São Paulo, Segunda-feira, 18 de Outubro de 1999
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VIOLÊNCIA
Investigador do Pará relata sessões de tortura usadas para obter confissões ou apenas castigar preso
Policial diz usar palmatória e choque

do enviado a Belém


Palmatória de madeira ou ferro, máquina de choque elétrico, espancamento. Esses são os principais métodos de tortura empregados por um investigador da Polícia Civil do Pará, de acordo com seu depoimento -gravado- à Folha.
Há cerca de 15 anos na polícia e com aproximadamente 40 anos de idade -não são publicados os números exatos para evitar a identificação-, o investigador afirma ser um dos policiais menos violentos entre seus pares.
Ele mostrou documentos e relatou casos que de fato ocorreram, conforme a reportagem confirmou posteriormente.
A seguir, trechos da entrevista feita em Belém, com o compromisso de silêncio sobre a identidade do personagem:
(MÁRIO MAGALHÃES)

BANDIDOS -
"O bandido não trabalha com o policial como o policial deve trabalhar com ele. O bandido dificilmente se rende. Um assaltante de banco dificilmente te dá um bom dia ou uma boa tarde, nem te pede desculpa.
A gente tem que trabalhar com esse tipo de gente da mesma maneira que eles nos tratam. Não nos recebem com flores, só para mandar para o enterro."

BOLOS -
"Há o caso de um homicida que tinha um parceiro. O homicida foi detido como suspeito e depois acusou o parceiro dele. Teve que pegar uns bolos [golpes de palmatória"."

MÉTODO -
"Tem que pegar a palmatória mesmo e dar uns bolos no caboclo até ele não aguentar mais. Quando ele não aguentar mais, ele entrega. De uma maneira ou de outra, ele não vai entregar com a gente dizendo "diz que não vai acontecer nada contigo, eu te prometo que tu vais ser liberado".
Dessa maneira, não tem juiz, promotor, desembargador que consiga. A polícia tem uns métodos de fazer o caboclo confessar. Com a pressão, o modo de falar com ele, o policial intimida."

INSTRUMENTOS -
"A palmatória é de madeira ou ferro. É grossa, (tem) uns 8 cm de largura, com uns 25 cm de cabo e 10 cm, 15 cm de diâmetro. No caso daquele homicida, teve bolo na mão e no pé. O pé fica virado para cima. Nesse caso não houve choque, mas há casos em que é preciso.
O homicida ficou uns 25 minutos (apanhando). O cara chora. O cara é carnal, chora. Se você levar 30 bolos de um lado e 20 do outro, se nunca apanhou da mãe, entrega tudo."

NORMALIDADE -
"Palmatória é negócio normal. Se você for fundo, dentro do centro de menores daqui, aqueles menores infratores apanham de palmatória lá, porque eles não respeitam nem o pai nem a mãe.
Conhecia um sujeito que era professor lá e que sempre vinha com a cabeça quebrada. Os pivetes pegavam um pedaço de pau e davam na cabeça do professor.
São pessoas irrecuperáveis, que saem de manhã e voltam à noite. De manhã, assaltam. Depois, voltam para se esconder no centro de reabilitação."

EXCITAÇÃO -
"Uma vez tinha um ladrão que só queria roubar casa de policial. Ia atrás de casa de investigador e delegado porque sabia que lá tinha arma. Levava tudo, quando não tinha gente em casa. Prendemos esse caboclo, levamos para a delegacia. Foi preciso usar de violência com ele. Ele não dizia de jeito nenhum, não confessava, e a gente tinha certeza de que era ele. Ele era cínico.
A gente falando com ele e ele rindo da cara da gente: "Me bate, me bate que eu vou dizer para a doutora. Olha, bate aqui." A doutora é a juíza.
Eles excitam a gente. Às vezes, batem até com a cara na parede quando querem incriminar o policial. O elemento dá com a cara na grade para, quando o promotor vier, ele acusar o policial de quem têm mais raiva. Demos pau nesse cara, uma sova normal. De outra maneira, você não fica respeitado. Quando ele sair e o vir na rua, ele vai embora."

MARCAS -
"É difícil não aparecer no corpo. O que não aparece mesmo é no estômago. O cara perde o fôlego e não quer pegar outra."

RAIVA -
"Já aconteceu comigo [espancar por sentir raiva". Um ladrão entrou na minha casa, eu de serviço, minha esposa gestante. Levou minha bicicleta, meu som, minha televisão. Entorpeceram minha esposa.
O elemento espalhou: "Não estuprei a mulher do samango [policial", porque ela estava gestante". Foi pior do que se tivesse feito, de tanta raiva (que) fiquei. Quando se mata um investigador, os outros investigadores vão atrás e não deixam barato. É para moralizar a corporação.
Se você mata um policial hoje e não acontece nada, amanhã vão matar mais outro e mais outro. Quando você vê, não tem mais pulso."

SURRA -
"Num dia, estava de plantão, com ódio do samango, peguei, dei muita porrada nele. Depois de um bom tempo, esse ladrão apareceu morto e eu fiquei como suspeito.
Acredito que tenha sido outro bandido, porque ele tinha matado outro bandido. Esse elemento tinha pacto com o diabo. Toda sexta-feira cortava o braço e derramava sangue na encruzilhada.
Não me lembro exatamente o que fiz com ele, porque eu fiz tanta coisa, dei tanto pau nesse cara. Soco, pontapé, cassetete, com tudo o que tinha.
Quando você vê um policial pegar um bandido e destroçar, só vê o lado do polícia, não vê o que o bandido fez. Amarrei ele, dei porrada, fiz tudo o que podia fazer. Naquele momento, se ele morresse, era melhor, tá entendendo? Soco, tapa, pontapé, todo o tipo de violência."

MEDO -
"Só durmo com o revólver embaixo da cabeça. E sozinho, porque o pessoal tem medo que eu sonhe e atire. Um policial prende mil bandidos e não guarda a cara de cada um deles. Mas mil bandidos guardam a cara de um policial."

DEMÔNIOS -
"O promotor de Justiça e o juiz são pessoas qualificadas para fiscalizar e aplicar a lei. Só que eles estão acostumados a trabalhar com todo o tipo de pessoas más lá dentro do gabinete. E nós trabalhamos aqui fora.
Lá dentro os bandidos são anjos. Aqui fora, demônios.
Um promotor nunca vai conseguir resolver (casos) usando filosofia, sociologia, relações públicas, relações humanas com um bandido para ele confessar que matou fulano ou sicrano."

PIMENTA -
"Se eu estiver convencido de que é um criminoso, não há motivo nenhum para fazer nada. Se eu tenho certeza de que foi ele, e ele não quer confessar, o que se pode fazer?
Ele entrega. Porque aí está defendendo a integridade física dele. O caboclo só sente a pimenta arder quando é nele. Quando é nos outros, é mel. Se eles pegam, matam, torturam e estupram, não é o corpo deles. Quando passa a ser o corpo deles, aí não querem para eles.
Lá em São Paulo, o maníaco do parque entregou tudinho. Quem foi que viu aquele rapaz sendo interrogado? De bom coração não iria entregar. Só pode ter sido na porrada. O cara que começou negando e depois mudou de opinião? Resolveu entregar tudo?"

PACIÊNCIA -
"Tem cara que chega à delegacia e lhe torra a paciência. Tem delegados que já deram até tiro para cima na delegacia por causa de aborrecimento com preso.
O policial às vezes comete esse tipo de barbaridade porque quase 90% dos policiais têm problemas psicológicos. Saem de casa para trabalhar, às vezes não deixam nada. Na rua, aturam abuso dos outros.
Às vezes se vingam, por uma coisa que não podem realizar -tua família tá lá ruim, tu tá aqui trabalhando e pegando abuso. Vinga no preso, no vagabundo.
Às vezes você está bem tranquilo, vem aquele cara que já entrou, 30, 40 vezes ali (na delegacia). "Pô, de novo, rapaz? Então vais pegar mais tapa para ti...'
É como o pai quando o filho continua... "Pô, tu não te ajeitas?" Não tem quem se ajeite. Quero que me diga um cara que pegou muita porrada e se corrigiu."

ORDINÁRIO -
"Eu conhecia um elemento que dava tanto trabalho, era tão ladrão, tão perigoso, tão ordinário, que quando não tinha quem roubar ele pendurava a camisa dele num galho de pau e ficava escondido, ficava olhando para um lado e para o outro.
Quando ninguém via, ele ia e roubava a própria camisa, só para não deixar de roubar. A gente já estava de saco cheio dele e teve que dar sumiço nesse caboclo. Ele reagiu à prisão e nós não demos chance para ele."

DIREITOS HUMANOS -
"Se um elemento desse mata uma pessoa... Eu queria que acontecesse com um parente de juiz, desembargador, (ativista de) direitos humanos.
Eu queria que o representante dos direitos humanos estivesse amarrado, sequestrado, e o vagabundo metendo um alfinete todo dia em várias partes do corpo dele, torturando. Gostaria que ele sentisse essa tortura do bandido que defende.
Tem casos em que não deveria haver tortura. Mas cada caso é um caso. Uma pessoa que roubou uma alimentação por necessidade não poderia apanhar. Mas às vezes apanha. Há policiais que não estão preparados."

TODOS CONTRA -
"Os direitos humanos não vão atrás da minha mulher, se ela for estuprada por um bandido. Mas, se eu pegar um bandido e arrebentar, der muita porrada, amarrar e torturar, aí vêm os direitos humanos em cima de mim. Os direitos humanos só estão aí para prejudicar policiais.
Tem Ministério Público para trabalhar contra a polícia, ouvidoria, Corregedoria da Polícia Civil, Corregedoria da Polícia Militar e ainda tem mais a opinião pública e mais o bandido.
O que é que o policial tem para trabalhar a favor dele? E há a lei para atrapalhar o policial. Ponho o bandido na cadeia, em 72 horas ele sai e vai à minha casa para me matar."

RESPEITO -
"Minha mulher sabe que policial tem que ser respeitado. Policial bonzinho não é respeitado. Vagabundo falou para mim: eles só respeitam aquele policial que é brabo, escroto."



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