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RIO SOB TENSÃO
Para especialista em violência, são necessárias políticas públicas especiais para as áreas em que há conflito
"Combate ao crime deve ser específico"
LUIZ CAVERSAN
DA REPORTAGEM LOCAL
A política de combate à violência e à criminalidade adotada hoje
nos Estados está equivocada e há
omissão do governo federal nessa
área. Essa é a opinião do professor
Claudio Beato, 47, doutor em sociologia e coordenador do Crisp
(Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública) da
Universidade Federal de Minas
Gerais. Para Beato, combater o
crime com repressão e assistencialismo é um erro. Segundo ele,
são necessárias políticas sociais
específicas para as áreas de conflito e ação efetiva do governo federal na criação de uma força policial que atue com inteligência.
Folha - O sr. diz que é "moralmente ambíguo" vincular a violência à
pobreza e ao desemprego.
Por quê?
Claudio Beato - Estamos desenvolvendo no Brasil a idéia de que
precisamos acabar com a pobreza
e com a desigualdade não porque
isso em si mesmo é ruim, mas
porque está associado ao crime.
Não é o problema da cidadania,
da exclusão que é ruim, mas o fato
de ele estar ameaçando a tranqüilidade das elites.
Folha - É isso o que está acontecendo na favela da Rocinha?
Beato - O problema da Rocinha
é que a confusão foi para a avenida Niemeyer. Se ficasse lá no alto
do morro, não era problema.
Folha - O que está sendo feito de
errado?
Beato - A regra tem sido criar
uma espécie de cordão sanitário
nas áreas nobres dos grandes centros. É esse o modelo tradicional
da segurança pública no Brasil:
para as áreas nobres e abastadas.
Folha - O senhor identifica um movimento pendular nas políticas públicas de combate à violência: de
um lado a atitude repressiva e do
outro, o assistencialismo. É preciso
transcender esse movimento?
Beato - Transcender e combinar
as duas. Uma coisa é você ter uma
política genérica, que precisa existir para todos os jovens, para todos os doentes, para todos os idosos. Outra coisa é você ter políticas focadas no controle da violência. Isso envolve trabalhar intensamente nas áreas mais problemáticas, onde deve haver emprego, um mecanismo de controle do
comportamento do delinqüente.
Uma ação focada e pontual.
Folha - Deve haver combate específico para crimes específicos?
Beato - Isso que está acontecendo no Rio, a violência social no
tráfico de drogas, é um problema
que não tem nada a ver, por
exemplo, com assaltos que ocorrem no centro da cidade. São coisas que exigem tratamentos diferenciados. O tráfico envolve desenvolvimento local, um trabalho
de inteligência muito bem feito
para entender essas redes, quem
está associado com quem e como
interferir. Não tem nada a ver
com o crime organizado. Crime
organizado exige Receita Federal,
Banco Central, trabalho de inteligência voltado para lavagem de
dinheiro. Mistura-se tudo isso como se fosse a mesma coisa.
Folha - É o Estado paralelo...
Beato - Mas é evidente que não é
um Estado paralelo. Aquilo é a
própria desorganização de tudo o
que existe de civilização, é a parte
mais desorganizada do crime.
Folha - E a questão do aumento
do consumo de drogas no Brasil,
como o sr. analisa?
Beato - Está muito na moda agora crucificar os usuários de droga
como os grandes responsáveis. Eu
acho um equívoco. Os argumentos que usam é mais ou menos como culpar a gente por encher o
tanque de gasolina porque isso financia o terrorismo internacional
lá nos países árabes produtores
do petróleo. Há um estudo da
Rand Corporation, dos EUA, que
diz isto: política repressiva ou de
tentar convencer as pessoas a
abandonarem as drogas, isso funciona para o usuário de fim de semana, que não é o que sustenta o
mercado das drogas. Quem sustenta é o viciado, que consome
cinco, dez gramas por dia. Para
esse, política de repressão não
adianta. Ele é um doente.
Folha - A cocaína sempre foi uma
droga relacionada às classes
mais altas. Isso mudou a partir de
quando?
Beato - A partir do final dos anos
80, por causa da entrada da Colômbia no mercado. Nessa época
a cocaína era muito barata e foi se
tornando cada vez mais um fenômeno de massa.
Folha - Qual é a estratégia para
mudar esse quadro?
Beato - São coisas absolutamente possíveis, como uma política
mais ampla de incorporação das
áreas problemáticas, de desenvolvimento social. Outra coisa que a
gente percebe é que o governo federal tirou da agenda o problema
de segurança pública. É um tema
que queima muito o capital político. Por exemplo, é evidente que
não é o Exército que tem de entrar
na favela. Não é uma força militarizada, uma força formada por
policial militar. Havia um projeto
no começo do governo Lula de se
criar uma força especial, pegar os
melhores policiais, treiná-los para
intervir quando necessário. Agora, essa ausência de capacidade
executiva do governo federal está
assustando todo mundo.
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