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WALTER CENEVIVA
Faces da corrupção bifronte
Pode haver corrupção passiva, sem haver corrupção ativa, ante a unitariedade do delito? Descobri que a resposta é sim
INTERESSANTE QUESTÃO DA DOUTRINA PENAL foi suscitada com a
pergunta: pode haver corrupção
passiva, sem haver corrupção
ativa, ante a unitariedade do delito?
Não sou especialista em direito penal. Fui ler os que sabem do assunto,
em cujo rol está Damásio E. de Jesus, autor de "Código Penal Anotado", livro próximo de 20 edições.
Desde logo descobri que a resposta
da pergunta é sim.
Os dois lados da corrupção podem
existir, um independentemente do
outro. A corrupção passiva é cometida por "funcionário público que solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função, ou antes de
assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa
de tal vantagem". Todo o trecho entre aspas é cópia do artigo 317 do Código Penal. Sujeita o autor do delito
a detenção de três meses a um ano
ou multa.
Na corrupção ativa, delito do particular contra a administração pública (artigo 333 do Código) a conduta reprimida consiste em "oferecer ou prometer vantagem indevida
a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar
ato de ofício". Aqui a pena é mais
grave: reclusão de dois a 12 anos, e
multa.
O leitor, que talvez (hipótese remotíssima) tenha lidado com servidor federal, estadual ou municipal
em qualquer parte do país e dele tenha recebido pedido de retribuição
indevida, para reconhecer direito
enunciado claramente na lei, ficará
chocado pela diferença das punições. Até 12 anos, para quem oferece
e uns poucos meses (e olhe lá!) para
quem pede a "bola"! A lei penal prevê, porém, outro crime, o peculato,
que Damásio considera "um tipo especial de apropriação indébita, cometida por funcionário público". Ou
seja, o servidor se apropria de dinheiro ou de qualquer outro bem
público do qual tinha a posse em razão do cargo. Nesse caso também
"pega" de dois a 12 anos de prisão.
Na corrupção ativa, do artigo 333,
o objeto jurídico protegido pela lei é
composto de duas partes. Uma delas
é o prestígio da administração pública, em face da qual é imprescindível
que o servidor (em sentido amplo)
atue sempre em favor do interesse
maior da coletividade e do direito.
O segundo objeto jurídico protegido é a normalidade do funcionamento da administração, que não
deve ser perturbado por interesses
escusos, alheios aos princípios da
administração. Estes são previstos
no artigo 37 da Constituição e compreendem, entre outros, o da moralidade. Todo exercente de cargo,
função ou emprego, na administração direta ou indireta, deve agir segundo preceitos morais dominantes, mostrando conhecer e praticar
clara distinção entre o que corresponde à realização do bem e o que
torna efetivo o mal, repelido pela
consciência do ser humano médio.
O leitor, atento ao debate de aprovação ou fim da CPMF, com tantas
trocas de vantagens prometidas,
oferecidas ou pedidas, aí incluídos
cargos bem pagos, perguntará se isso constituiria corrupção passiva ou
ativa. Nem uma nem outra. O Executivo e os legisladores só pensam
no bem do povo e no futuro do país.
Nem pedem nem oferecem vantagens indevidas. Vivemos, como diria
Voltaire, no melhor dos mundos.
Melhor, ao menos, que no Iraque,
Paquistão e na antiga Birmânia.
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