São Paulo, terça-feira, 18 de janeiro de 2005

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CRIMES INVISÍVEIS

Em 2004, homicídios ficaram fora da estatística oficial por não terem sido registrados em boletins de ocorrência

Promotores investigarão distorções em BOs

Fernando Donasci/Folha Imagem
Maria Matilde Norato, cujo filho foi achado em um terreno; registro foi de encontro de cadáver


GILMAR PENTEADO ALEXANDRE HISAYASU
DA REPORTAGEM LOCAL

O procurador-geral de Justiça de São Paulo, Rodrigo Cesar Rebello Pinho, determinou ontem que dois grupos do Ministério Público investiguem erros nos registros de boletins de ocorrência que provocam distorções nas estatísticas de homicídio doloso (com intenção) no Estado.
Na edição de ontem, a Folha relatou 14 casos registrados como morte a esclarecer e encontro de cadáver, mas que traziam, no próprio boletim, indícios claros de homicídio doloso, segundo análise de especialistas e da Ouvidoria Geral da Polícia de São Paulo.
Com a classificação de morte a esclarecer e encontro de cadáver, os casos ficam fora das estatísticas oficiais de homicídio doloso da gestão do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB).
Pinho concordou que os boletins identificados pela reportagem deveriam ter sido registrados como homicídio. "Só podem ser identificadas como morte a esclarecer ou encontro de cadáver as ocorrências que não tenham nenhum indicativo de homicídio. Só que há casos aqui de evidente indicação de homicídio", afirmou.
Segundo ele, a Promotoria da Cidadania do Ministério Público investigará possível improbidade administrativa (má gestão pública) em eventual adulteração de dados. O Gecep (Grupo de Atuação Especial de Controle Externo da Atividade Policial) conduzirá a outra apuração, sobre a veracidade dos dados. "Porque o combate à criminalidade pressupõe o conhecimento do que está ocorrendo. E, para tanto, é preciso ter dados confiáveis", justificou.
Dos 14 casos relatados, o procurador-geral destacou um ocorrido em dezembro, em Itaquaquecetuba (Grande SP). Um homem não identificado foi encontrado com os braços amarrados para trás. "Uma pessoa encontrada com as mãos amarradas nas costas é um caso óbvio de homicídio, mas foi classificado como encontro de cadáver. Nesse caso não dava para ter dúvida", afirmou.
Pinho afirmou que o esclarecimento da autoria não é uma condição para o registro do caso como homicídio. "Todos esses casos têm de ser classificados como homicídio, mesmo com a autoria desconhecida, para que a polícia tenha um conhecimento correto da informação."
Para ele, ainda é cedo para determinar se a falha foi proposital. "É preciso apurar e identificar se houve um erro ocasional ou se teve uma determinação genérica de forçar uma redução do número de homicídios. Nossa preocupação é corrigir a distorção e, se houver dolo [intenção], punir e impedir que isso volte a ocorrer."
Para o secretário nacional de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, nos casos apresentados pela Folha ontem, "ficou óbvio que esse tipo de registro (morte a esclarecer ou encontro de cadáver) provoca uma distorção. É preciso uma revisão para que haja uma uniformidade nos registros", disse o secretário.
Segundo Nilmário Miranda, houve erro no registro dos casos mostrados pela Folha. "Mas não é possível dizer que houve má-fé. É preciso apurar o que ocorreu."


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