São Paulo, Quarta-feira, 19 de Maio de 1999
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NA TV

"Quem tem fé voa!", profetizou o Zelão das Asas

MAURO ALENCAR
especial para a Folha

A telenovela brasileira ainda era dominada por originais cubanos, em 69, quando o dramaturgo baiano Dias Gomes escreveu sua primeira novela: "A Ponte dos Suspiros", ambientada em Veneza, 1500.
A falta de sintonia com o estilo dramalhão da cubana Glória Magadan (supervisora de novelas da Globo) o fez assinar a novela com o pseudônimo de Stela Calderón. Dias já mostrava o desejo de tratar de temas brasileiros na teledramaturgia e começou a falar sobre política.
Conclusão: mudaram o horário. De 7 horas da noite, passou a ser exibida às 10 horas e inaugurou o horário de novelas que mais discutiu os problemas do Brasil.
Longe da supervisão estrangeira (Magadan partia para Miami), Dias Gomes pôde então adaptar e ampliar seu universo teatral para os lares de milhões de brasileiros. A primeira, "Verão Vermelho", tinha a Bahia como cenário e tratava de assuntos como desquite e reforma agrária, em 1970.
Para escrever a primeira novela em cores da televisão brasileira, Dias, mais uma vez, voltou às origens. "O Bem-Amado" transformou-se em assunto diário dos brasileiros ao mostrar a farsa sociopolítica armada pelo prefeito Odorico Paraguaçu (Paulo Gracindo) em seu desejo enlouquecido de inaugurar o cemitério da fictícia Sucupira, interior da Bahia. Foi aí que assistimos às diversas religiões que embalam o Brasil: reuniu-se catolicismo e umbanda numa só trama. A liberdade de expressão era mostrada no jornal "A Trombeta", de Neco Pedreira (Carlos Eduardo Dolabella). "O Bem-Amado" foi a primeira novela brasileira a ganhar o exterior.
Em 1975, a censura, mais uma vez, interfere numa criação do escritor e "Roque Santeiro" é proibida. A resposta veio com a ousada "Saramandaia" e seu realismo-fantástico em que João Gibão (Juca de Oliveira) tinha asas e, apesar de ser obrigado a apará-las para não chamar a atenção dos "inimigos", elas crescem e, para deleite dos telespectadores, João voa no último capítulo. Havia, também, Dona Redonda (Wilza Carla), uma ameaça que "a qualquer momento poderá explodir", como lembravam os habitantes da cidadezinha baiana.
Com o Brasil vivendo o processo de abertura política, Dias assinou, enfim, o bombástico sucesso de "Roque Santeiro" (escrita com Aguinaldo Silva), em 1985. E o Brasil se viu retratado na fictícia Asa Branca por meio de personagens como a viúva Porcina e o sinhozinho Malta (Regina Duarte e Lima Duarte). Parecia até a concretização do que dizia o Zelão das Asas (Milton Gonçalves) em "O Bem-Amado": "Quem tem fé voa!".


Mauro Alencar é mestre em telenovela pela USP e consultor de novelas para a Rede Globo



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