São Paulo, sábado, 18 de maio de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LETRAS JURÍDICAS

Associações na mira do Código Civil

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

A Associação Portuguesa de Desportos e a Sociedade Esportiva Palmeiras, apesar da diferença do tipo associativo, revelado em suas denominações, integram a mesma atividade: são clubes socioesportivos. Pois saiba o leitor que essa duplicidade de denominação passará a ser proibida do dia 1º de janeiro de 2003 em diante, com a vigência do novo Código Civil, mesmo para entidades existentes antes dessa data. Terão todo o ano de 2003 (artigo 2.031) para se ajustarem à lei.
O uso livre de sociedade e associação é permitido hoje pela lei nº 6.015/73 (chamada Lei dos Registros Públicos). Nela, os termos associação e sociedade são tratados como sinônimos, embora gramaticalmente não o sejam. Podem designar a união de pessoas com e sem fins econômicos. O novo código reserva o vocábulo "associação" apenas para as que não tenham fim econômico e a palavra "sociedade" para as que o tenham.
Na experiência brasileira, o uso reiterado de ambas as denominações tem sido aceito sem gerar nenhum inconveniente por causa da finalidade diversa. O exemplo dos dois clubes esportivos pode ser acrescido da Sociedade Portuguesa de Beneficência, de grande tradição de bons serviços prestados à coletividade, gratuitos ou pagos, em várias cidades. Situações iguais são muitas. Basta recordar mais duas: a da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC, de largo prestígio, e a Sociedade de Cultura Artística, que, em São Paulo, há décadas, trabalha pela difusão da boa música de concerto. O artigo 981 do novo Código Civil vinculará a sociedade à atividade econômica e ao lucro.
A etimologia também recomenda rumo diverso. Os dois vocábulos se caracterizam por descrever entidades nas quais pessoas se juntam para realizar objetivos comuns, de sua escolha, assumindo a condição de sócias ou associadas, com ou sem fins econômicos. A lei pode declarar -como efetivamente declara- que a sociedade por ações é mercantil, vale dizer, voltada para o lucro, em benefício de seus acionistas. A lei das sociedades por cotas de responsabilidade limitada impõe o acréscimo dessa condição (o limite de responsabilidade) ao nome, o que se faz na forma conhecida das expressões "Cia. Ltda.". Essa espécie societária é aberta tanto ao direito comercial como ao direito civil.
A razão pela qual as leis trazem as restrições mencionadas é útil. Impede confusões terminológicas que possam levar terceiros a engano, quando tenham negócios com tais pessoas jurídicas. As sociedades de advogado, reguladas pelo Estatuto da Advocacia, estão proibidas de atividades comerciais, mas devem dedicar-se à prestação de serviços profissionais, tanto que seus sócios são voltados -no espaço interno da sociedade- para o exercício da advocacia.
De outro modo, é correto proibir a atuação mercantil das fundações. Está de acordo com o objetivo próprio dessas instituições, distintas das sociedades ou associações, porquanto são formadas pelo patrimônio do instituidor, voltado para os fins que escolher. A rigor, as fundações estão no lado oposto da comercialidade das sociedade por ações. Até aí a solução é não só compreensível, constitucional, mas incorporada às tradições do Direito nacional. Fora daí -como o faz o futuro Código Civil-, parece um excesso, situado fora das fronteiras do necessário e do jurídico, sem maior vantagem para a clareza ou para o Direito.



Texto Anterior: Transferência foi regular, afirma governo
Próximo Texto: Recapeamento bloqueia trecho da Bandeirantes
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.