São Paulo, sábado, 18 de maio de 2002

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ADMINISTRAÇÃO

Prefeita já tirou R$ 985 mil da pasta; gover no diz que dinheiro foi usado para divulgar combate à dengue

Marta paga publicidade com verba da saúde

CHICO DE GOIS
SÍLVIA CORRÊA

DA REPORTAGEM LOCAL

A prefeita Marta Suplicy (PT) retirou verbas da Secretaria Municipal da Saúde, destinando-as à publicidade. Entre junho do ano passado e o último sábado, pelo menos R$ 985 mil que deveriam ser gastos com saúde seguiram ou para a Secretaria de Comunicação ou diretamente para a conta das agências de publicidade que prestam serviços à prefeitura.
A administração petista afirma que o dinheiro foi destinado para a produção de peças publicitárias para o setor da saúde. A medida, no entanto, fere o artigo 19 das leis 13.104/00 e 13.258/01, que fixam as regras para a execução dos Orçamentos de 2001 e deste ano. As leis vetam a transferência de recursos das secretarias de Educação, Saúde, Assistência Social, Habitação e Desenvolvimento Urbano para outras pastas do governo.
Foi isso o que ocorreu no ano passado. Em dois decretos assinados por Marta -40.702, de 6 de junho de 2001, e 41.412, de 23 de novembro-, R$ 700 mil saíram da Saúde -eram recursos do PAS e do Fundo Municipal da Saúde- para a Comunicação.
No último sábado, mais: por despacho, R$ 285 mil reservados para "apoio à redução de danos e riscos à saúde" serviram para pagar as agências Agnelo Pacheco, Markplan e PG Comunicação.
Para investigar as transferências, o Ministério Público abriu ontem um inquérito sob a suspeita de que elas configuram atos de improbidade administrativa.
"O artigo 19 [das leis orçamentárias dos dois anos" é claro. Veda o repasse [a partir da Secretaria da Saúde" e não faz exceção para propaganda. Portanto, o ato pode ferir o princípio da legalidade", disse o promotor Sérgio Turra, da Promotoria da Cidadania.
Na transferência direta de recursos da saúde para as agências de publicidade, a suspeita é de "desvio de finalidade" da verba.
Pelo artigo 11 da lei 8.429/92, configuram improbidade administrativa ações ou omissões que atentem contra os deveres da honestidade, da imparcialidade e da legalidade. As penas: ressarcimento do dano, perda da função pública e suspensão dos direitos políticos por até cinco anos.
A questão, porém, é juridicamente controversa. Ao pé da letra, dizem advogados e promotores, a prefeitura está ferindo a lei. A seu favor afirmam os mesmo profissionais, ela pode alegar -e tem de provar- que, em todos os casos, usou os recursos para publicações de interesse da Secretaria da Saúde -no decreto de novembro está escrito que a verba irá para "Publicidade da Campanha de Combate à Dengue".
"A questão é polêmica. Há um conflito entre a interpretação finalista e a formal. Pela primeira, vale o raciocínio do governo, já que os recursos, em tese, serviram ao interesse da própria Secretaria da Saúde. Pela interpretação formal, porém, é possível dizer que a lei proíbe, sem especificações, o remanejamento dessa verba", afirma Pedro Estevam, professor de Direito Público da PUC. Segundo Estevam, não há jurisprudência para essa questão.
Mas advogados consultados pela Folha afirmaram que os juízes das Varas da Fazenda Pública têm sido mais legalistas, o que pode trazer problemas ao governo.
Além dos tribunais, a prefeita pode ter de encarar um julgamento político. No artigo 73, a Lei Orgânica do Município prevê que "o prefeito perderá o mandato, por cassação, (...) quando (...) atentar contra a lei orçamentária". Para que os vereadores se manifestem sobre a questão, o caso deve ser denunciado ao Legislativo por um parlamentar ou eleitor.

Programas sociais
Em despacho secretarial de sábado passado, o então secretário de Comunicação, Valdemir Garreta (que deixou o cargo na última quarta), manda retirar das contas de três programas sociais -Renda Mínima, Começar de Novo e Bolsa-Trabalho- R$ 2,5 milhões para completar a verba das agências de publicidade.
Os programas são da Secretaria do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade, da qual a lei orçamentária não impede que sejam transferidos recursos. Além disso, um decreto de janeiro passado permite que uma secretaria delegue competência a outra para cumprir seu plano de trabalho.
Dito isso, há nessa transferência dois problemas. O primeiro: a Lei de Diretrizes Orçamentárias diz que os gastos com publicidade têm de sair sempre da dotação "publicações de interesse do município". Como ela não existe na secretaria de Trabalho, o dinheiro saiu, nesse caso, de "outros serviços de terceiros". No fechamento do ano, isso deixará subestimados os gastos com a publicidade e fará crer que mais dinheiro foi efetivamente entregue à população pelos programas sociais.
O segundo ponto: os R$ 2,125 milhões que saíram do Renda Mínima e do Bolsa-Trabalho, apesar de terem sido usados em comerciais dos programas, acabarão somados como gasto com educação graças às alterações que o Executivo fez este ano na composição dessa despesa. Ou seja: gastos com anúncios serão somados como gastos com educação.
A prefeitura diz que não há irregularidade nisso, pois a nova redação do projeto da educação permite a inclusão de "custos de produção e transmissão de programas de educação (...) veiculados em rádio e TV" nas chamadas "despesas com educação". Além disso, diz o governo, só a divulgação garante que as pessoas procurem se cadastrar. E do cadastramento voluntário depende a existência dos programas.



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