São Paulo, domingo, 18 de janeiro de 2004

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QUALIDADE DE VIDA

Aos poucos, empresas e órgãos públicos adaptam instalações para garantir acesso de portadores de deficiências

Projetos abrem caminhos para deficientes

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Para quem não escuta, quem não enxerga, quem não anda ou caminha com dificuldade, São Paulo é mais que uma selva de pedra. Para esses, a cidade é um cipoal de barreiras que dificulta ou impede qualquer movimento.
Pelo censo de 2000, o número de pessoas portadoras de deficiência em São Paulo chega a 1 milhão. No Brasil todo, são 24,5 milhões, ou 14,5% da população.
Ninguém sabe ao certo quantos se movimentam em cadeira de rodas ou só caminham tateando o chão com uma bengala. Pelo censo, 26% dos portadores de necessidades especiais têm deficiência física ou motora, e 48% apresentam dificuldade para enxergar.
Numa cidade como São Paulo, seriam, no mínimo, 400 mil cadeirantes e outro tanto de cegos.
Quem percorre a cidade, no entanto, nem percebe que eles existem, tão poucos os que se arriscam a sair às ruas. Cerca de 70% -na estimativa de alguns especialistas- permanecem ou são mantidos no interior de suas casas, longe dos olhos do público e das ameaças da cidade.
Este é o cenário atual e desalentador para as PPDs, pessoas portadoras de deficiência. A notícia é que algumas grandes empresas e administrações públicas estão tomando iniciativas para incluir o "consumidor" deficiente.
"É uma combinação de cidadania e interesse no mercado", diz Andrea Schwarz, 27, há cinco em cadeira de rodas. Vítima repentina de uma paraplegia (má formação congênita da medula), ela se viu de repente numa cadeira de rodas. "Tínhamos acabado de fazer uma viagem de mochileiros pela Europa e, de volta, na praia, Andrea começou a sentir as pernas dormentes", relata o então namorado, Jaques Haber.
Alguns dias depois, estava paralisada. A cidade transformou-se então numa imensa barreira, Andrea se recorda. Ela era a mesma, tinha as mesmas vontades, mas a cidade já não permitia que visitasse os amigos ou fosse a seus bares preferidos. Os dois, hoje casados, passaram a se dedicar ao assunto e montaram um escritório para assessorar empresas.
Ela, fonoaudióloga, ele publicitário, escreveram juntos o "Guia São Paulo Adaptado" (Editora Rosa dos Ventos), para pessoas portadoras de necessidades especiais. Visitaram cerca de mil estabelecimentos, de bares a motéis. Selecionaram 400 "entre os menos ruins". O escritório assessora várias empresas, entre elas a Febraban (Federação Brasileira dos Bancos) e o Pão de Açúcar.
"As empresas estão se tornando mais abertas e sensíveis a essa questão", diz a arquiteta e deficiente Silvana Serafino Cambiaghi, que representa a Secretaria das Subprefeituras dentro da CPA (Comissão Permanente de Acessibilidade). A CPA está ligada à Secretaria Municipal da Habitação e vem produzindo uma série de publicações que orientam o construtor, os empresários, o deficiente e o cidadão comum.
Cambiaghi lembra prefeituras como a de Santos, que criou espaços acessíveis em toda a sua orla, permitindo o acesso de cadeirantes, e pôs piso tátil para deficientes visuais. São Paulo, que precisa de 50 mil guias rebaixadas e só tem 9.300, fez um convênio com a Associação Brasileira de Cimento Portland para instalar outras 5.000 rampas pré-moldadas, mais baratas, práticas e resistentes.
"Empresas que querem exportar estão valorizando o "desenho universal", dando a seus produtos formas que facilitam o uso de todas as pessoas, incluindo as portadoras de necessidades especiais", diz. Assim, um telefone terá os números em braile e uma luz que alertará deficientes auditivos.

Loja para cegos
Várias empresas vêm fazendo adaptações para esse "nicho" de mercado. O Pão de Açúcar já fez mudanças em sete de suas lojas e vai inaugurar, no meio do ano, uma especialmente preparada para deficientes visuais. Segundo Adriana Schwarz, um piso tátil conduzirá o deficiente até uma recepção onde receberá um walkman. "Uma gravação vai indicando onde o cliente está e quais produtos estão naquela gôndola, exatamente como se faz nos museus europeus", diz Schwarz. Vários fabricantes já escrevem em braile em suas embalagens. Alguns supermercados já mantêm os produtos ao alcance dos cadeirantes, e outros colocam funcionários para auxiliar deficientes.


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