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PASQUALE CIPRO NETO
"Não cabia a mim entrar..."
Estava na prova de português do vestibular da FGV,
realizada nesta semana: "Na frase "...não cabia a mim entrar em
arruaça...", o sujeito de cabia é: a)
Eu; b) A mim; c) Entrar em arruaça; d) Em arruaça"; e) Não". A
questão era baseada num trecho
de "O Coronel e o Lobisomem",
de José Cândido de Carvalho.
Vamos direto ao ponto, caro leitor: qual é o seu palpite? Se você
ainda está contaminado por
aquela velha definição de sujeito
que todos um dia ouvimos na escola ("É aquele que pratica a
ação"), vou logo lembrando que
em "Os sargentos recém-promovidos apanharam à farta dos veteranos", o sujeito é "os sargentos
recém-promovidos", mas quem
pratica a ação são os brucutus,
perdão, os sargentos veteranos.
O leitor habitual deste espaço
sabe que essa definição de sujeito
não se sustenta (e não serve para
absolutamente nada). Ao pé da
letra, "sujeito" (que vem do latim
"subjectu" e é da mesma família
de "jazer") significa "posto debaixo". Em palavras pobres, o sujeito
é posto debaixo do predicado, ou
seja, é a base sobre a qual se assenta o predicado, é o elemento
ao qual se refere o predicado. Para o "Aurélio", é o "termo da oração a respeito do qual se enuncia
algo"; na definição do "Houaiss",
é o "termo da oração sobre o qual
recai a predicação da oração e
com o qual o verbo concorda".
Pois o finzinho da definição do
"Houaiss" nos faz chegar ao ponto: a estreita relação (de concordância) entre o sujeito e o verbo.
Quando se tem noção clara do
que é sujeito, sabe-se por que na
língua padrão se diz "Faltam doze urnas" (e não "Falta doze urnas") e por que se diz "Falta apurar doze urnas" (e não "Faltam
apurar doze urnas"). No primeiro
caso, o sujeito de "faltam" é "doze
urnas" (é a elas que se refere o
verbo; são elas que faltam). No segundo caso, o sujeito de "falta" é...
Ora, o sujeito de "falta" só pode
ser aquilo que falta, ou seja, apurar doze urnas. Então, se o que
falta é apurar, o verbo "faltar" fica no singular ("Falta apurar...").
Já podemos voltar à questão da
FGV? Vamos lá: a resposta é "c",
ou seja, em "...não cabia a mim
entrar em arruaça...", o sujeito de
"cabia" só pode ser o que não cabia a mim, isto é, "entrar em arruaça". O diabo é que a maldita
velha definição de sujeito (aquela
da ação) faz muita gente pensar
de imediato num sujeito representado por um ser de carne e osso (humano, de preferência). Daí
para achar que a resposta é "a"
(eu) ou "b" (a mim) é um passo.
Cumpre lembrar que a expressão "a mim" funciona como complemento (objeto indireto) de "cabia". Em suma, o ato de entrar
em arruaça não cabia a mim.
Nos vestibulares de ponta, não
são raras as questões em que se
aborda o tema dessa maneira.
Numa prova da Unesp, pediu-se
ao candidato que classificasse a
oração "que um rato tivesse sido o
meu contraponto" (presente em
"Espantava-me que um rato tivesse sido o meu contraponto").
Qual é o papel dessa oração?
Por acaso ela não representa exatamente o que me espantava? Se
representa o que me espantava,
ela funciona como o sujeito de
"espantava". Talvez você queira o
nome da oração (a Unesp pedia
isso). Pois bem, se funciona como
sujeito, essa oração só pode ser
subjetiva, mas isso é o de menos.
O importante é notar que a função de o sujeito pode se apresentar de diversas maneiras. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br
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