São Paulo, domingo, 18 de agosto de 2002

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DIREITO À SAÚDE

Juízes têm autorizado pedidos e liberado recursos para tratamentos de doenças consideradas raras

Paciente de terapia experimental é atendido

DA REPORTAGEM LOCAL

Tratamentos experimentais e dolorosos, cirurgias desaconselhadas e drogas sobre as quais a comunidade científica tem dúvidas ou cuja oferta para um grupo de pacientes ainda não foi autorizada pelo governo: os juízes têm concedido acesso a tudo que possa trazer, no mínimo, um pouco de esperança ao doente.
R., hoje com 9 anos, é vítima de uma doença de pele raríssima e incurável -a epidermólise bolhosa, que causa bolhas e feridas no corpo todo. A menina conseguiu na Justiça paulista acesso a um tratamento experimental, em que eram feitas transferências de células da mãe para seu corpo. Foi o único que trouxe algum alívio.
A Secretaria de Estado da Saúde não queria pagar, justamente porque a terapia era experimental. A Justiça não recuou, e a secretaria colocou um médico para acompanhar as sessões, que custavam cerca de R$ 1.000 mensais. A pasta reconhece hoje que a menina melhorou, mas ela abandonou o tratamento por causa das dores.
"O juiz chorou de vergonha ao ver o caso dela. Era experimental mesmo. Fosse o filho do secretário, ele iria até a uma mãe-de-santo", justifica Lia Junqueira, do Centro de Referência da Criança e do Adolescente da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil), autora da ação.
Eliana Impiglia, 50, conseguiu há dois anos um mandado de segurança para que a filha, portadora de transtorno bipolar, uma doença mental, pudesse utilizar o Zyprexa, medicamento que é fornecido pelo governo somente para esquizofrênicos. De acordo com ela, a filha melhorou muito quando começou a usar a droga. "Há médicos que têm feito o diagnóstico de esquizofrenia só para que o paciente tenha acesso a esse remédio. Só consegui porque levantei e fui atrás."

Pacote completo
Ao paciente P., 19, surdo-mudo com sequelas de uma agressão, a Justiça concedeu, além de remédios e tratamento, cardápio personalizado, cotonetes, barbeador, detergente, desinfetante, luva de limpeza e até cera para o chão de sua casa -todo o pacote é bancado pela Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, que não informou o total das despesas.
A ação do caso relata que o jovem vivia em condições subumanas, em um lugar sujo, preso a uma cama, com feridas nas costas, sinusite, problemas na bexiga e sinais de transtorno mental.
"Essas situações relatam a fragilidade dos projetos sociais do país. Estoura tudo na Justiça", diz Artur Custódio Moreira de Sousa, representante de usuários no Conselho Nacional de Saúde.
As ordens judiciais que chegam ao Ministério da Saúde se referem aos tratamentos mais caros, como os que beneficiam portadores de retinose pigmentar (uma doença que causa deposição de pigmentos na retina e prejudica paulatinamente a visão).
Alguns desses pacientes têm conseguido na Justiça que o governo custeie um tratamento cirúrgico em Cuba. A viagem com acompanhante e hospedagem custa em torno de R$ 10 mil. "Já temos pareceres de que o tratamento não resolve, mas recebemos mais de uma centena de casos", diz Renilson Rehem de Souza, secretário de Assistência à Saúde do ministério.
Outro procedimento requisitado diretamente ao ministério é o polêmico implante de mioblastos. Vetado pelo Conselho Federal de Medicina e banido em vários países, é aplicado em portadores de uma doença rara que causa degeneração dos músculos (distrofia muscular de Duchene). Com as cirurgias em Cuba, gerou gastos de R$ 4,7 milhões ao ministério desde o ano passado.
O número de ordens judiciais recebidas pela Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo é insignificante, informou o secretário Eduardo Jorge, que afirma, no entanto, tentar cumpri-las. "O problema é de recursos. Não deveriam direcionar as ordens só para a Saúde, mas também para o ministro da Fazenda e o Congresso." (FABIANE LEITE)


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