "Tribuna" começou a receber telefonemas, cartas e e-mails ameaçadores. Os jornais concorrentes, "The Immigrant" e "Comunidade News", ambos semanais e escritos só em português, soltaram suas edições seguintes com as manchetes "Traição" e "Revolta na comunidade", respectivamente.
Comunidades contra o jornal foram criadas no site de relacionamentos Orkut, batizadas "Eu Odeio o jornal "Tribuna'" e "Brazucas [sic] em Danbury". Há mensagens com títulos como "Tá na hora de acabar com o "Tribuna'" e frases do tipo "Se não agirmos agora para dar um fim de vez no "Tribuna", com certeza essas doidas irão aprontar mais".
Só faltava a polícia. Na segunda-feira, segundo disse à Folha Emanuela Lima, duas supostas testemunhas teriam ouvido, num restaurante brasileiro de Danbury, três homens e uma mulher falando em português que era preciso "matar essa menina, Emanuela".
Foi aberto um inquérito, comandado pelo chefe da polícia local, Peter Ganter. De acordo com o tenente, não é a primeira vez que Celia Bacelar e sua família sofrem ameaças. Em março deste ano, disse ele, a publisher foi atropelada na rua de sua casa por uma picape escura sem placas e com as luzes apagadas. Foi parar no hospital e sofre seqüelas até hoje.
Na mesma época, teve o vidro da sala quebrado por uma pedra amarrada com o bilhete: "Dessa vez você escapou, mas da próxima não escapa". Dias depois, encontrou na porta de sua casa uma foto queimada sua, com sangue animal e a mesma mensagem.
O "Tribuna" é um dos poucos pequenos órgãos de imprensa voltados à comunidade brasileira nos EUA com uma abordagem mais imparcial quando o assunto são seus próprios leitores. Ao mesmo tempo, identifica-se politicamente com o prefeito republicano, que tem coluna no jornal.
"As pessoas estão muito preocupadas com a imigração ilegal por aqui", cutucou Mark Boughton, que foi reeleito e será reempossado em dezembro. Uma de suas medidas mais criticadas pela comunidade tinha sido pedir à governadora mais poderes para que a polícia local pudesse expulsar imigrantes. "Felizmente ela negou", disse à Folha Breno da Mata, do "Comunidade".
Com a reeleição de Boughton, o clima de caça às bruxas foi reavivado de lado a lado. Entre os brasileiros, o papel principal é ocupado por Celia Bacelar e sua filha, que vivem legalmente nos EUA.


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