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Multidão canta, acusa e pede linchamento
Em frente à delegacia onde o casal depunha, cerca de 200 pessoas entoaram até "parabéns a você" à menina Isabella
Homem enfrentou 12 horas de estrada para chegar à delegacia, vindo de Cuiabá; pela manhã, polícia teve de ajudar casal a deixar casa
LAURA CAPRIGLIONE
RICARDO WESTIN
DA REPORTAGEM LOCAL
"Autônomo". "Mas o que o
senhor faz para viver?"
"Eeeee... Sou carroceiro." David Rogério Caminha, 36, é o
homem de voz possante e hálito alcoólico que, diante do 9º
DP, puxa o coro de cerca de 200
vozes que protestam contra o
assassinato de Isabella Nardoni, acusam o pai e a madrasta
pelo crime, cobram punição
-sem descartar o linchamento- e ainda entoam de quando
em quando uma versão furiosa
e anormalmente acelerada de
"Parabéns a Você" (ontem, Isabella completaria seis anos).
Trabalhadora em empresa de
ônibus, "com carteira assinada", como faz questão de declarar, Maria do Rosário da Silva,
43, quer que a polícia entregue
o pai e a madrasta de Isabella à
turma que se aglomera na porta
do DP. "Eu mesma quero asfixiá-lo e depois pisar no pescoço
dele quando ele estiver caído",
diz, revirando os olhos como
quem saboreia uma idéia.
Maria do Rosário lava ônibus. Trabalha de madrugada.
"Quando o povo acorda e pega
os ônibus limpinhos, nem pára
para pensar. Mas quem deixou
assim fui eu", diz, cercada por
faxineiras, manicures, depiladoras, acompanhantes de idosos, esteticistas, vendedores,
pedreiros, aposentados, desempregados -essas as ocupações encontradas pela Folha
entre os que se acotovelam na
frente do DP, além de uma administradora de empresas, de
dois cantores e de cerca de 20
crianças com os pais. Um "Bin
Laden", o homem-caveira, um
anjo da guarda e um homem-pomba também estavam entre
os manifestantes.
Contribuição
Às 19h30, Jefferson da Rocha, 38, autônomo, mal se sustentava nas pernas. Estava
exausto. Morador em Cuiabá,
Rocha pegou seu Corsa 95 anteontem à tarde e dirigiu 12 horas sozinho rumo a São Paulo.
"Era eu, o carro e Deus", disse.
"Mas eu preciso trazer minha
contribuição à Isabellinha."
Foi a essa hora que a multidão organizou um novo coro:
"Pega lá, pega lá, pega lá... o casal pra nóis linchá [sic]."
Algo como cem profissionais
da imprensa (entre repórteres,
fotógrafos, cinegrafistas e pessoal técnico) acompanham a
turma dos manifestantes. Tudo
foi muito bem organizado pelo
delegado Luiz Antonio Pinheiro, do GOE (Grupo de Operações Especiais).
A calçada da delegacia ficou
para os policiais (os do GOE são
os fortões vestidos de negro,
cerca de 30). Também para a
polícia ficou uma faixa da rua,
visando ao trânsito dos veículos oficiais. Logo depois, vinha
o cercado da imprensa, espécie
de camarote vip do lugar, equipado com cem cadeiras e um
farto suprimento de água mineral. Atrás do pessoal da imprensa, na calçada oposta ao
DP, estava o povo. E havia ainda quatro banheiros químicos.
Parecia coisa de show, e logo
começaram a chegar os carrinhos de sorvete, de refrigerante, de pipoca e de algodão-doce.
Quatro helicópteros sobrevoavam a cena e caminhões das
emissoras de TV espichavam
suas antenas de microondas
para transmissões ao vivo.
Bolo de R$ 32
Às 12h30, o autônomo Roberto Leite da Silva, 46, apareceu com um bolo floresta negra, produzido pela panificadora São José, "a melhor do bairro", como todos garantem, que
lhe custou R$ 32. Era para lembrar o aniversário de Isabella.
Mais um "Parabéns a Você" e,
em menos de 15 segundos, o bolo acabou.
A essa altura, o depoimento
de Alexandre Nardoni já havia
começado havia 45 minutos.
Não foi fácil ele chegar lá.
Para conseguir entrar no carro da polícia que os levou pela
manhã ao DP, ele e Anna Jatobá precisaram da proteção de
25 policiais armados, cinco seguranças particulares desarmados e dois escudos.
Às 10h da manhã, perto de
300 pessoas estavam diante da
casa de três andares do pai de
Nardoni, no Tucuruvi, gritando
"assassinos" e "justiça".
Por volta das 10h30, o pai e a
madrasta de Isabella tentaram
sair de casa num carro da família. O portão da garagem chegou a ser aberto, mas foi logo
cercado pelos manifestantes.
Não deu para os dois saírem.
Cordão de isolamento
Quinze policiais do GOE foram chamados para ajudar.
Com o apoio de dez PMs, eles
fizeram um cordão de isolamento para evitar a aproximação das pessoas.
"Sai da frente, porque quero
cuspir na cara desse homem
[Nardoni]", gritou uma adolescente, tentando ultrapassar a
barreira policial. "Vocês [policiais] querem trabalhar, e nós
queremos fazer justiça", tentou
argumentar um homem.
Minutos antes das 11h, com a
proteção policial, Nardoni e
Anna Carolina desceram as escadas da casa em direção a um
carro preto do GOE. Ela foi a
primeira a aparecer, chorando.
Ele veio logo atrás.
Nesse momento, o clima ficou ainda mais hostil. Uma pedra voou contra a casa, e dois
escudos da polícia foram erguidos para proteger o casal. Assim que eles entraram, outra
pedra foi atirada contra o carro
de polícia. Trincou o vidro.
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