São Paulo, domingo, 19 de março de 2006

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GILBERTO DIMENSTEIN

Lula em tempo real

Não se consegue analisar a vantagem de Lula na disputa presidencial, detectada hoje, na pesquisa do Datafolha, sem, além de considerar os aspectos políticos e econômicos, deixar de olhar a questão educacional. É algo bem mais complexo do que a conhecida inabilidade de grande parcela dos cidadãos de entender as notícias.
A vantagem está ligada a fatores como a manutenção da inflação baixa, a ampliação dos programas sociais, o anúncio do novo salário mínimo e a expansão do nível de emprego. Está diminuindo a miséria e melhorando a distribuição de renda. Os adversários do governo podem reclamar que o Brasil cresce lentamente, abaixo de muitas nações, mas é inegável que os indicadores sociais evoluem.
Acrescente-se a isso que Lula não sai do palanque, transforma cada inauguração em comício e esbanja dinheiro em publicidade. Facilitou-lhe a vida o fato de que a oposição apenas apresentou oficialmente, na semana passada, um candidato, com a escolha de Geraldo Alckmin.
Apesar disso tudo, o presidente não teria recuperado tão rapidamente o seu prestígio -lembre-se de que até há pouco tempo afirmavam que ele estava politicamente morto- se não tivessem esquecido ou se desinteressado dos escândalos que envolvem o governo e o PT. De acordo com pesquisas divulgadas na semana passada, apenas 15% dos eleitores se lembram do "mensalão" -exatamente aqui está a questão educacional.

 

Num dos efeitos da baixa educação para a cidadania, o presidente é beneficiado pela suposição de grande parcela da população de que todos os políticos são iguais. Agregue-se a isso que, em meio a tantas informações, tão dispersas e transmitidas durante tanto tempo, já não se sabe direito quem são os personagens e qual é o enredo da crise.
Para complicar, vivemos numa nação em que uma imensa quantidade dos indivíduos padece de analfabetismo funcional, ou seja, consegue até ler, mas não entende. Estatísticas indicam que, no mínimo, pelo menos um terço dos eleitores se enquadram na categoria dos analfabetos funcionais.
O problema, porém, vai muito além da baixa escolaridade e mesmo da pobreza: atinge também os mais ricos.
 

Educadores, psicólogos e psicopedagogos percebem, há tempos, a resistência das pessoas, especialmente as mais jovens, de se concentrar, metidas num ritmo hiperativo em que se olha tudo e nada ao mesmo tempo. O tempo real, a marca da internet, relativiza o passado e o futuro, dragando a atenção para o presente, o "aqui e agora".
Um dos resultados da hiperatividade da chamada sociedade do conhecimento, impulsionada pelas novas tecnologias de informação, é a dispersão e, assim, a capacidade de seleção.
Crianças e adolescentes americanos passam em média 8 horas e 33 minutos conectados diariamente aos meios de comunicação; cresce ano a ano o tempo despendido com as mais diferentes mídias. Cada vez mais, eles ouvem, vêem ou lêem várias mídias ao mesmo tempo: escutam música, trocam mensagens pela internet enquanto assistem à televisão.
Apesar de tanto acesso aos meios de comunicação, não pára de cair o interesse dos jovens americanos por economia, política ou temas internacionais veiculados pelos noticiários de jornal, TV, rádio ou internet. Não mais do que 6% deles teriam interesse pelos noticiários jornalísticos.
Essas informações fazem parte de diferentes e recentes pesquisas da Kaiser Family Foundation sobre a relação entre crianças, adolescentes e jovens com a mídia dos Estados Unidos. No Brasil, levantamentos feitos pela Abril e pela MTV constataram jovens confusos, bombardeados por informações, demandando auxílio para selecionar o que é relevante. Tal sensação também vai contaminando os adultos
 

A primeira conclusão é que excesso de informação não significa mais conhecimento, assim como excesso de comida não significa mais saúde. A segunda: os veículos de comunicação terão cada vez mais de desempenhar o papel de educadores, ajudando das mais diversas formas (presenciais e virtuais) os seus leitores, espectadores e ouvintes a selecionar os fatos. Não basta mais apenas transmitir a notícia com clareza e objetividade; será necessário fazer com que a informação seja entronizada no cotidiano, tornando-a útil. Ou, então, teremos de conviver com a idéia de que ninguém se lembra mais, por exemplo, de um "mensalão" que está no noticiário há meses -o que, se revela as falhas da política e a indigência educacional, também coloca em questão a eficácia dos jornalistas.
 

P.S- Por falar em comunicação. Ao se lançar candidato, José Serra rasgou seu compromisso de terminar o mandato, perdeu e, ainda por cima, transmitiu a sensação de que só está na prefeitura por falta de coisa melhor para fazer. Por essas e outras, muitos de seus assessores defendem que, uma vez feito o estrago, ele deveria tentar o governo estadual e aguardar, em melhor posição, a próxima sucessão presidencial. Imaginam que os números das pesquisas irão acabar por convencê-lo a disputar o Palácio dos Bandeirantes. Já existe até um discurso preparado: o de que o governador é tão importante como o prefeito para uma cidade. Até sexta-feira, quando fechei a coluna, os sinais eram de que Serra ainda resistia, mas resistia cada vez menos a essa hipótese. Afinal, ele vai ter o que não teve na disputa presidencial: o apelo unânime do PSDB.


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