São Paulo, quinta-feira, 17 de novembro de 2005

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ESTRANHOS NO PARAÍSO

Comerciantes se acusam, jornais se atacam e até o procurador-geral do Estado entra no caso

"Guerra" envolve lojas, candidata e cônsul

DA REPORTAGEM LOCAL

O clima de guerra entre os imigrantes de Danbury não se restringe aos três jornais voltados à comunidade local ou mesmo à simplificação de brasileiros de um lado e Celia Bacelar, sua filha e a "Tribuna" de outro. Envolve pelo menos duas outras empresas, o procurador-geral do Estado, uma candidata brasileira ao equivalente local da Câmara Municipal e até o recém-empossado cônsul brasileiro em Nova York.
Por partes. O flagrante de indicação de venda de carteira de habilitação ilegal por uma funcionária brasileira da Interpoint Travel foi gravado pelo repórter Alan Cohn, do Channel 8. O proprietário da empresa, Alencar Castello, se defende: "Parece sem sentido que o repórter tenha vindo diretamente à minha loja e só à minha loja", diz ele, para depois atacar.
Segundo Castello, em 5 de outubro, sua ex-sócia, Dilemar Oliveira, da Dila's Travel, teria ligado para ele e dito que daria até o fim da semana para parar de vender carteiras de habilitação internacionais, uma atividade legal e reconhecida pelos EUA. "Caso contrário", afirmou Castello, "ela iria à polícia e alegaria que minhas carteiras eram todas falsas".
Dilemar de Oliveira, proprietária da Dila's, nega qualquer ameaça. Afirma só que, após ter recebido "uma série de documentos" do Brasil, viu que a carteira expedida pelo Automóvel Club não seria mais aceita nos EUA e ligou para o ex-sócio "apenas para avisá-lo" do fato. Sua loja não foi visitada pela reportagem do telejornal.
"Está vendo, tem mais coisa nessa confusão do que nós imaginamos", disse à Folha Breno da Mata, 39, do "Comunidade News". "Pergunte à Celia, por exemplo, se ela também não foi imigrante ilegal. Pergunte por que ela mudou de lado depois de receber o "greencard", há três anos."
Por meio de sua filha, Emanuela, Celia Bacelar -que se recupera de uma cirurgia feita em uma viagem recente a Belo Horizonte (MG), que afirma ser decorrente do atropelamento de março- responde que sempre teve "orgulho" de sua condição. "Não temos nada a esconder", disse Emanuela. "Só achamos que, uma vez morando nos Estados Unidos, devemos responder às leis americanas e não tentar adaptar as brasileiras aqui, ou nunca seremos aceitos."
Já Raimundo Santana, 44, editor do "The Immigrant", provoca: "Ameaças de morte, agora, Celia Bacelar pode até ter sofrido, porque contrariou toda a comunidade, de "a" a "zê", mas aquele atropelamento ninguém engole. Rua escura, carro preto, sem placa, sem testemunha nem nada... Essa mulher é ligada ao poder público republicano, que persegue os imigrantes", disse ele à Folha.

"C.S.I."
A insinuação faz Emanuela rir. "Você já assistiu ao seriado "C.S.I." (sigla para polícia técnica norte-americana)? Quando houve o atropelamento, eles interditaram a rua inteira e passaram pó para identificar impressões digitais até no asfalto", exagera. "Além do mais, que brasileiro teria meios para armar um acidente assim?"
Quanto à ligação com os poderes locais, o caso realmente chegou ao escritório do procurador-geral do Estado de Connecticut, Richard Blumenthal, o que facilitou as coisas para que a polícia de Danbury colocasse a família Bacelar sob proteção 24 horas por dia.
Já a brasileira Renata Amaral, que foi derrotada nas últimas eleições, quando saiu como vereadora pelo Partido Democrata, e pretende concorrer de novo nas próximas, organiza uma passeata e colhe assinaturas para um abaixo-assinado contra o jornal.
E até o novo cônsul em Nova York, José Alfredo Graça Lima, deve tocar no assunto em coletiva hoje. (SÉRGIO DÁVILA)


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