São Paulo, domingo, 19 de maio de 2002

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SEGURANÇA

Transformada em bandeira de campanha eleitoral, unidade de elite da PM paulista teme criação de falsas expectativas

Rota rejeita imagem de "superpolícia"

Márcio Fernandes/Folha Imagem
Policiais da Rota andam por vielas da favela Guarapiranga (zona sul de SP) em busca de suspeitos


ALESSANDRO SILVA
DA REPORTAGEM LOCAL

O soldado Palmieri, 34, enfrentou resistência dentro da própria casa ao conseguir sua transferência para a Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) -o polêmico grupo de elite da Polícia Militar de São Paulo-, no início do ano. "O argumento da minha mulher é que eu ficaria violento."
Não que ela tivesse contato com algum PM violento da Rota ou ignorasse a realidade do trabalho do marido, após cinco anos de casamento. Era porque "imaginava coisas" sem saber o que a unidade realmente faz, diz o soldado, na corporação há 14 anos.
O receio não é fruto do acaso. A face polêmica da Rota vem de uma série de ações com mortes em que ela se envolveu desde sua criação, em 1970, antes mesmo que Palmieri sonhasse em ser PM. Em 1992, de cada cinco civis mortos em confrontos com a PM no Estado, um havia sido baleado pela Rota. Naquele ano, a unidade tinha cerca de 600 homens e a corporação toda, 70 mil policiais.
O conflito doméstico do soldado ilustra bem a ambiguidade do nome Rota e a confusão mental que a expressão "Rota nas ruas", repetida este ano por três pré-candidatos ao governo -Paulo Maluf (PPB), José Genoino (PT) e o governador Geraldo Alckmin (PSDB)-, pode provocar.
Difícil saber se a população entende que os candidatos defendem uma tropa de elite bem treinada nas ruas ou ações truculentas como saída contra a violência. E segurança será o principal tema do debate eleitoral deste ano.
Palmieri é um dos 185 novos PMs em treinamento para a Rota, que até o mês que vem deve atingir o maior contingente de sua história -783 homens.
O reforço de efetivo, da ordem de 30%, foi anunciado em janeiro pelo governador Alckmin, em seu pacote emergencial de segurança lançado após o desgaste político provocado pela morte do prefeito de Santo André Celso Daniel, sequestrado e assassinado.

Convencimento
"Tive de sentar com minha mulher e explicar o serviço da Rota para que ela entendesse", diz o soldado, contando como amenizou em casa os temores que ela sentia sobre seu novo trabalho.
A Rota parece se sentir como Palmieri e tenta melhorar sua imagem com mais treinamento e equipamentos. No caso da unidade, uma simples conversa não acabaria com 31 anos de polêmica. Pior em ano de eleição, em que a propaganda maciça aumenta a cobrança sobre seus resultados, diz seu comandante, o tenente-coronel José Roberto Marques.
A unidade quer ficar fora da disputa eleitoral, evitando o estigma de superpolícia. "Sozinha, a Rota não vai resolver [o problema da segurança]. Ela não tem efetivo suficiente para isso", diz ele.
O polêmico grupo de elite da PM paulista pode atuar em todo o Estado contra crimes graves, como roubos, sequestros, homicídios e tráfico de drogas, apesar de só ter 600 homens. Sua forma de patrulhamento é diferente da de outros setores da PM. Costumam "caçar" os criminosos, como a Folha pôde constatar ao acompanhar uma equipe por um dia.
Um em cada 40 procurados da Justiça presos pela PM em São Paulo passou pelas mãos da Rota. Quanto ao número de armas, a proporção é quase a mesma, apesar de o grupo de elite representar 0,7% dos 84 mil dos PMs.
Há dois anos, antes de o governo aumentar seu efetivo de policiamento normal em 3.000 homens (3,7%), as prisões de procurados pela Rota eram quatro vezes maiores e o dobro de armamento era recolhido por ela.
Para a PM, quanto mais crescer o contingente da corporação, maior será o número de ocorrências no Estado e menor a participação da Rota nos registros.
Segundo o comandante-geral da Polícia Militar, o coronel Alberto Silveira Rodrigues, 50, se a corporação fosse um corpo humano, a Rota seria o sangue -"por circular por todos os cantos". Cabe a ela, diz ele, dar retaguarda aos batalhões de área.
A imagem é bem diferente da forma como a corporação via seu grupo de elite no regime militar. "A Rota era o símbolo de uma política presente em São Paulo segundo a qual se media eficiência policial pelo número de pessoas mortas", afirma o sociólogo Benedito Domingos Mariano, 43, ex-ouvidor das polícias de São Paulo entre 95 e 2000, na gestão do governador Mário Covas.
Exemplo disso é o ano de 92, quando a Rota matou 305 pessoas e ainda participou da ação que ficou conhecida como massacre do Carandiru, com a morte de 111 presos na Casa de Detenção.
Naquele ano, a Rota prendeu apenas 78 pessoas e fez 404 flagrantes, sob o comando de oficiais linha-dura que o governo Franco Montoro havia afastado em 83 e que voltaram ao grupo de elite na gestão do então governador Fleury Filho.
No ano seguinte, após a troca de comando e a ameaça de extinção por causa do massacre, os números mudaram: houve 36 mortes, mais prisões (134) e mais flagrantes (597). "Começou a se estabelecer ali uma nova filosofia de trabalho", diz Mariano.
Novos equipamentos, reformulação de treinamento e acompanhamento psicológico da tropa integram o pacote de medidas para alterar a imagem da Rota.
"Nos quatro meses em que estive aqui, fiz mais instrução do que tinha feito em batalhões de área", diz o soldado Palmieri.
Apesar das mudanças, a unidade de elite da PM ainda mata. E cada morte alimenta sua fama. O número de civis mortos em confrontos cresceu 63% entre 97 e 2000 -de 63 para 103 casos-, enquanto o crescimento de letalidade na PM aumentou 42% de 97 a 99, com queda em 2000 (9% menos) e 2001 (diminuição de 26% em relação ao ano anterior).
No ano passado, a letalidade caiu quase pela metade (56), assim como os números de produtividade da Rota. Foi o ano em que ela escoltou mais presos do que fez policiamento de rua.
O efetivo da Rota foi responsável por 14 de cada cem mortes de civis da PM no Estado, em 2001.
Para a corporação, houve confrontos com marginais e os PMs estavam defendendo suas vidas.


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