São Paulo, domingo, 18 de abril de 2004

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RIO SOB TENSÃO

Para especialista em violência, são necessárias políticas públicas especiais para as áreas em que há conflito

"Combate ao crime deve ser específico"

LUIZ CAVERSAN
DA REPORTAGEM LOCAL

A política de combate à violência e à criminalidade adotada hoje nos Estados está equivocada e há omissão do governo federal nessa área. Essa é a opinião do professor Claudio Beato, 47, doutor em sociologia e coordenador do Crisp (Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública) da Universidade Federal de Minas Gerais. Para Beato, combater o crime com repressão e assistencialismo é um erro. Segundo ele, são necessárias políticas sociais específicas para as áreas de conflito e ação efetiva do governo federal na criação de uma força policial que atue com inteligência.
 

Folha - O sr. diz que é "moralmente ambíguo" vincular a violência à pobreza e ao desemprego. Por quê?
Claudio Beato -
Estamos desenvolvendo no Brasil a idéia de que precisamos acabar com a pobreza e com a desigualdade não porque isso em si mesmo é ruim, mas porque está associado ao crime. Não é o problema da cidadania, da exclusão que é ruim, mas o fato de ele estar ameaçando a tranqüilidade das elites.

Folha - É isso o que está acontecendo na favela da Rocinha?
Beato -
O problema da Rocinha é que a confusão foi para a avenida Niemeyer. Se ficasse lá no alto do morro, não era problema.

Folha - O que está sendo feito de errado?
Beato -
A regra tem sido criar uma espécie de cordão sanitário nas áreas nobres dos grandes centros. É esse o modelo tradicional da segurança pública no Brasil: para as áreas nobres e abastadas.

Folha - O senhor identifica um movimento pendular nas políticas públicas de combate à violência: de um lado a atitude repressiva e do outro, o assistencialismo. É preciso transcender esse movimento?
Beato -
Transcender e combinar as duas. Uma coisa é você ter uma política genérica, que precisa existir para todos os jovens, para todos os doentes, para todos os idosos. Outra coisa é você ter políticas focadas no controle da violência. Isso envolve trabalhar intensamente nas áreas mais problemáticas, onde deve haver emprego, um mecanismo de controle do comportamento do delinqüente. Uma ação focada e pontual.

Folha - Deve haver combate específico para crimes específicos?
Beato -
Isso que está acontecendo no Rio, a violência social no tráfico de drogas, é um problema que não tem nada a ver, por exemplo, com assaltos que ocorrem no centro da cidade. São coisas que exigem tratamentos diferenciados. O tráfico envolve desenvolvimento local, um trabalho de inteligência muito bem feito para entender essas redes, quem está associado com quem e como interferir. Não tem nada a ver com o crime organizado. Crime organizado exige Receita Federal, Banco Central, trabalho de inteligência voltado para lavagem de dinheiro. Mistura-se tudo isso como se fosse a mesma coisa.

Folha - É o Estado paralelo...
Beato -
Mas é evidente que não é um Estado paralelo. Aquilo é a própria desorganização de tudo o que existe de civilização, é a parte mais desorganizada do crime.

Folha - E a questão do aumento do consumo de drogas no Brasil, como o sr. analisa?
Beato -
Está muito na moda agora crucificar os usuários de droga como os grandes responsáveis. Eu acho um equívoco. Os argumentos que usam é mais ou menos como culpar a gente por encher o tanque de gasolina porque isso financia o terrorismo internacional lá nos países árabes produtores do petróleo. Há um estudo da Rand Corporation, dos EUA, que diz isto: política repressiva ou de tentar convencer as pessoas a abandonarem as drogas, isso funciona para o usuário de fim de semana, que não é o que sustenta o mercado das drogas. Quem sustenta é o viciado, que consome cinco, dez gramas por dia. Para esse, política de repressão não adianta. Ele é um doente.

Folha - A cocaína sempre foi uma droga relacionada às classes mais altas. Isso mudou a partir de quando?
Beato -
A partir do final dos anos 80, por causa da entrada da Colômbia no mercado. Nessa época a cocaína era muito barata e foi se tornando cada vez mais um fenômeno de massa.

Folha - Qual é a estratégia para mudar esse quadro?

Beato - São coisas absolutamente possíveis, como uma política mais ampla de incorporação das áreas problemáticas, de desenvolvimento social. Outra coisa que a gente percebe é que o governo federal tirou da agenda o problema de segurança pública. É um tema que queima muito o capital político. Por exemplo, é evidente que não é o Exército que tem de entrar na favela. Não é uma força militarizada, uma força formada por policial militar. Havia um projeto no começo do governo Lula de se criar uma força especial, pegar os melhores policiais, treiná-los para intervir quando necessário. Agora, essa ausência de capacidade executiva do governo federal está assustando todo mundo.


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