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RIO SOB TENSÃO
Johnny chegou a faturar US$ 25 mil por mês nos anos 90, foi preso e agora conta sua história em livro
Ex-traficante defende legalizar drogas
DA REPORTAGEM LOCAL
No começo dos anos 90, Johnny
era um nome conhecido na zona
sul do Rio. Na estreita faixa de terra entre o mar e a montanha, as
noites eram, na definição do então chefe de polícia, Hélio Luz, de
"muito brilho". Brilho de artistas
de TV, intelectuais, músicos, modelos e cocaína, muita cocaína.
Quem garantia a animação daquela seleta clientela era Johnny,
ou João Guilherme Estrella. Bem
nascido, garoto da praia do Leblon, ele é o caso típico do consumidor que se tornou viciado que
se tornou traficante. E subiu muito nessa escala: chegou a consumir cerca de 100 g da droga por semana, teve em suas mãos de uma
só vez 15 quilos de cocaína pura e
faturou US$ 25 mil em um mês.
No dia 25 de outubro de 1995, a
PF invadiu o apartamento em que
ele embalava seis quilos da droga
para enviar para a Europa, dando
início à segunda parte da saga de
Estrella, esta menos brilhante: cadeia, tribunal, cadeia, tratamentos de recuperação, manicômio
judiciário, liberdade.
Nove anos após ser preso, João
Guilherme Estrella vira personagem: sua biografia é esmiuçada
no livro "Meu Nome não é
Johnny" (Editora Record, 336
págs., R$ 39,90), do jornalista Guilherme Fiuza. O livro é um relato
histórico-sentimental que vai desde a vida do menino que fumou o
primeiro baseado aos 14 anos até
o homem que hoje, aos 42 anos,
busca sucesso como compositor,
passando por todas as etapas da
vivência de quem já foi considerado o "barão do pó" da zona sul carioca.
(LUIZ CAVERSAN)
Folha - Por que você resolveu revelar a sua história?
João Guilherme Estrella - Descobri que os dias são muito mais
longos quando se está preso. Resolvi escrever uma ficção em que
ia jogar a realidade que estava vivendo. Fiz isso um mês e parei.
Mas aquilo ficou na minha cabeça: queria registrar o que vivia, tirar algum aprendizado.
Folha - Qual foi o aprendizado?
Estrella - A mensagem que o livro está passando é uma coisa de
superação. Primeiro é importante
dizer: não entre nessa de jeito nenhum. Mas tem muita gente que
já está dentro, está viciada, muitas
famílias estão sofrendo. A mensagem então é: dá para sair.
Folha - O período em que você
atuou no tráfico coincide com a expansão do consumo de cocaína no
Rio. O que aconteceu?
Estrella - Aí tem uma diferença
do asfalto para o morro. Na favela
você encontra droga barata, acessível, por R$ 5, R$ 10. No asfalto
envolvia mais a elite.
Folha - Você concorda que é o
consumidor do asfalto, da zona sul,
que sustenta o tráfico da favela?
Estrella - Não é só a elite que sustenta o tráfico. Mesmo porque a
elite no Brasil é uma fatia minúscula. Tem muito classe média e
classe média baixa. Na própria comunidade, como na Rocinha,
existem muitos consumidores.
Folha - Quem sustenta o traficante: o viciado ou os consumidores
eventuais, de fim de semana?
Estrella - O consumidor eventual tem um peso grande, porque
usa uma vez por semana, pelo
menos. Para quem vive disso, é
muito importante.
Folha - No auge de sua atuação,
você chegou a negociar quanto?
Estrella - A maior quantidade
que tive nas mãos foi 15 quilos.
Folha - E você faturava quanto?
Estrella - Entre US$ 20 mil e US$
25 mil por mês.
Folha - Você diria que viveu algum bom momento com as drogas?
Estrella - Talvez isso tenha acontecido antes de eu chegar ao tráfico. É difícil eu falar em bom momento, porque vivia uma condição muito alienada. Eu era viciado, comecei a fumar maconha
com 14 anos, experimentei LSD e
cheguei à cocaína aos 19, 20 anos.
Folha - E você parou?
Estrella - Desde o dia em que fui
preso. Foi ótimo. Quer dizer, ser
preso é terrível, mas eu precisava
daquele muro, senão eu poderia
morrer. Consumia muita cocaína.
Folha - Por que as pessoas se tornam consumidores de cocaína?
Estrella - Eu falo que a cocaína é
a droga mais careta que existe. Ela
te engana. No começo parece que
você está mais solto, mais criativo,
mas, muito rapidamente, ela começa a te bloquear.
Folha - Você teve crises de abstinência?
Estrella - Isso faz parte do pior
momento: na PF havia uns cem
presos. Todos com crise de abstinência. Gente do Comando Vermelho, "mulas" [transportadores
de drogas] ingleses, africanos, alemães, italianos. Era uma fauna,
todos com os nervos à flor da pele.
Folha - O que pode ser feito para
combater o tráfico?
Estrella - Legalizar. Estão à venda drogas muito mais pesadas do
que cocaína. A cachaça é um destruidor social com potencial nuclear e com um preço ridículo. É
hipócrita dizer que a cocaína é
droga, cachaça não é, cigarro não
é. Com a legalização haveria um
controle maior do consumo e
campanhas mais eficazes.
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