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SAÚDE
Críticos vêem os filmes que relacionam infecção e morte como retrocesso; governo catarinense diz que intenção é chocar
Campanha contra Aids em SC gera polêmica
AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL
Primeiro o porta-retrato da filha, abraçada a amigas, depois o
do filho, com a moto ao fundo,
em seguida a foto do casal. A voz
do pai vai repartindo a herança:
"Para você, Juliana, deixo o carro
e minha estimada coleção de discos. Para você, Henrique, deixo
minha moto e meus livros. Para
minha amada esposa Judite, deixo a casa, o apartamento da praia
e o vírus da Aids."
O espólio do personagem que
vai morrer de Aids e que faz parte
de uma campanha de prevenção
do governo do Estado de Santa
Catarina vem provocando protestos de ONGs, além de ter ocasionado uma carta da Coordenação
Nacional de DST/Aids.
"Nenhuma campanha tem o direito de cassar os sonhos e projetos de felicidade de pessoas infectadas pelo HIV", diz Sandro Sardá, ativista em Aids da Fundação
para o Controle da Aids (Faça), de
Florianópolis (SC).
O filme está sendo encarado como um retrocesso a anos anteriores a 1993, quando campanhas
tentavam fazer prevenção dizendo às pessoas que elas iriam morrer de Aids.
Hoje, o eixo das campanhas está
centrado na solidariedade e na vida. O objetivo é reduzir o preconceito e fazer com que os pacientes
queiram se aproximar da rede de
saúde.
"O filme vai assustar os jovens e
afastar ainda mais os usuários de
drogas injetáveis", diz Sardá. Na
região Sul, a infecção da maioria
das mulheres se dá por meio de
contato sexual com maridos
usuários de drogas.
Pânico
Um segundo filme mostra uma
menina: aos 7 anos sonha em ser
artista, aos 12 anos quer ser veterinária, aos 15 quer trabalhar em cinema. Depois morreu de Aids. Na
ONG Recanto do Carinho, de Florianópolis, uma menina de 12,
com HIV, sonhava em ser veterinária. "Entrou em pânico ao ver o
filme", disse Sardá.
Anne Schmitz, do Grupo de
Apoio às Pessoas com Aids de
Criciúma (Gapac), escreveu ao
governo dizendo que crianças
não queriam mais ir à escola com
medo de que a mãe, com Aids,
pudesse morrer.
"Nossa intenção é mesmo causar impacto, pois já temos uma
geração que nasceu com acesso à
informação e não se sente vulnerável", diz Iraci Batista da Silva,
coordenadora do programa de
Aids de Santa Catarina.
"Temos 20 anos de epidemia e a
Aids não caiu no Estado, mesmo
com campanhas e a estrutura necessária. As mulheres são as
maiores vítimas."
A Coordenação Nacional de
Aids está preparando uma carta
ao governo catarinense em que
informa que a prevenção pelo
medo e pelo terror não muda
comportamentos.
Em São Paulo, o Fórum de
ONGs-Aids do Estado de São
Paulo, reunido ontem, disse que
enviará uma carta ao governo de
Santa Catarina "apoiando os grupos locais e repudiando o retrocesso nas campanhas".
"Mais uma vez, as campanhas
remetem ao medo e à culpa", diz
Eduardo Barbosa, presidente do
Fórum que ontem reuniu representantes de cem ONGs. "Aqueles
que vivem com Aids/ HIV e aqueles que trabalham com a epidemia
se sentem desrespeitados com a
associação da Aids com a morte,
sem nenhuma contribuição para
a prevenção."
Segundo Sandro Sardá, na segunda-feira o Ministério Público,
ONGs catarinenses e o governo
do Estado estarão reunidos. "Vamos pedir uma reparação coletiva, com outra campanha que informe corretamente que a Aids
não significa a morte."
Números
A campanha tem um viés terrorista, mas os números mostram
que Santa Catarina tem razões para se preocupar. Das dez cidades
com maior incidência de Aids,
cinco estão no Estado.
Itajaí, a campeã, tem 93,5 casos
notificados por 100 mil habitantes
-sete vezes mais que a média nacional, que é de 12,8.
Entre 2001 e 2002, a incidência
de Aids na região Sudeste caiu de
20,8 por 100 mil habitantes para
17,1. Na região Sul, a redução foi
de 22,1 para 20,7.
A queda, menor no Sul, se deve
ao aumento de casos entre as mulheres, infectadas por seus maridos. É nessa região, no entanto,
que se concentram os casos da
doença por uso de droga injetável,
um dos grupos mais difíceis de serem acessados.
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