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INCULTA & BELA
"Sua vida não vale uma dose"
PASQUALE CIPRO NETO
Colunista da Folha
Está numa placa, na rodovia
Washington Luís, perto de
uma das entradas da querida
cidade de Araraquara: "Sua
vida não vale uma dose".
É claro que se entende a intenção de quem escreveu a frase. A idéia certamente era dizer
que não vale a pena arriscar a
vida por uma dose, mas, como
diz o ditado, de boas intenções
o inferno está cheio.
A frase é, no mínimo, engraçada. Quando vi a placa pela
primeira vez (há um bom tempo), lembrei-me de João Cabral: "É a parte que te cabe deste latifúndio". Será que nem isso valho? Eta vidinha insignificante!
A primeira fase do vestibular
da Fuvest está aí. Um assunto
comum é justamente a ambiguidade (duplo sentido). Vale
a pena discutir outros casos.
Veja este, da prova de 97: "Rossi pede ao STF processo por calúnia contra Motta".
O que se conclui? Rossi e
Motta são aliados ou inimigos?
O problema, mais uma vez, está na estruturação da frase. A
expressão "contra Motta" pode
ser ligada a "calúnia" ou a
"processo". Em suma, pode-se
entender que: a) Rossi, aliado
de Motta, pede ao STF que processe quem caluniou Motta; b)
Rossi, inimigo de Motta, pede
ao STF que processe Motta por
calúnia -calúnia contra o
próprio Rossi, é claro.
Veja outro caso da mesma
prova: "Casal procura filho sequestrado via Internet". E agora? Já se sequestra pela Internet? O pior é que já.
Essas frases parecem tiradas
de títulos de jornais, território
mais do que fértil.
Os jornalistas adotam o lema
"Título bom é o que cabe". Por
conhecer a mecânica de produção de um jornal, cabe-me defender meus queridos amigos
jornalistas. Não é nada fácil fazer títulos, sobretudo quando o
chefe grita, o texto acaba de
chegar e faltam cinco minutos
para o fechamento. Dê-lhes um
desconto, por favor.
Quanto a você, candidato a
uma vaga no ensino superior,
saiba que se exige cada vez
mais a percepção da ambiguidade nas provas de português.
Leve em conta a estrutura da
frase e dê atenção especial aos
elementos de conexão (preposições, conjunções e pronomes
relativos). Pode estar aí a chave da clareza.
No caso da frase que envolve
Rossi e Motta, a preposição
"contra", que introduz o elemento que funciona como alvo, casa-se semântica e sintaticamente com as palavras "processo" e "calúnia". É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail: inculta@uol.com.br
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