São Paulo, quinta-feira, 17 de novembro de 2005

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PASQUALE CIPRO NETO

"Não cabia a mim entrar..."

Estava na prova de português do vestibular da FGV, realizada nesta semana: "Na frase "...não cabia a mim entrar em arruaça...", o sujeito de cabia é: a) Eu; b) A mim; c) Entrar em arruaça; d) Em arruaça"; e) Não". A questão era baseada num trecho de "O Coronel e o Lobisomem", de José Cândido de Carvalho.
Vamos direto ao ponto, caro leitor: qual é o seu palpite? Se você ainda está contaminado por aquela velha definição de sujeito que todos um dia ouvimos na escola ("É aquele que pratica a ação"), vou logo lembrando que em "Os sargentos recém-promovidos apanharam à farta dos veteranos", o sujeito é "os sargentos recém-promovidos", mas quem pratica a ação são os brucutus, perdão, os sargentos veteranos.
O leitor habitual deste espaço sabe que essa definição de sujeito não se sustenta (e não serve para absolutamente nada). Ao pé da letra, "sujeito" (que vem do latim "subjectu" e é da mesma família de "jazer") significa "posto debaixo". Em palavras pobres, o sujeito é posto debaixo do predicado, ou seja, é a base sobre a qual se assenta o predicado, é o elemento ao qual se refere o predicado. Para o "Aurélio", é o "termo da oração a respeito do qual se enuncia algo"; na definição do "Houaiss", é o "termo da oração sobre o qual recai a predicação da oração e com o qual o verbo concorda".
Pois o finzinho da definição do "Houaiss" nos faz chegar ao ponto: a estreita relação (de concordância) entre o sujeito e o verbo. Quando se tem noção clara do que é sujeito, sabe-se por que na língua padrão se diz "Faltam doze urnas" (e não "Falta doze urnas") e por que se diz "Falta apurar doze urnas" (e não "Faltam apurar doze urnas"). No primeiro caso, o sujeito de "faltam" é "doze urnas" (é a elas que se refere o verbo; são elas que faltam). No segundo caso, o sujeito de "falta" é... Ora, o sujeito de "falta" só pode ser aquilo que falta, ou seja, apurar doze urnas. Então, se o que falta é apurar, o verbo "faltar" fica no singular ("Falta apurar...").
Já podemos voltar à questão da FGV? Vamos lá: a resposta é "c", ou seja, em "...não cabia a mim entrar em arruaça...", o sujeito de "cabia" só pode ser o que não cabia a mim, isto é, "entrar em arruaça". O diabo é que a maldita velha definição de sujeito (aquela da ação) faz muita gente pensar de imediato num sujeito representado por um ser de carne e osso (humano, de preferência). Daí para achar que a resposta é "a" (eu) ou "b" (a mim) é um passo.
Cumpre lembrar que a expressão "a mim" funciona como complemento (objeto indireto) de "cabia". Em suma, o ato de entrar em arruaça não cabia a mim.
Nos vestibulares de ponta, não são raras as questões em que se aborda o tema dessa maneira. Numa prova da Unesp, pediu-se ao candidato que classificasse a oração "que um rato tivesse sido o meu contraponto" (presente em "Espantava-me que um rato tivesse sido o meu contraponto").
Qual é o papel dessa oração? Por acaso ela não representa exatamente o que me espantava? Se representa o que me espantava, ela funciona como o sujeito de "espantava". Talvez você queira o nome da oração (a Unesp pedia isso). Pois bem, se funciona como sujeito, essa oração só pode ser subjetiva, mas isso é o de menos. O importante é notar que a função de o sujeito pode se apresentar de diversas maneiras. É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br


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