São Paulo, domingo, 18 de novembro de 2001

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Mecanização elimina empregos na lavoura

DO ENVIADO ESPECIAL

"Truco!"
A qualquer hora do dia, o movimento é bastante animado na praça Antonio Prado, em volta da igreja de São João Batista, bem no centro de Barrinha.
Aqui é o reduto dos aposentados e desempregados da cidade, que passam o tempo jogando baralho enquanto não aparece trabalho nos canaviais da região.
"Não tem para onde ir. A máquina tomou conta de tudo, está acabando o serviço para nós", queixa-se o bóia-fria João Paulo Napolitano, 23, que mora no mesmo bairro do estudante de computação Aparecido do Carmo, mas seguiu caminho bem diferente na vida.
Depois de concluir o 1º grau, João Paulo deu-se por satisfeito e não pensou em voltar à escola. Habituou-se a viver de "bicos". Desde 1995, diz ele, o desemprego vem aumentando na região. "Se ninguém der um jeito, vai piorar", prevê, sem mostrar esperança de seguir o exemplo do vizinho.
"O caso do Aparecido é coisa rara. Foi o único que conseguiu entrar na faculdade. É um cara que não perde dia de serviço. A usina resolveu levar ele pra frente."
Casado e sem filhos, João Paulo arrumou um emprego de lixeiro na prefeitura de Barrinha. Está parado há mais de um mês por ter sofrido um acidente. Não pretende voltar ao mesmo serviço quando terminar a licença. "O salário [R$ 350" é menor do que na roça."
No auge da colheita manual, entre 1985 e 1990, os 83 municípios da região de Ribeirão Preto chegaram a ter 60 mil bóias-frias trabalhando nas lavouras de cana.
Com a mecanização, que já chega a 50% das terras cultivadas, o contingente caiu pela metade. Cada nova máquina utilizada provoca a dispensa de 80 empregados.
Ao contrário do que ocorre em outras regiões do Estado, estes trabalhadores rurais não são migrantes que vêm de outros Estados para a colheita e voltam para suas cidades após a safra. Moram com suas famílias nas periferias das cidades-dormitórios.
Para eles, uma alternativa fora dos canaviais são as metalúrgicas de Sertãozinho, mas não há empregos para todos. Em consequência, crescem os problemas sociais e a violência, mesmo nas pequenas cidades da região.
Entre os 36 colegas da turma de bóias-frias liderada por Aparecido até a semana passada, nenhum tem planos de chegar à faculdade.
João Soares Antunes, 35, que vai substituir Aparecido na função, só agora voltou a cursar a 3º série do ensino fundamental. "Sou ativo no serviço, mas fraco na escola." Simone de Oliveira, 30, bóia-fria desde os 12, mãe de três filhos, acha impossível voltar à escola, que abandonou na 7º série. "Quem vai olhar os meninos?"
Na pausa para o café na Fazenda Resfriado, o mais contente com a ascenção de Aparecido é Benedito do Carmo Batista, 45, colega de infância em Barrinha, com quem até outro dia formava dupla no corte de cana. "Esse é gente fina. Merece", avaliza, dando-lhe um tapa na cabeça.



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