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Delírios urbanos
De tempos em tempos, policiais têm de parar temporariamente suas investigações para desmistificar boatos
AFONSO BENITES
DE SÃO PAULO
Corpos de crianças raptadas pelo maníaco do carro
preto no Campo Limpo (zona
sul de SP) são encontrados
em terrenos baldios.
Em trens do metrô e no Pari (centro), um homem transtornado injeta uma seringa
contaminada com o vírus do
HIV nos passageiros.
Em hotéis, homens têm
seus rins roubados por uma
quadrilha que trafica órgãos.
Tudo delírio. Delírios urbanos.
De tempos em tempos, policiais têm de parar suas investigações ou o atendimento à população para desmistificar boatos criminosos.
Em um bairro onde são comuns os crimes de homicídio
e roubo, o Campo Limpo, o
37º DP chegou a receber 20 ligações diárias relatando que
crianças sumiram depois de
terem sido raptadas por um
homem num carro preto.
De janeiro a maio, 14 boletins de ocorrência foram registrados informando que
menores de 18 anos haviam
sumido. O delegado Gilberto
Ferreira passou então a investigar os casos. Encontrou
os 14 desaparecidos- uns tinham fugido de casa, outros
com o namorados.
Ou seja, nenhum desaparecido fora levado por um homem num carro preto.
Para tentar desmistificar o
suposto rapto de crianças,
passou a se reunir com grupos de moradores para explicar que tudo se tratava, na
verdade, de uma lenda urbana. Realizou encontros com
diretores de escolas.
Nessas reuniões, ao lado
de representantes da Guarda
Civil e da Polícia Militar, o delegado fez uma longa explanação sobre as lendas urbanas. Ressaltou que as pessoas que transmitem a história jamais testemunharam o
fato, mas ouviram dizer que
tal coisa tinha acontecido.
"O amigo da minha sobrinha falou que tinha um carro
preto aqui no bairro roubando crianças. Ele garantiu que
isso tinha acontecido com
um vizinho dele", afirmou a
secretária Maria Aparecida
Alvarez, 51, ao sair do 37º DP.
"Onde trabalho escutamos
muito essa estória. Até você
convencer o aluno de que
não é verdade, é preciso muita conversa", afirmou a professora Isabela Santos, 35.
Quando Ferreira trabalhou no Pari (centro), na década de 1980, a lenda era de
que um homem com uma seringa infectada com o vírus
da Aids espetava outras pessoas nas ruas para disseminar a doença. A denúncia jamais se confirmou.
A imprensa sensacionalista e a internet ajudaram a disseminar outras lendas como
a da loira do banheiro (vista
nas escolas), a da cobra na
piscina de bolinhas e a da
gangue do palhaço (que raptava crianças usando uma
Kombi branca).
MONSTRO DE OSASCO
Na década de 1970, outro
caso tomou conta do imaginário popular na Grande SP.
Era a época do monstro de
Osasco que comia crianças e
animais domésticos.
A lenda foi criada por um
coveiro da prefeitura que colaborava com um jornal de
circulação estadual.
"A imprensa chegou a noticiar o fato por vários dias.
Por isso, à noite, as ruas ficavam vazias", lembra o então
prefeito Francisco Rossi.
O objetivo da lenda era aumentar a vendagem do jornal, conforme lembram moradores de Osasco.
ESTRATÉGIA
Diante da repercussão do
caso, o autor da lenda resolveu botar um fim na boataria.
O coveiro procurou um circo
que passava pela cidade e fez
um acordo. Eles pegariam a
jaguatirica do circo e a exibiriam em praça pública, presa
numa jaula, dizendo que tinham capturado o monstro.
Ao saber da ideia, a polícia
e os bombeiros quiseram participar da armação. Todos foram até a prefeitura e posaram na foto com a jaguatirica, que, nesse caso, era totalmente inocente.
"Prendemos o monstro!
Prendemos o monstro!" Foi o
ponto final da onda de pânico na cidade, que voltou a ter
a sua vida noturna normal.
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