São Paulo, quinta-feira, 19 de março de 2009

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comentário

Apresentador foi um tipo de Macunaemo

XICO SÁ
COLUNISTA DA FOLHA

Com sua política do barraco permanente, Clodovil Hernandes conseguia divertir e constranger ao mesmo tempo. Foi uma espécie de Macunaemo, como muitos brasileiros de hoje, com a devida licença de Mário de Andrade pelo trocadilho com o seu herói sem caráter.
O modista, apresentador e representante do povo no Congresso Nacional juntava o folclore da esperteza selvagem com a emoção sem controle dos ditos emos -abreviação do inglês para "emotional hardcore", gênero musical apreciado por jovens do mundo todo.
Em vez do "ai, que preguiça!" da literatura, Clodovil tinha a sua penca de outros ais: "ai, que hipocrisia", "ai, que cafona", "ai, que saco!", "ai, que feia!".
Era o mesmo herói, com ou sem caráter, capaz de constranger o presidente da Câmara, na época Arlindo Chinaglia (PT), e os militantes do mundo GLS. Para o político, chiou com a falta de educação do Congresso; para os gays, disse que, se pudesse escolher, "seria homem, loiro e nascido em Berlim".
Um Macunaemo que negou a selva e a cafonice para ser o mais preconceituoso possível, quase tanto quanto seu quase meio milhão de eleitores de São Paulo. Preconceito que ele recebia de volta, na TV e nas ruas, como se não passasse de uma "bicha" caricata de piada do Costinha. Nada politicamente correto, Clodovil sabia jogar o jogo e estava preparado para o próximo barraco.
Cada vez que assumia uma condição, o cabra fazia questão de negá-la. Na vida, na profissão ou na política. O estilista que não era da moda, o gay que queria ser macho hétero, o político que se fingia de eleitor cínico. Tem algo mais Macunaemo?


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