São Paulo, domingo, 18 de abril de 2004

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RIO SOB TENSÃO

Johnny chegou a faturar US$ 25 mil por mês nos anos 90, foi preso e agora conta sua história em livro

Ex-traficante defende legalizar drogas

DA REPORTAGEM LOCAL

No começo dos anos 90, Johnny era um nome conhecido na zona sul do Rio. Na estreita faixa de terra entre o mar e a montanha, as noites eram, na definição do então chefe de polícia, Hélio Luz, de "muito brilho". Brilho de artistas de TV, intelectuais, músicos, modelos e cocaína, muita cocaína.
Quem garantia a animação daquela seleta clientela era Johnny, ou João Guilherme Estrella. Bem nascido, garoto da praia do Leblon, ele é o caso típico do consumidor que se tornou viciado que se tornou traficante. E subiu muito nessa escala: chegou a consumir cerca de 100 g da droga por semana, teve em suas mãos de uma só vez 15 quilos de cocaína pura e faturou US$ 25 mil em um mês.
No dia 25 de outubro de 1995, a PF invadiu o apartamento em que ele embalava seis quilos da droga para enviar para a Europa, dando início à segunda parte da saga de Estrella, esta menos brilhante: cadeia, tribunal, cadeia, tratamentos de recuperação, manicômio judiciário, liberdade.
Nove anos após ser preso, João Guilherme Estrella vira personagem: sua biografia é esmiuçada no livro "Meu Nome não é Johnny" (Editora Record, 336 págs., R$ 39,90), do jornalista Guilherme Fiuza. O livro é um relato histórico-sentimental que vai desde a vida do menino que fumou o primeiro baseado aos 14 anos até o homem que hoje, aos 42 anos, busca sucesso como compositor, passando por todas as etapas da vivência de quem já foi considerado o "barão do pó" da zona sul carioca. (LUIZ CAVERSAN)
 

Folha - Por que você resolveu revelar a sua história?
João Guilherme Estrella -
Descobri que os dias são muito mais longos quando se está preso. Resolvi escrever uma ficção em que ia jogar a realidade que estava vivendo. Fiz isso um mês e parei. Mas aquilo ficou na minha cabeça: queria registrar o que vivia, tirar algum aprendizado.

Folha - Qual foi o aprendizado?
Estrella -
A mensagem que o livro está passando é uma coisa de superação. Primeiro é importante dizer: não entre nessa de jeito nenhum. Mas tem muita gente que já está dentro, está viciada, muitas famílias estão sofrendo. A mensagem então é: dá para sair.

Folha - O período em que você atuou no tráfico coincide com a expansão do consumo de cocaína no Rio. O que aconteceu?
Estrella -
Aí tem uma diferença do asfalto para o morro. Na favela você encontra droga barata, acessível, por R$ 5, R$ 10. No asfalto envolvia mais a elite.

Folha - Você concorda que é o consumidor do asfalto, da zona sul, que sustenta o tráfico da favela?
Estrella -
Não é só a elite que sustenta o tráfico. Mesmo porque a elite no Brasil é uma fatia minúscula. Tem muito classe média e classe média baixa. Na própria comunidade, como na Rocinha, existem muitos consumidores.

Folha - Quem sustenta o traficante: o viciado ou os consumidores eventuais, de fim de semana?
Estrella -
O consumidor eventual tem um peso grande, porque usa uma vez por semana, pelo menos. Para quem vive disso, é muito importante.

Folha - No auge de sua atuação, você chegou a negociar quanto?
Estrella -
A maior quantidade que tive nas mãos foi 15 quilos.

Folha - E você faturava quanto?
Estrella -
Entre US$ 20 mil e US$ 25 mil por mês.

Folha - Você diria que viveu algum bom momento com as drogas?
Estrella -
Talvez isso tenha acontecido antes de eu chegar ao tráfico. É difícil eu falar em bom momento, porque vivia uma condição muito alienada. Eu era viciado, comecei a fumar maconha com 14 anos, experimentei LSD e cheguei à cocaína aos 19, 20 anos.

Folha - E você parou?
Estrella -
Desde o dia em que fui preso. Foi ótimo. Quer dizer, ser preso é terrível, mas eu precisava daquele muro, senão eu poderia morrer. Consumia muita cocaína.

Folha - Por que as pessoas se tornam consumidores de cocaína?
Estrella -
Eu falo que a cocaína é a droga mais careta que existe. Ela te engana. No começo parece que você está mais solto, mais criativo, mas, muito rapidamente, ela começa a te bloquear.

Folha - Você teve crises de abstinência?
Estrella -
Isso faz parte do pior momento: na PF havia uns cem presos. Todos com crise de abstinência. Gente do Comando Vermelho, "mulas" [transportadores de drogas] ingleses, africanos, alemães, italianos. Era uma fauna, todos com os nervos à flor da pele.

Folha - O que pode ser feito para combater o tráfico?
Estrella -
Legalizar. Estão à venda drogas muito mais pesadas do que cocaína. A cachaça é um destruidor social com potencial nuclear e com um preço ridículo. É hipócrita dizer que a cocaína é droga, cachaça não é, cigarro não é. Com a legalização haveria um controle maior do consumo e campanhas mais eficazes.


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