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GUERRA URBANA /VÍTIMAS
Horas depois da morte de soldado, cinco rapazes foram assassinados; BO relatado por policial militar aponta autoria desconhecida
Testemunhas de chacina acusam policiais
LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL
MARLENE BERGAMO
REPÓRTER-FOTOGRÁFICA
As cinco carteiras de trabalho levadas pelos familiares e colocadas
lado a lado sobre a mesa do delegado do 55º Distrito Policial provavam: tratava-se de trabalhadores. Segundo 13 testemunhas ouvidas ontem pela Folha, os cinco
proprietários das carteiras foram
caindo mortos em uma esquina
de São Mateus, zona leste da cidade, uns sobre os outros, depois de
alvejados por tiros de pistola. "Os
assassinos eram policiais. Com
certeza", disse um rapaz, apoiado
pelos demais.
"Aqui, no domingo à noite, tinha uma montanha de corpos",
contou J.S., que escapou da chacina por um triz. Minutos antes das
19h30, hora do crime, ele deixara
os amigos reunidos e se afastara
apenas para levar a moto para casa. Foi quando os três assassinos
subiram a pé a ladeira da rua São
José e encontraram a turma de jovens. Veio a ordem: "Mão na cabeça", e então os tiros -direto
nas cabeças.
Consumado o crime, os três fizeram o caminho de volta calmamente. "Um deles ainda voltou,
bem devagar, para conferir se todos estavam mortos e deu tiros de
xeque-mate", contou uma testemunha, referindo-se a uma última bateria de disparos contra os
corpos empilhados.
Na hora do crime, a igreja do
Evangelho Quadrangular, vizinha
à cena, estava lotada. O bar, aberto. A rua, cheia. Quando recuperaram o fôlego, os moradores que
estavam em volta conseguiram
escutar, por debaixo da pilha de
corpos, um pedido minúsculo de
socorro: "Me tira daqui, me tira
daqui." Era M.A.S.
Sexto homem do grupo que, na
hora do crime, estava conversando na esquina, M.A.S fingiu-se de
morto até se certificar de que os
assassinos já se tinham retirado.
Menos de 10 minutos depois do
crime, um veículo da polícia militar parou no local. Logo, vieram
outros -o M-38203, o M-38302,
os carros da Força Tática prefixos
38020 e 30011.
Sem esperar pela perícia, os
PMs começaram a recolher as
cápsulas espalhadas no local da
chacina. Também iniciaram a remoção dos corpos de Fernando
da Silva Rodella, 29; Robson de
Souza, 21; Ivan Ramos Ferreira de
Moura, 23; Edilson Pedro de Souza, 29; Danilo Lopes Rissi, 21.
"Foram colocados em duas viaturas, jogados como cachorros.
Quando iam jogar o Ivan, o último, mais gordinho do que os outros, o corpo escorregou e caiu no
chão", lembra uma testemunha,
reconstituindo o diálogo que disse ter ouvido, na seqüência, entre
um soldado e seu superior.
"E esse aqui, a gente põe onde?",
perguntou o soldado. "Joga essa
merda aí em cima, com os outros", teria respondido o superior,
apontando um dos veículos.
Os moradores de São Mateus
estranharam a rapidez com que a
polícia se apresentou no local, a
presteza com que promoveu a remoção dos corpos e até mesmo a
lavagem da calçada, que estava
encharcada de sangue.
Ignorando a atuação dos PMs, o
boletim de ocorrência nº 1.643 diz
apenas que: "a autoridade policial
compareceu ao local, não sendo
possível obter qualquer informação sobre a autoria do delito ora
investigado, bem como constatou
que o local encontrava-se prejudicado para perícia".
Esse boletim, os familiares encontraram pronto na delegacia,
quando chegaram para registrar o
crime e contar o que sabiam. Não
puderam. O delegado Fabio Bonini Ferrão limitou-se a entregar-lhes cópia do documento produzido a partir de relato de um policial, Luciano Rosa Ferreira, que
aponta "autoria desconhecida"
para as mortes.
Vingança
Naquela manhã, às 11h, o policial militar José de Souza, 48, tinha sido assassinado a menos de
600 metros do local da chacina. O
corpo do soldado só foi removido
às 16h -cinco horas depois. Os
colegas de farda do PM morto
providenciaram a preservação do
local, isolando-o para o trabalho
da perícia, que chegou às 18h.
O bairro ficou durante todo esse
tempo mobilizado pela tragédia
do PM. Assim que se encerraram
os trabalhos relativos a ela, aconteceu a chacina dos cinco rapazes.
Familiares das vítimas ouvidos
pela Folha acreditam que os jovens foram atingidos pela "sede
de vingança dos policiais". "Queriam vingar o colega morto pela
manhã e acertaram as pessoas erradas à noite", acusa o pai de um
assassinado.
E se os matadores fossem bandidos comuns? Um comerciante
reage: "Não pode ser. A gente conhece bem bandido nessa região.
Bandido não mata desse jeito.
Não manda pôr a mão na cabeça
para depois atirar. Atira e sai correndo. Não sai com essa calma toda. Andando. Não volta pra conferir o serviço".
Peladas
Os cinco amigos de São Mateus
se conheciam desde crianças. O
bairro era, então, um imenso matagal. Companheiros de peladas,
sempre se reuniam para conversar sobre mulher e futebol. "Se alguém me dissesse que eles tinham
morrido por causa de uma briga
entre torcedores, eu até entenderia. Mas não uma morte assim",
diz a prima de um deles.
Ivan era metalúrgico; Danilo ia
começar a trabalhar na próxima
segunda-feira no Habib's de Santo André; Fernando era mecânico
de automóveis; Robson e Edilson
eram metalúrgicos na JED (empresa de metais sanitários). Segundo a Secretaria da Segurança,
os jovens, todos negros, não tinham antecedentes criminais.
"Foi uma surpresa geral a morte
dos garotos", disse um gerente da
JED que trabalhou com Robson e
Edilson. "Eles eram muito queridos, tanto que a empresa alugou
vans para levar os funcionários ao
enterro e encerrou o expediente
duas horas mais cedo." Mais de
2.000 pessoas foram se despedir
dos rapazes.
M.A.S foi internado no hospital
municipal de São Mateus. Único
sobrevivente da chacina, a família
dele teme que os assassinos dos
outros tentem completar o serviço e já providenciaram sua remoção para outro hospital.
Segundo a Secretaria da Segurança Pública, as famílias devem
levar suas suspeitas em relação ao
caso à ouvidoria das polícias Civil
e Militar.
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