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GILBERTO DIMENSTEIN
O problema do Serra é ser prefeito de São Paulo
Se eu tivesse de fazer uma lista
com o nome dos 20 brasileiros
mais habilitados, independentemente da viabilidade eleitoral, a
assumir a Presidência da República, não teria dúvida de incluir
José Serra -aliás, dificilmente alguém com um mínimo de isenção
e conhecimento sobre nossos políticos o deixaria de fora dessa hipotética lista.
Os motivos são óbvios. Serra
tem sólida formação acadêmica e
estuda sistematicamente os problemas do país. Integra um partido de expressão nacional, com
forte articulação no Congresso,
base no empresariado e prestígio
nas classes médias urbanas. Colecionou as mais diversas experiências em administrações federal,
estadual e, agora, municipal. Conheceu em detalhes a vida parlamentar, em que atuou como deputado e senador. Obteve avaliação positiva na maioria dos cargos que ocupou, reconhecido,
muitas vezes, por seus desafetos.
Não se sabe, pelo menos até aqui,
de algum fato envolvendo-o em
desvio de dinheiro público.
O Datafolha mostrou, na quinta-feira passada, que, além de habilitado técnica e politicamente,
Serra é o favorito na disputa presidencial. Mas, como escrevi no título desta coluna, seu maior problema, capaz de inviabilizá-lo, é
ser prefeito de São Paulo. Se fosse
prefeito de qualquer outra cidade
ou governador de qualquer Estado, mesmo em início de mandato,
talvez não enfrentasse tamanho
dilema.
Serra enfrentou uma acirrada
eleição contra Marta Suplicy,
que, com todos os seus erros e afetações, tinha uma obra para mostrar: implementou uma série de
programas sociais importantes.
Em nenhum outro lugar implantou-se uma rede tão extensa de
programas de renda mínima, articulando recursos federais, estaduais e municipais. Ninguém pode dizer, seriamente, que a cidade
não tenha ficado melhor depois
da administração petista. Os
CEUs podem ser educacionalmente questionáveis, mas são socialmente corretos, por criar pólos
de excelência de convivência comunitária. Para vencer, Serra
comprometeu-se a melhorar uma
administração bem-avaliada.
Nesse contexto, fazia sentido ele
prometer que a prefeitura não seria um trampolim para a Presidência. O paulistano, afinal, vive
angustiado com suas doses diárias de caos e, pragmáticos, viram
em Serra uma solução -e, por
enquanto, como revela pesquisa
Datafolha sobre seu desempenho
administrativo, o eleitor está satisfeito. Nunca um prefeito foi tão
bem-avaliado em apenas um ano
de mandato.
São Paulo é uma espécie de Cidade-Estado, sede dos dois maiores partidos -PSDB e PT- dos
quais, pelo menos segundo as pesquisas, deve sair o próximo presidente. Lula mora em São Bernardo, mas sua base política é paulistana.
É uma comunidade degradada,
mas cada vez mais articulada,
educada e exigente. É o núcleo do
capital humano brasileiro e porta
do país para o mundo. Não vai
aqui nenhum bairrismo porque,
na verdade, sua força é ser a síntese dos brasileiros; o melhor daqui
é a sua diversidade.
Quem não vê São Paulo só pela
repetição de chavões do caos
(mais do que reais) nota uma
efervescência econômica, educacional e cultural. Essa efervescência explica a queda da violência
em bairros periféricos em proporções jamais vistas no país. Explica
também a propagação de cursinhos pré-vestibulares gratuitos, a
disseminação de centros de pesquisas em hospitais privados ou a
remodelação de escolas públicas
através das mais diversas parceiras comunitárias. Vivemos um
início de processo de renasci-
mento.
Para dar as costas a essa comunidade, que lhe depositou confiança e, ainda, até por uma questão de falta de tempo, não teve a
devida retribuição, Serra necessitaria de um excelente argumento
para que esquecessem do papel
que assinou (entregue, aliás, para
mim em debate feito pela Folha),
comprometendo-se a ficar até o
último dia de seu mandato.
Ele teria de mostrar que o Brasil
está um caos e ele seria seu salvador. Mas o país não é está um
caos. Se não ocorrer um acidente,
haverá, no próximo ano, mais
empregos, mais investimento social, avanço na distribuição da
renda e redução da miséria, tudo
isso com estabilidade econômica.
Precisaria também mostrar aos
eleitores que, sem ele, Lula é imbatível. Não é o que sugere o Datafolha: Geraldo Alckmin já está
empatado com Lula no segundo
turno e existem evidências de que
o governador dispõe de espaço
para crescer se fizer alianças no
Nordeste.
Se o prefeito disputar sem levar
em conta essas duas condições,
sobraria apenas a constatação de
que a cidade ficou em segundo lugar e foi desdenhada; e que o tal
documento apenas iludiu a opinião pública. Aí saberemos até
que ponto o descumprimento da
palavra vai ter impacto numa
eleição em que, inevitavelmente,
a ética será a principal discussão.
P.S. - Mais um complicador. Há
uma forte possibilidade, como
mostrou o Datafolha, de Marta
Suplicy ser candidata, com boas
chances, ao governo de São Paulo.
Se isso ocorrer, o que estará em
julgamento será a administração
dela na cidade -e, por conseguinte, a de Serra. Que acontecerá se ele estiver fora da prefeitura,
tendo pouca coisa a oferecer de
concreto sobre sua gestão?
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