São Paulo, domingo, 18 de janeiro de 2004

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QUALIDADE DE VIDA

Segundo pesquisa, dificuldade de visão, audição ou locomoção atinge 50% dos que têm 60 anos ou mais

Obstáculos "expulsam" deficientes de cidades

DA REPORTAGEM LOCAL

O mais completo estudo sobre a deficiência no país, publicado neste ano, identificou três fatores fundamentais. Um deles é que a deficiência ampla -a dificuldade de enxergar, ouvir ou caminhar- atinge metade da população com 60 anos ou mais.
A outra descoberta foi a relação entre renda e deficiência. O Lago Sul de Brasília, por exemplo, é a área com menor taxa de deficiência. As maiores taxas estão nos municípios pobres do Nordeste.
"A renda interfere no acesso aos serviços de saúde, nos tratamentos, nas fisioterapias, na aquisição de órteses e próteses", diz Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas e principal responsável pelo trabalho.
O estudo, batizado de "Diversidades - Retratos da Deficiência no Brasil", foi realizado numa parceria entre a FGV e a Fundação Banco do Brasil.
A terceira constatação -"inesperada e surpreendente", segundo Neri- foi a importância da acessibilidade. O termo classifica a facilidade ou dificuldade que a pessoa tem para se deslocar e ter acesso a serviços, lazer e tudo que a cidade pode oferecer. Quando se vêem excluídos, a tendência é que abandonem a cidade.
"É por isso que Fernando de Noronha tem menos de 3% de deficientes, a menor taxa do país", diz Neri. Sem meios para se locomover na ilha íngreme, suas famílias acabam se mudando para o continente.
A Rocinha, favela do Rio, também tem baixa taxa de deficientes, pois no morro a dificuldade de locomoção, para qualquer tipo de deficiência, é muito grande.
Outro exemplo são duas cidades do Piauí que, coincidentemente, têm o mesmo nome. São Gonçalo do Piauí é uma cidade onde as pessoas se locomovem sem dificuldade e por isso tem 33% de deficientes -40% deles vindo de fora. Já São Gonçalo de Gurguéia, íngreme e pouco atraente, tem uma das menores taxas de deficientes.
O estudou identificou que as nove cidades com maior taxa de deficientes estão no Nordeste. Mas Irati, em Santa Catarina, também apresentou uma taxa alta. Segundo Neri, 60% dos deficientes migraram para a cidade por encontrarem ali melhores condições.
A cidade de São Paulo tem cerca de 10% de deficientes, contra 14,5% no Brasil. Neri atribui esse índice relativamente alto ao trabalho informal que a cidade oferece. Também há um maior respeito à legislação que obriga empresas com mais de cem funcionários a contratarem deficientes.
Acessibilidade é um conceito ainda pouco compreendido até mesmo por arquitetos. No caso de estabelecimentos comerciais -um banco, por exemplo- é preciso que o portador de qualquer necessidade especial tenha acesso a todos os serviços, incluindo os caixas automáticos. Restaurantes e bares precisam ter mesas e balcões que permitam a aproximação de uma cadeira de rodas e que o deficiente fique na mesma altura de seus colegas.
Andrea Schwarz diz que as faculdades de arquitetura não têm uma cadeira específica voltada para pessoas com necessidades especiais. No guia "São Paulo Adaptada", ela e o marido pensaram em avaliar também as faculdades. "Mas a maioria não tinha nada, nem rampa, nem elevador."
No entanto são 24 milhões de pessoas no país, sem contar os idosos, as gestantes, os obesos e os temporariamente impossibilitados de se locomover.
A falta de acesso poderia ser apenas mais uma barreira na lista de dificuldades de um deficiente. É mais que isso. Sem poder chegar aos serviços e às atividades do local onde mora, a pessoa é excluída da vida da cidade e dos serviços públicos, especialmente os de saúde.
A fisiatra e vice-diretora clínica da AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente), Maria Eugenia Pebes Casalis, diz que muitos pacientes não retornam para novas consultas e fisioterapia porque não têm como se locomover. "O problema de transporte é brutal", ela diz. "Às vezes chegam mães carregando a criança no colo, com todo o peso dos aparelhos", conta.
A AACD central chega a receber 2.000 pacientes por dia e já conta com unidades em Osasco, Recife, Porto Alegre e Uberlândia (MG). Do total, em São Paulo, cerca de 43% são vítimas de paralisia cerebral. Os outros se distribuem entre lesões medulares -metade deles por arma de fogo-, amputados, má formação congênita. Todos, em maior ou menor grau, têm dificuldade de locomoção.
"Nossa luta é para reduzir as taxas de deficientes e cobrar dos serviços públicos e privados a atenção especial e o respeito de que necessitam", diz Casalis.
(AURELIANO BIANCARELLI)


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