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Advogado diz que papa está na "contramão"
Rodrigo Pereira, presidente do Instituto Brasileiro de Direito da Família, considera discurso católico contraditório
"O grande problema é que o Estado insiste em entrar na vida privada do cidadão, quando o único motivo que importa é o desejo"
ANGELA PINHO
DA REDAÇÃO
A declaração do papa Bento
16 de que o divórcio e o segundo
casamento são uma "praga do
ambiente social contemporâneo" está na contramão da história e é própria de pessoas que
têm "medo de deparar com o
próprio desejo". Essa é a opinião do advogado Rodrigo da
Cunha Pereira, presidente do
Instituto Brasileiro de Direito
da Família.
Para ele, depois que a psicanálise passou a considerar o desejo como parte da constituição
humana, não é mais aceitável
que se coloquem obstáculos à
separação de duas pessoas. Ele
critica leis que evidenciam a interferência do Estado na vida
privada e que insistem na visão
de que há sempre um culpado
pelo fim do casamento.
FOLHA - O que o sr. achou da declaração do papa sobre o divórcio?
RODRIGO DA CUNHA PEREIRA - É um
discurso totalmente na contramão da história. O divórcio no
Brasil demorou por causa da
igreja, e a negociação para que
isso ocorresse trouxe, por
exemplo, uma aberração que só
existe no Brasil: o desquite,
chamado de separação judicial.
Mas há uma dose de hipocrisia. A igreja tem um tribunal
eclesiástico que faz divórcio
sob o nome de "anulação de casamento", cada vez mais fácil
de conseguir. O discurso fica
cada vez mais contraditório.
FOLHA - Que resquícios desse conservadorismo subsistem nas leis?
PEREIRA - Hoje, quando as pessoas se divorciam consensualmente, não precisam declarar
motivos, mas isso é exigido
quando se trata de um divórcio
litigioso. Os tribunais mais
avançados acreditam que já
não se pode discutir a "culpa",
pois, ao se fazer isso, sustenta-se a paralisação do sujeito. Devemos sustentar o discurso da
responsabilidade, de que não se
pode colocar a culpa no outro.
Mas o novo Código Civil continua sustentando que há um
culpado pelo fim da união.
FOLHA - Certos setores dizem que o
divórcio desestrutura famílias.
PEREIRA - É um discurso conservador de pessoas que não
conseguem enxergar a realidade nem lidar com o próprio desejo. A família está em desordem? Não. É que, antes de 1988,
só havia um tipo de família. Hoje, isso mudou com a possibilidade de união estável, de famílias monoparentais ou até com
a futura união civil de homossexuais. No fundo, a família é a
mesma. O que interessa é que
haja uma estrutura psíquica sólida para o sujeito.
FOLHA - Essa visão também persiste nos tribunais?
PEREIRA - Em alguns, sim. Há
uns três ou quatro anos, uma
pessoa pediu o divórcio litigioso, mas o TJ-SP não concedeu
porque ela não conseguiu provar que o cônjuge a traíra. Foi
obrigada a ficar casada. O grande problema é que o Estado insiste em entrar na vida privada
do cidadão, quando o único
motivo que importa é o desejo.
FOLHA - É fácil falar sobre desejo no
meio jurídico?
PEREIRA - Não, mas o pensamento tem mudado muito.
Conseguimos uma grande evolução no direito, que foi tornar
o afeto um valor jurídico.
FOLHA - Por que o sr. chamou de
"vitória da ética sobre a moral" a nova lei que permite separações e divórcios consensuais em cartórios?
PEREIRA - A lei de janeiro sinaliza uma tendência. O Estado vai
se afastando, e as pessoas vão
poder regular suas vidas.
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