São Paulo, domingo, 18 de dezembro de 2005

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GILBERTO DIMENSTEIN

O problema do Serra é ser prefeito de São Paulo

Se eu tivesse de fazer uma lista com o nome dos 20 brasileiros mais habilitados, independentemente da viabilidade eleitoral, a assumir a Presidência da República, não teria dúvida de incluir José Serra -aliás, dificilmente alguém com um mínimo de isenção e conhecimento sobre nossos políticos o deixaria de fora dessa hipotética lista.
Os motivos são óbvios. Serra tem sólida formação acadêmica e estuda sistematicamente os problemas do país. Integra um partido de expressão nacional, com forte articulação no Congresso, base no empresariado e prestígio nas classes médias urbanas. Colecionou as mais diversas experiências em administrações federal, estadual e, agora, municipal. Conheceu em detalhes a vida parlamentar, em que atuou como deputado e senador. Obteve avaliação positiva na maioria dos cargos que ocupou, reconhecido, muitas vezes, por seus desafetos. Não se sabe, pelo menos até aqui, de algum fato envolvendo-o em desvio de dinheiro público.
O Datafolha mostrou, na quinta-feira passada, que, além de habilitado técnica e politicamente, Serra é o favorito na disputa presidencial. Mas, como escrevi no título desta coluna, seu maior problema, capaz de inviabilizá-lo, é ser prefeito de São Paulo. Se fosse prefeito de qualquer outra cidade ou governador de qualquer Estado, mesmo em início de mandato, talvez não enfrentasse tamanho dilema.
Serra enfrentou uma acirrada eleição contra Marta Suplicy, que, com todos os seus erros e afetações, tinha uma obra para mostrar: implementou uma série de programas sociais importantes. Em nenhum outro lugar implantou-se uma rede tão extensa de programas de renda mínima, articulando recursos federais, estaduais e municipais. Ninguém pode dizer, seriamente, que a cidade não tenha ficado melhor depois da administração petista. Os CEUs podem ser educacionalmente questionáveis, mas são socialmente corretos, por criar pólos de excelência de convivência comunitária. Para vencer, Serra comprometeu-se a melhorar uma administração bem-avaliada.
Nesse contexto, fazia sentido ele prometer que a prefeitura não seria um trampolim para a Presidência. O paulistano, afinal, vive angustiado com suas doses diárias de caos e, pragmáticos, viram em Serra uma solução -e, por enquanto, como revela pesquisa Datafolha sobre seu desempenho administrativo, o eleitor está satisfeito. Nunca um prefeito foi tão bem-avaliado em apenas um ano de mandato.
São Paulo é uma espécie de Cidade-Estado, sede dos dois maiores partidos -PSDB e PT- dos quais, pelo menos segundo as pesquisas, deve sair o próximo presidente. Lula mora em São Bernardo, mas sua base política é paulistana.
É uma comunidade degradada, mas cada vez mais articulada, educada e exigente. É o núcleo do capital humano brasileiro e porta do país para o mundo. Não vai aqui nenhum bairrismo porque, na verdade, sua força é ser a síntese dos brasileiros; o melhor daqui é a sua diversidade.
Quem não vê São Paulo só pela repetição de chavões do caos (mais do que reais) nota uma efervescência econômica, educacional e cultural. Essa efervescência explica a queda da violência em bairros periféricos em proporções jamais vistas no país. Explica também a propagação de cursinhos pré-vestibulares gratuitos, a disseminação de centros de pesquisas em hospitais privados ou a remodelação de escolas públicas através das mais diversas parceiras comunitárias. Vivemos um início de processo de renasci- mento.
Para dar as costas a essa comunidade, que lhe depositou confiança e, ainda, até por uma questão de falta de tempo, não teve a devida retribuição, Serra necessitaria de um excelente argumento para que esquecessem do papel que assinou (entregue, aliás, para mim em debate feito pela Folha), comprometendo-se a ficar até o último dia de seu mandato.
Ele teria de mostrar que o Brasil está um caos e ele seria seu salvador. Mas o país não é está um caos. Se não ocorrer um acidente, haverá, no próximo ano, mais empregos, mais investimento social, avanço na distribuição da renda e redução da miséria, tudo isso com estabilidade econômica.
Precisaria também mostrar aos eleitores que, sem ele, Lula é imbatível. Não é o que sugere o Datafolha: Geraldo Alckmin já está empatado com Lula no segundo turno e existem evidências de que o governador dispõe de espaço para crescer se fizer alianças no Nordeste.
Se o prefeito disputar sem levar em conta essas duas condições, sobraria apenas a constatação de que a cidade ficou em segundo lugar e foi desdenhada; e que o tal documento apenas iludiu a opinião pública. Aí saberemos até que ponto o descumprimento da palavra vai ter impacto numa eleição em que, inevitavelmente, a ética será a principal discussão.
P.S. - Mais um complicador. Há uma forte possibilidade, como mostrou o Datafolha, de Marta Suplicy ser candidata, com boas chances, ao governo de São Paulo. Se isso ocorrer, o que estará em julgamento será a administração dela na cidade -e, por conseguinte, a de Serra. Que acontecerá se ele estiver fora da prefeitura, tendo pouca coisa a oferecer de concreto sobre sua gestão?


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