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São Paulo, domingo, 19 de janeiro de 2003

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TERCEIRO SETOR

Áreas de conflitos são alvo da organização

ONG de palhaços faz apresentação amanhã para crianças de favela

TALITA FIGUEIREDO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Depois dos Médicos Sem Fronteiras e dos Jornalistas Sem Fronteiras, chegou a vez dos palhaços. Habituado a divertir crianças de campos de refugiados na Bósnia e na Palestina e de cidades colombianas cercadas pela guerrilha, o espanhol Tortell Poltrona, 47, fundador da organização não-governamental Palhaços Sem Fronteiras, está no Rio.
Tortell Poltrona se apresenta amanhã no Circo Voador da praia de Ramos (zona norte) para crianças do complexo de favelas da Maré. O show é parte das atividades preparatórias do 4º Encontro Internacional "Anjos do Picadeiro", programado para o fim do ano. No fim de semana, ele participa de espetáculos no teatro Carlos Gomes (centro).
Criada em 1998, a Palhaços Sem Fronteiras reúne cerca de 2.000 artistas de vários países, que dedicam parte de seu tempo ao trabalho com "populações necessitadas de alegria", em áreas de tragédias e conflitos.
As crianças da Maré se assemelham, em alguns aspectos, às que ele conheceu nas viagens pelo mundo. Elas vivem parcialmente sitiadas, já que a disputa entre as duas facções criminosas que controlam o tráfico nas favelas impede que circulem livremente: quem vive do lado do CV (Comando Vermelho) nem sempre passa impune pelo lado do TC (Terceiro Comando).
Poltrona foi informado sobre a violência do tráfico nas favelas por quatro brasileiros que trabalham no Circ Crac, o circo que ele montou há 20 anos em Barcelona.
Tortell Poltrona, na verdade Jaume Mateu Bullich, iniciou-se no ofício de palhaço em 1974, em Barcelona.
Mesmo depois de montar o circo, do qual reserva parte do faturamento para os projetos da ONG, Poltrona continuou atuando em escolas. Foram os alunos de um colégio de Barcelona que propuseram, no Natal de 1992, que ele fizesse um espetáculo para crianças sérvias de um campo de refugiados na Bósnia, com os quais os estudantes espanhóis se comunicavam por carta.
Foi a primeira de 17 viagens que fez às antigas repúblicas iugoslavas, e ele foi sequestrado. "Eu passava pelo "check point" [local de checagem de documentos, fora do campo" quando fui detido por soldados croatas. Acabei descobrindo que eles só queriam que eu me apresentasse para as crianças do seu lado."
Na Colômbia, o palhaço se viu mais perto da morte. "Estava me apresentando em Uruba (noroeste do país), área de conflito entre guerrilheiros e paramilitares. Chegou um grupo das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) apontando as armas. Continuei a atuar, mas feito um louco, morrendo de medo. No final, consegui que eles colocassem as armas no chão e aplaudissem. Iam me levar, mas desistiram."
O palhaço observou que, em locais de conflito, os adultos não riem. Ele se contenta quando vê os lábios superiores dos soldados subirem, esboçando um sorriso.



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