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São Paulo, segunda-feira, 19 de maio de 2003

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MOACYR SCLIAR

O planeta dos nossos sonhos

Novo planeta tem ano de 28 horas. Num mundo distante e estranho, um ano inteiro se resume a pouco mais de um dia. Poderia esse até ser o início de um bizarro conto de ficção científica, mas é o que um grupo de pesquisadores alemães acaba de descobrir: um planeta localizado fora do Sistema Solar leva pouco mais de um dia terrestre para completar uma volta em torno de seu sol. É o planeta com período orbital mais curto já descoberto. Folha Online, 14.mai.2003

Luciana era belíssima, e tão logo ele a conheceu, decidiu: tinha de conquistá-la. Puxou conversa, ela disse que adorava automóveis e ele então a convidou para dar uma volta de carro naquela mesma noite. Convite que ela aceitou, entusiasmada. Excitadíssimo, ele correu para casa. Precisava conseguir o carrão do pai emprestado. Contou a história toda, explicou que não podia perder aquela chance e terminou com um apelo dramático: por favor, papai, me empreste o carro, por favor.
Para a sua surpresa, desagradável surpresa, o pai, habitualmente compreensivo e tolerante, não se mostrou solidário com a sua paixão. Não posso emprestar o carro, disse:
- Você não tem habilitação nem idade para dirigir.
Amuado, ele trancou-se no quarto. Telefonou para Luciana, cancelou o encontro. E, já que não podia sair, ligou o computador, entrou na internet. E foi então que leu, na Folha Online, a notícia sobre a descoberta de um novo planeta, no qual um ano inteiro durava pouco mais de 24 horas.
O que lhe incendiou a imaginação. Naquele planeta estava, sem dúvida, a solução de seu problema. Lá, em poucos dias ele chegaria à maioridade. Em algumas semanas, seria um senhor, mais velho que o pai, inclusive. Poderia então voltar para casa e dizer: escute, rapaz, empreste-me seu carro. Você não precisa ter medo: já não sou aquele garoto sem idade para dirigir; tenho idade para ser seu pai. Ou seja, poderia ser o meu próprio avô. Portanto, não me venha com seu papo furado e me entregue logo a chave e os documentos.
O pai, sem dúvida, ficaria perplexo. Aquele homem de cabelos grisalhos e rugas -aquele homem era seu filho? Mas então teria de se render as evidências: há planetas que subvertem os critérios convencionais de idade, novos mundos onde as relações de poder dos pais para com os filhos têm de ser revisadas. Ainda assombrado, entregaria as chaves e os documentos, pedindo desculpas pelo tratamento arrogante antes dispensado ao filho.
Mas dois problemas então surgiriam. Desejaria, a garota, sair de carro com um velho, mesmo que fosse um velho de espírito juvenil? E um outro problema, em verdade anterior a este: como chegaria ele a um planeta tão distante se nem o carro do pai conseguia?


Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em matérias publicadas no jornal.


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