São Paulo, sexta-feira, 18 de junho de 2010

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Delírios urbanos

De tempos em tempos, policiais têm de parar temporariamente suas investigações para desmistificar boatos

AFONSO BENITES
DE SÃO PAULO

Corpos de crianças raptadas pelo maníaco do carro preto no Campo Limpo (zona sul de SP) são encontrados em terrenos baldios.
Em trens do metrô e no Pari (centro), um homem transtornado injeta uma seringa contaminada com o vírus do HIV nos passageiros.
Em hotéis, homens têm seus rins roubados por uma quadrilha que trafica órgãos.
Tudo delírio. Delírios urbanos.
De tempos em tempos, policiais têm de parar suas investigações ou o atendimento à população para desmistificar boatos criminosos.
Em um bairro onde são comuns os crimes de homicídio e roubo, o Campo Limpo, o 37º DP chegou a receber 20 ligações diárias relatando que crianças sumiram depois de terem sido raptadas por um homem num carro preto.
De janeiro a maio, 14 boletins de ocorrência foram registrados informando que menores de 18 anos haviam sumido. O delegado Gilberto Ferreira passou então a investigar os casos. Encontrou os 14 desaparecidos- uns tinham fugido de casa, outros com o namorados.
Ou seja, nenhum desaparecido fora levado por um homem num carro preto.
Para tentar desmistificar o suposto rapto de crianças, passou a se reunir com grupos de moradores para explicar que tudo se tratava, na verdade, de uma lenda urbana. Realizou encontros com diretores de escolas.
Nessas reuniões, ao lado de representantes da Guarda Civil e da Polícia Militar, o delegado fez uma longa explanação sobre as lendas urbanas. Ressaltou que as pessoas que transmitem a história jamais testemunharam o fato, mas ouviram dizer que tal coisa tinha acontecido.
"O amigo da minha sobrinha falou que tinha um carro preto aqui no bairro roubando crianças. Ele garantiu que isso tinha acontecido com um vizinho dele", afirmou a secretária Maria Aparecida Alvarez, 51, ao sair do 37º DP.
"Onde trabalho escutamos muito essa estória. Até você convencer o aluno de que não é verdade, é preciso muita conversa", afirmou a professora Isabela Santos, 35.
Quando Ferreira trabalhou no Pari (centro), na década de 1980, a lenda era de que um homem com uma seringa infectada com o vírus da Aids espetava outras pessoas nas ruas para disseminar a doença. A denúncia jamais se confirmou.
A imprensa sensacionalista e a internet ajudaram a disseminar outras lendas como a da loira do banheiro (vista nas escolas), a da cobra na piscina de bolinhas e a da gangue do palhaço (que raptava crianças usando uma Kombi branca).

MONSTRO DE OSASCO
Na década de 1970, outro caso tomou conta do imaginário popular na Grande SP. Era a época do monstro de Osasco que comia crianças e animais domésticos.
A lenda foi criada por um coveiro da prefeitura que colaborava com um jornal de circulação estadual.
"A imprensa chegou a noticiar o fato por vários dias. Por isso, à noite, as ruas ficavam vazias", lembra o então prefeito Francisco Rossi.
O objetivo da lenda era aumentar a vendagem do jornal, conforme lembram moradores de Osasco.

ESTRATÉGIA
Diante da repercussão do caso, o autor da lenda resolveu botar um fim na boataria. O coveiro procurou um circo que passava pela cidade e fez um acordo. Eles pegariam a jaguatirica do circo e a exibiriam em praça pública, presa numa jaula, dizendo que tinham capturado o monstro.
Ao saber da ideia, a polícia e os bombeiros quiseram participar da armação. Todos foram até a prefeitura e posaram na foto com a jaguatirica, que, nesse caso, era totalmente inocente.
"Prendemos o monstro! Prendemos o monstro!" Foi o ponto final da onda de pânico na cidade, que voltou a ter a sua vida noturna normal.


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