|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MOACYR SCLIAR
O planeta dos nossos sonhos
Novo planeta tem ano de 28 horas.
Num mundo distante e estranho, um
ano inteiro se resume a pouco mais
de um dia. Poderia esse até ser o início de um bizarro conto de ficção
científica, mas é o que um grupo de
pesquisadores alemães acaba de descobrir: um planeta localizado fora do
Sistema Solar leva pouco mais de um
dia terrestre para completar uma
volta em torno de seu sol. É o planeta
com período orbital mais curto já
descoberto. Folha Online,
14.mai.2003
Luciana era belíssima, e tão
logo ele a conheceu, decidiu:
tinha de conquistá-la. Puxou conversa, ela disse que adorava automóveis e ele então a convidou para dar uma volta de carro naquela mesma noite. Convite que ela
aceitou, entusiasmada. Excitadíssimo, ele correu para casa. Precisava conseguir o carrão do pai
emprestado. Contou a história toda, explicou que não podia perder
aquela chance e terminou com
um apelo dramático: por favor,
papai, me empreste o carro, por
favor.
Para a sua surpresa, desagradável surpresa, o pai, habitualmente
compreensivo e tolerante, não se
mostrou solidário com a sua paixão. Não posso emprestar o carro,
disse:
- Você não tem habilitação nem
idade para dirigir.
Amuado, ele trancou-se no
quarto. Telefonou para Luciana,
cancelou o encontro. E, já que não
podia sair, ligou o computador,
entrou na internet. E foi então
que leu, na Folha Online, a notícia sobre a descoberta de um novo
planeta, no qual um ano inteiro
durava pouco mais de 24 horas.
O que lhe incendiou a imaginação. Naquele planeta estava, sem
dúvida, a solução de seu problema. Lá, em poucos dias ele chegaria à maioridade. Em algumas semanas, seria um senhor, mais velho que o pai, inclusive. Poderia
então voltar para casa e dizer: escute, rapaz, empreste-me seu carro. Você não precisa ter medo: já
não sou aquele garoto sem idade
para dirigir; tenho idade para ser
seu pai. Ou seja, poderia ser o
meu próprio avô. Portanto, não
me venha com seu papo furado e
me entregue logo a chave e os
documentos.
O pai, sem dúvida, ficaria perplexo. Aquele homem de cabelos
grisalhos e rugas -aquele homem era seu filho? Mas então teria de se render as evidências: há
planetas que subvertem os critérios convencionais de idade, novos mundos onde as relações de
poder dos pais para com os filhos
têm de ser revisadas. Ainda assombrado, entregaria as chaves e
os documentos, pedindo desculpas pelo tratamento arrogante
antes dispensado ao filho.
Mas dois problemas então surgiriam. Desejaria, a garota, sair
de carro com um velho, mesmo
que fosse um velho de espírito juvenil? E um outro problema, em
verdade anterior a este: como
chegaria ele a um planeta tão
distante se nem o carro do pai
conseguia?
Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em matérias publicadas no jornal.
Texto Anterior: Lotações substituem ônibus em 55 linhas Próximo Texto: Trânsito: Evite a Salim Farah para ir ao centro de SP Índice
|