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Análise
Obra não era preservada como merecia
FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL
Por mais triste, lamentável e
trágica que possa ser, a perda de
praticamente todo o acervo do
artista Hélio Oiticica representa, finalmente, o fim do fetiche
pelo material em suas obras e a
libertação de suas ideias.
Oiticica foi um dos mais originais e importantes artistas do
século 20. Sua defesa em romper os limites entre arte e vida
foi das mais radicais, mas apenas nos últimos 20 anos passou
a ter o merecido reconhecimento e repercussão.
Dois momentos fundamentais nesse percurso foram a Documenta, em Kassel (Alemanha), em 1997, que mostrou
muitos de seus projetos e obras,
e a 27ª Bienal de São Paulo, em
2006, organizada por Lisette
Lagnado a partir de conceitos
do artista, mas que já nem exibiu objetos do artista, para
atestar que suas ideias estavam
proliferadas no circuito da arte.
No entanto, enquanto suas
ideias ganhavam importância,
um certo desvio de suas propostas também crescia. Oiticica queria que os Parangolés,
um de seus mais importantes
conceitos, que tinham nas capas uma de suas materializações, fossem usados por todos.
No entanto, o fetiche pelo
original -que em seu caso é o
menos importante, acabou dominando e em muitas mostras
essas capas eram vistas penduradas como tristes espectros de
algo muito mais vital.
Do ponto de vista do mercado, algo semelhante ocorria. As
obras passaram a subir de preço exponencialmente, enquanto para o artista, durante sua vida, isso não era o fundamental,
e seu trabalho passou a ser engessado naquilo que justamente ele criticava: o objetual.
Claro que é inacreditável que
tudo tenha se esvaído dessa forma, até porque é a segunda vez
que um incêndio destrói um
acervo importante no Rio: foi
assim que grande parte da coleção do Museu de Arte Moderna
do Rio foi perdida, em 1978.
Claro que é lamentável que o
precioso acervo de Oiticica não
estivesse preservado da forma
como merecia, numa instituição, mesmo que já existisse o
Centro de Arte Hélio Oiticica,
criado pela Prefeitura do Rio,
palco de recentes polêmicas.
Durante um bom tempo, parte do que se queimou esteve lá
armazenado e poderia estar a
salvo. Mas isso faz parte da precariedade institucional que é típica no Brasil e das dificuldades
que envolvem herdeiros em casos do tipo.
Recentemente, o Ministério
da Cultura havia iniciado contatos para a criação de um museu Hélio Oiticica. Mas, essa
institucionalização, se por um
lado seria fundamental para
preservar sua memória, poderia representar um risco ao institucionalizar sua obra, algo
sempre contestado pelo artista.
Em Porto Alegre, artistas que
participam da 7ª Bienal do
Mercosul lamentavam ontem a
perda desse acervo, mas também comentavam que parecia
ser uma estranha vingança pelo
tratamento que sua obra vinha
ganhando.
Agora, se já não há mais original, então todos podem criar
seu Parangolé. Felizmente,
grande parte de seu acervo foi
digitalizado e encontra-se disponível no site do Itaú Cultural,
num dos mais importantes
projetos de memória da arte
brasileira. Os originais -e são
milhares deles, pois tudo o que
Oiticica pensava era obsessivamente descrito em seus cadernos- podem estar queimados,
mas conseguiram sobreviver
na internet, onde todos podem
ter acesso, como o artista queria que fosse sua obra.
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