São Paulo, domingo, 17 de dezembro de 2006

Próximo Texto | Índice

"Rádio funcionava", dizem pilotos do Legacy

De volta aos Estados Unidos, Jan Paladino e Joe Lepore reafirmam que seguiram plano ditado pelo controlador de vôo

Americanos fazem críticas às autoridades brasileiras e afirmam que não dá para garantir que transponder estava inoperante no ar

ELIANE CANTANHÊDE
ENVIADA ESPECIAL A NOVA YORK

Na primeira entrevista a um jornal e também à imprensa brasileira, os pilotos americanos Joe Lepore e Jan Paladino, do Legacy que se chocou em 29 de setembro com o Boeing da Gol, na maior tragédia da aviação brasileira, disseram que o rádio do jato "funcionava bem, perfeitamente bem", apesar de quase 30 tentativas malsucedidas entre eles e o Cindacta-1, o centro de controle de Brasília. O advogado americano Robert Torricella, que participou ativamente da entrevista, concedida na última sexta, num hotel de Nova York, fez constantes sinais aos clientes, especialmente quando poderiam criticar o Brasil, as autoridades ou o sistema de vôo. E respondeu a várias perguntas feitas a seus clientes. Exigiu, inclusive, que as duas fitas da conversa lhe fossem entregues assim que transcritas em português no mesmo dia. Assumiu compromisso de destrui-las, sem uso na investigação. Lepore, 42, nascido na Itália, filho de italianos, mudou-se para os EUA aos sete anos, é casado e tem dois filhos. Paladino, 34, pai argentino e mãe espanhola, também é casado, sem filhos. (ELIANE CANTANHÊDE)

FOLHA - Vocês conheciam bem o Legacy? Quanto tinham voado nele?
JOE LEPORE
- Sou piloto há 20 anos, treinei 20 horas no simulador e, além disso, tenho voado há bastante tempo em aviões bem semelhantes. O equipamento me era muito familiar.
JAN PALADINO - Sou piloto há 16 anos, tinha voado bastante como comandante no Embraer 145, cópia exata do Legacy.

FOLHA - Vocês estudaram adequadamente a rota e o plano de vôo?
LEPORE
- Eu olhei previamente diferentes possibilidades que poderiam nos dar no plano de vôo e, quando chegou, olhei detalhadamente com o Jan e digitei os pontos de navegação em nosso sistema de computador.

FOLHA - Então vocês sabiam que seria contramão voar em altitude ímpar entre Brasília e Manaus?
ROBERT TORRICELLA
- A questão é outra. É bastante comum que aeronaves tenham autorização para voar em altitudes não regulares ou padrão, isso depende dos centros de controle.

FOLHA - Como foi a autorização em São José? O que o controlador disse?
TORRICELLA
- Isso está sob investigação, eles não podem reproduzir a conversa, está sob sigilo.

FOLHA - Então, qual foi a autorização que receberam em São José?
LEPORE
- Eles me autorizaram a voar a 37 mil pés até Manaus.

FOLHA - Você concluiu que deveria ir nessa altitude todo o tempo?
LEPORE
- Se quisessem que fizéssemos algo diferente, teriam dito.

FOLHA - Há dúvida se houve falha de comunicação entre a torre, que pode ter falado num só nível até Brasília, e os pilotos, que entenderam uma só altitude até Manaus.
TORRICELLA
- Não há nenhuma dúvida de que o controle de São José deu uma "clearance" para Manaus voando em 370 [37 mil pés]. A "clearance" se tornou o plano de vôo em vigor, e a lei exige que eles sigam isso. As regras são as mesmas no Brasil, nos EUA e internacionalmente.

FOLHA - O relatório preliminar disse que houve quase 30 tentativas frustradas de contato por rádio, sete dos controladores, o resto de vocês.
PALADINO
- Posso garantir que nossos rádios estavam funcionando apropriadamente, tanto que recebíamos transmissões em português de Brasília durante todo o vôo.

FOLHA - No relatório da PF, eles dizem que o transponder ficou desligado por 50 minutos. Por quê?
PALADINO
- Não vimos nenhuma prova de que o transponder estava inoperante, poderia ser outro problema.
TORRICELLA - Esse é o problema com a investigação da polícia. Os investigadores concluem coisas antes que os investigadores aeronáuticos, que são profissionais.

FOLHA - A polícia os indiciou dizendo que há um diálogo entre vocês na caixa-preta confirmando que ambos sabiam que o transponder estava fora do ar. Qual foi esse diálogo?
TORRICELLA
- Como sempre dissemos, nós não pretendemos tornar públicos detalhes específicos das gravações. Mas Joe e Jan já responderam que o transponder estava ok.

FOLHA - Como foi esse período [no Brasil]?
LEPORE
- Muito duro. Não sabíamos o que acontecia dia após dia, todas aquelas acusações sendo feitas.
PALADINO - Foi um tempo muito emocional e aquelas acusações contra nós... Em respeito às famílias, ficamos em silêncio. Nós queríamos que os fatos surgissem, sabíamos que isso eliminaria as falsas acusações. Nunca pensamos que ficaríamos tanto tempo detidos no Brasil. Assim, nós tínhamos medo. A nossa liberdade estava sendo tirada de nós.


Próximo Texto: Danuza Leão: Um Natal vergonhoso
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.