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GUERRA URBANA /MORTOS EM CONFRONTO
Parentes de estudante de 17 anos negam que ele fosse ligado a facção e contestam bilhete em meia se ele saiu de casa de chinelo
Para família de morto, elo com PCC é ficção
CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL
Ao mesmo tempo em que o corpo do estudante Paulo Ricart do
Vale, 17, saía do hospital de Ermelino Matarazzo (zona leste) rumo
ao IML, às 15h30 de anteontem,
sua mãe, vítima de derrame cerebral, tinha alta do mesmo hospital
após um mês de internação.
Sem andar, sem falar e usando
sonda para se alimentar, a mãe
passou o dia de ontem agitada,
chorando e tentando balbuciar o
nome do filho morto. À sua volta,
uma geladeira que não funciona,
armários sem portas e um banheiro sem descarga.
Para a polícia, Paulo era ligado
ao PCC e, a mando do comando,
atacaria, com Jonathan Roberto
Farias, de 19 anos, duas bases da
PM -em São Miguel e na Vila
Santa Terezinha. Ambos foram
mortos por policiais militares
após suposta resistência à abordagem. Paulo estaria com uma arma
de numeração raspada e Farias
com um revólver. Apreendidas,
as duas armas estavam intactas.
Para as 150 pessoas, entre familiares e amigos, que acompanharam ontem o enterro de Paulo, no
cemitério da Vila Formosa, na zona leste de São Paulo, o garoto era
educado, estudava, cuidava da
mãe doente e o único erro foi ter
sido usuário de drogas e, eventualmente, andar em "más companhias", segundo descrição do
pai, o cozinheiro Antônio Ricardo
do Vale, 48, que sustenta a família
com R$ 500 mensais.
"Meu filho nunca roubou nada
e nunca pegou em uma arma.
Nossa família é pobre, mas é honesta. Ele nunca chegou com dinheiro em casa. A polícia está forjando essa história de ligação com
o PCC", afirmou Vale, chorando.
Há um mês, Paulo teve uma passagem pelo Conselho Tutelar por
porte de drogas. Não chegou a ser
levado para a Febem.
No próximo dia 21, se apresentaria ao conselho para assistir a
uma palestra e acertar o cumprimento da pena: prestação de serviço à comunidade e pagamento
de cesta básica. "No domingo ele
se ajoelhou diante de mim e disse
que nunca mais iria me dar trabalho. Era um garoto obediente, o
mais amoroso dos filhos."
Segundo Vale, Paulo saiu de casa às 9h de segunda-feira, de chinelos e sem documentos, com a
namorada. No meio da tarde, ligou no celular da irmã dizendo
para ela não se preocupar porque
ele voltaria logo.
Depois disso, a família não teve
mais notícias. Soube da morte na
manhã do dia seguinte e conseguir ver o corpo no IML no início
da noite de anteontem.
"De pobre que sou, fiquei ainda
mais pobre. Tiraram um pedaço
de mim. Estou há 40 anos em São
Paulo. É só sofrimento", afirmou
Antônio Vale, ainda chorando,
amparado por familiares.
O ajudante-geral Alex, 24, irmão mais velho de Paulo, conta
que, além dos tiros no tórax, o
corpo do irmão tinha ferimentos
no rosto. "Eles não nos deixaram
chegar perto do corpo e não tivemos acesso ao BO. Soubemos dos
detalhes do crime pela imprensa."
Alex estranha a versão da policiais: "Eles dizem que houve resistência, mas as duas armas supostamente encontradas com eles estavam intactas, nenhum projétil
deflagrado. Dizem que acharam
um bilhete do PCC na meia dele, e
ele saiu de casa de chinelos. Dizem que eles iriam atacar uma das
bases da PM às 4h e eles foram
mortos às 5h, sem nenhum ataque registrado. Nada bate".
O médico Alcides Silva conta
que conhece a família Vale há 20
anos e que ficou chocado com a
morte de Paulo. "Vi esses meninos crescerem. É gente honesta,
trabalhadora, que leva uma vida
miserável. Essa ligação do Paulo
com o PCC me parece absurda",
relatou Silva, que acompanhava
ontem à tarde o enterro do rapaz.
A mesma opinião foi relatada
por outras 15 pessoas entrevistadas pela Folha, a maioria vizinha
da família, que mora há dois anos
em um área invadida de Engenheiro Goulart, bairro da zona
leste paulistana.
Segundo a assessoria da Secretaria da Segurança Pública do governo estadual, se houver uma
acusação específica aos policiais
militares que participaram da
ação, a família de Paulo deve denunciar o caso à Ouvidoria da PM
para que seja investigado.
De qualquer forma, conforme a
secretaria, o delegado já solicitou
uma série de exames, entre eles o
residuográfico, que poderá atestar se houve abuso da polícia.
Para a secretaria, o fato de as armas estarem intactas não inviabiliza a versão dos policiais de que
houve resistência dos rapazes. Segundo os PMs envolvidos na
ação, os rapazes teriam apontado
as armas em direção a eles, o que
teria motivado a reação.
Quanto ao bilhete que estaria na
meia de Paulo, a polícia diz que o
papel foi encontrado por uma enfermeira do hospital, onde o rapaz já chegou morto.
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