São Paulo, quinta-feira, 19 de junho de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Comandante assume ordem de ocupar favela

General Enzo Martins Peri diz que partiu dele decisão de colocar cerca de 250 militares na operação da Providência

Para o comandante do Exército, a morte dos três rapazes foi "abominável", mas um "fato isolado", e a operação deve continuar

ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA

O comandante do Exército, general Enzo Martins Peri, disse ontem que soube do projeto de recuperação de casas no morro da Providência, pelo seu autor, o senador e pré-candidato à Prefeitura do Rio Marcelo Crivella (PRB), e assumiu integralmente a decisão de colocar cerca de 250 oficiais e soldados na operação.
"Não houve pressão nenhuma, rigorosamente nenhuma [do Planalto e da Defesa]. Foi uma decisão do comandante do Exército Brasileiro", declarou o general, que é carioca e da Arma de Engenharia.
Em entrevista à Folha no seu gabinete no Quartel-General do Exército, antes da decisão judicial de retirada das tropas, Peri disse que a morte de três rapazes entregues ao tráfico por militares foi "abominável", mas um "fato isolado" e que a operação iria continuar. Eis os principais trechos:

 

FOLHA - Por que participar do projeto "Cimento Social"?
ENZO PERI -
O nosso Palácio Duque de Caxias fica junto ao morro da Providência. A situação do morro e a ação dos traficantes se refletiam na vizinhança. Isso era motivo de preocupação. Vimos o projeto do Ministério das Cidades para que fizéssemos uma ação de recuperação de casas ali no morro como uma oportunidade para ajudar aquela comunidade.

FOLHA - Houve pressão do Planalto e da Defesa para o Exército entrar? E resistências na Força?
PERI -
Não houve pressão nenhuma, rigorosamente nenhuma. Foi uma decisão do comandante do Exército Brasileiro.

FOLHA - Quem apresentou o projeto para o sr.?
PERI -
Nós soubemos do projeto pelo senador Marcelo Crivella. A origem e a emenda para liberar os recursos são do senador Crivella, e a efetivação veio do Ministério das Cidades.

FOLHA - Foi uma exceção o Exército num projeto assim?
PERI -
É mais uma "ação subsidiária" que faz parte das nossas ações previstas na Constituição e que fazemos em todo o Brasil.

FOLHA - De recuperação de casas?
PERI -
A recuperação de casas em favelas nós já fazemos em ações cívico-sociais, só que de menor porte. A diferença agora é de um porte maior.

FOLHA - E em área conflagrada, quase de guerrilha urbana. E o parecer do Comando Militar do Leste alertando para os riscos?
PERI -
Eu não sei desse parecer. O que existe, em qualquer ação ou operação, é um exame de vantagens e desvantagens e dos riscos que nós estaremos assumindo. Nesse caso, especificamente, isso foi tratado com muita tranqüilidade com o Comando Militar do Leste.

FOLHA - Que desvantagens? E o risco de contaminação entre militares e traficantes? De tiroteios?
PERI -
Isso foi considerado, mas o efeito maior, social, foi preponderante. Antes de entramos, a Polícia Militar já tinha feito um trabalho que nós chamamos de limpeza, de verificar os elementos já destacados e retirá-los.

FOLHA - O sr. fala em "ação subsidiária", mas um texto confidencial do ex-comandante da 9ª Brigada de Infantaria Motorizada, coronel William Soares, classifica a operação como GLO (Garantia da Lei e da Ordem). Por que não assumir isso?
PERI -
Se chegássemos a uma situação em que tivéssemos de ser empregados para garantir a lei e a ordem, tínhamos de já ter um planejamento. Temos de estar preparados para a hipótese: "E se acontecer algo?".

FOLHA - Ou seja, vocês sabiam onde estavam se metendo?
PERI -
Sabíamos que era uma área onde poderia haver uma situação de risco.

FOLHA - Muitos setores, inclusive na Defesa, consideram que a experiência do Haiti já pode ser transportada para áreas urbanas do Brasil. O sr. concorda?
PERI -
Sou a favor do debate. É hora de se considerar que se tem a expertise para ser empregada em caso de necessidade, desde que determinadas condições sejam preestabelecidas para evitar, por exemplo, que militares que estejam atuando na garantia da lei e da ordem venham a ser, como já ocorreu, submetidos a processos.

FOLHA - O ministro da Defesa e o governador do Rio já se manifestaram a favor. O que falta?
PERI -
Falta o debate da sociedade e um posicionamento definitivo dos órgãos competentes para, enfim, aperfeiçoar a legislação para chegar ao tamanho desejado da nossa atuação.

FOLHA - Justamente quando militares entregam três rapazes para traficantes armados?
PERI -
Esse é um caso evidentemente abominável, lamentável, mas é isolado. Estávamos lá havia sete meses, sem nenhum problema. Poderia ter ocorrido em qualquer lugar, em qualquer outro ambiente. Por ser um oficial do Exército, tomou toda essa dimensão.

FOLHA - Esse fato justifica retirar os soldados do morro?
PERI -
A operação continuará.

FOLHA - O sr. diz que nunca tinha havido problema, mas há relatos de pessoas que dizem já ter sido agredidas.
PERI -
Segundo o tenente [Vinícius Ghidetti] alega, havia provocações de ambas as partes. Então, qual é o fundamento disso que você me pergunta? Não sei se tem fundamento.

FOLHA - O tenente tinha condições psicológicas de ser oficial?
PERI -
Se ele foi declarado aspirante a oficial, à época foi julgado que sim. Eles passam por um teste psicotécnico.

FOLHA - Para o delegado Ricardo Dominguez, há fortes indícios de envolvimento de militares com o tráfico. O Exército está investigando?
PERI -
É preciso que ele nos passe o que considera fortes indícios, porque temos todo o interesse em apurar qualquer indício, seja forte ou fraco, de envolvimento com o tráfico.

FOLHA - Como o episódio repercutiu dentro da Força?
PERI -
Da pior maneira possível. Todo o Exército repudia veementemente.

FOLHA - No caso dos sargentos gays, o sr. acha justo o Exército prender duas pessoas por sua opção sexual?
PERI -
Não. O Exército não mandou prender por uma opção sexual. Um é desertor e a Justiça mandou prender, como qualquer desertor. O outro cometeu uma falta, uma transgressão disciplinar, e foi punido em função disso.


Texto Anterior: Inquérito militar vai dizer que tenente agiu por conta própria
Próximo Texto: América: Exército em ação policial viola direitos humanos, dizem entidades
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.