São Paulo, segunda-feira, 18 de dezembro de 2006

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Alunos são condenados por pichar a USP

Dois estudantes de arquitetura receberam, em primeira instância, pena de 3 meses de detenção por terem escrito em rua do campus

Tribunal analisa recurso hoje; alunos e docentes vêem exagero no caso e universidade diz que precisa defender seu patrimônio


Leonardo Wen/Folha Imagem
Daniel Sene e Ilana Tschiptschin posam para foto na faculdade de arquitetura em protesto à decisão da Justiça e à posição da USP


FÁBIO TAKAHASHI
DA REPORTAGEM LOCAL

Condenados em primeira instância, dois estudantes do curso de arquitetura da Universidade de São Paulo tentam hoje, no Tribunal de Justiça, reverter sentença de três meses de detenção por pichar uma rua da Cidade Universitária.
Os alunos reclamam que o caso, que eles consideram de baixa gravidade, não chegou a ser analisado dentro da escola e foi diretamente para a polícia -os dois não sofrem processo administrativo pela ação e continuam freqüentando as aulas.
A Adusp (associação dos docentes da USP) também vê exagero na ação. A universidade rebate e afirma que é seu dever zelar pelo patrimônio público.
Os alunos Daniel Sene, 25, e Ilana Tschiptschin, 23, foram flagrados pela Guarda Universitária, por volta das 2h do dia 9 de agosto do ano passado, escrevendo a mensagem "Brasília 17" na rua em frente à FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas). A frase era uma convocação para um protesto contra a corrupção no dia 17 daquele mês.
Um carro da guarda abordou os alunos, que portavam pincéis e tinta. Eles admitiram a pichação. "Não houve qualquer tipo de procedimento interno e já fomos levados pela guarda para a delegacia", disse Sene. Eles passaram a noite em uma cela do 93º DP (Jaguaré).
O inquérito seguiu e o Ministério Público acusou os dois universitários de terem causado dano ao patrimônio público, o que implica em detenção de três meses a um ano a quem "pichar, grafitar ou por outro meio conspurcar edificações ou monumento urbano" (Lei de Crimes Ambientais).
Em agosto deste ano, a 1ª Vara Criminal de Pinheiros condenou os dois a três meses de detenção -a pena pode ser revertida em serviço comunitário. O entendimento foi que eles, além da frase no asfalto, também haviam pichado as fachadas das unidades ao redor, o que eles negam.
Para a defesa, a rua não pode ser considerada como patrimônio público. "A atitude da USP, de querer ter poder de polícia, faz a instituição regredir ao período da ditadura militar", afirmou o advogado dos acusados, Idibal Pivetta, que defendeu presos políticos. "Um caso com tal baixa insignificância de dano ser levado para a Justiça, eu só vi na época da repressão."
Docentes e alunos ouvidos pela Folha afirmaram não terem conhecimento de fato semelhante ocorrido na universidade. A USP não respondeu a esse questionamento.
"Você pode questionar a forma pela qual esses estudantes se expressaram, pichando a rua, mas isso precisa ser analisado dentro da universidade, e não como caso de polícia", afirmou o presidente da Adusp, Cesar Minto.

Dano ao patrimônio
O promotor Eduardo Ferreira Valério, cujo parecer será analisado durante o julgamento do recurso, afirma que tentar "coibir a pichação de um imóvel público não é impedir a manifestação dos estudantes".
"Ao que parece, a USP quer mostrar que ela vai defender o seu patrimônio. Essa defesa é dever legal de um administrador público", disse o advogado criminalista Marco Aurélio Vicente Vieira.
"Mas creio que poderia ter sido feito algum procedimento interno, como uma advertência", concluiu Vieira.
Também advogado criminalista, Alberto Toron afirma que o caso "é totalmente indevido". Para ele, o problema deveria ter sido resolvido em um juizado especial criminal, em que os acusados poderiam escapar da ação em troca de prestação de serviços à comunidade. Essa opção foi recusada pelos alunos, que preferiram tentar provar a inocência.


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