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Questionário respondido pelos inscritos no Enem 2003 mostra que avaliação positiva do docente não implica melhor nota
Aluno aprende mal, mas aprova professor
LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL
Você acha que o respeito e a admiração que um aluno tenha pelo
conhecimento e pela didática de
seus professores são determinantes no processo de aprendizagem?
Não são. Trabalho inédito do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, Inep, invulgar pela extensão e profundidade,
acaba de provar que o aluno do
ensino médio brasileiro adora
seus professores tanto quanto vai
mal na escola.
A todos os inscritos na prova do
Enem 2003 (Exame Nacional do
Ensino Médio), um total de 1,8
milhão de alunos, foi pedido que
respondessem a um questionário
com 188 questões sobre seus professores, escolas, interesses, modos de vida, hábitos de leitura, família. 1,3 milhão responderam.
Foi garantido o sigilo. Então, cruzaram-se as respostas fornecidas
com o resultado de cada aluno
nas provas de conhecimentos gerais e de redação.
Apenas para servir de parâmetro, enquanto 61,22% do alunado
acha que os laboratórios da sua
escola são "insuficientes a regulares", apenas 8,87% dá essa avaliação ao "conhecimento que seus
professores têm das matérias e à
maneira de transmiti-lo". Um em
cada três alunos considera seus
professores "bons a excelentes"
nesse quesito.
Nada menos que 90,19% dos
alunos acham seus professores
respeitosos. Outros predicados
apontados pela imensa maioria:
"dedicados", "atenciosos", "firmes, porém não-autoritários".
Com professores tão sensacionais, a lógica apontaria para performances também sensacionais
dos alunos na prova do Enem. Esqueça a lógica.
A nota média na prova objetiva
foi 49,55, numa escala de zero a
cem. Em redação, a média ficou
em 55,36. Se se pensasse num estudante representando essa média, ele teria "levado pau" em conhecimentos gerais, mesmo avaliando tão bem seus professores.
Para complicar ainda mais, entre todas as 188 perguntas, as que
apresentam mais fraca correlação
entre as respostas e o resultado na
prova do Enem são as relativas à
qualidade do professor.
Assim, os alunos que responderam ter professores "insuficientes
a regulares" no quesito "conhecimento e a maneira de transmiti-lo" fizeram, na média, 47,71 pontos na prova de conhecimentos
gerais do Enem. Quem respondeu
"regular a bom" fez menos pontos: 47,48. Quem respondeu
"bom a excelente" fez 53,81. Entre
a menor pontuação e a maior,
uma diferença de 6,33 pontos.
Já quando a pergunta referiu-se
a "condições da sala de aula",
quem respondeu "insuficiente a
regular" fez 46,16 pontos. Quem
respondeu "regular a bom" fez
48,5. Quem respondeu "bom a excelente" fez 55,81. Entre a menor
pontuação e a maior, uma diferença de 9,65 pontos.
Na questão sobre as "condições
dos laboratórios", a diferença
atinge 13 pontos. Quando a pergunta refere-se ao "acesso a computadores e outros recursos de informática" o desnível das notas
monta a 12,26.
Ao mestre com carinho
"Os alunos avaliaram seus professores pelo viés do afeto", explica a psicóloga Rosely Sayão, especialista em educação e colunista
da Folha. "Eles gostam dos professores e estão aprisionados por
esse afeto", interpreta.
"Isso impede-os de avaliar com
rigor seus professores e, em contrapartida, leva-os a se auto-responsabilizar pelo fracasso escolar,
o que é um massacre na auto-estima desses meninos e meninas",
diz Sayão.
O professor Claudio Fonseca,
presidente do Sinpeem (Sindicato
dos Profissionais em Educação no
Ensino Municipal de São Paulo),
acha que a avaliação positiva que
os alunos fazem de seus professores decorre do que ele chama de
"pedagogia da afetividade", da
qual discorda.
"O professor mais maleável
com a disciplina, mais simpático,
mas que não necessariamente
cumpre seu papel enquanto educador, acaba envolvendo o aluno
numa rede de afeto que nada tem
a ver com a eficácia no ensino."
Outros indicadores
A pesquisa do Inep foi pródiga
em dados sobre os fatores que influenciam o sucesso escolar. Ao
perguntar sobre as áreas de interesse dos alunos e relacionar essa
informação ao desempenho, ficou claro que, quanto maior o espectro de interesses do estudante,
mais bem-sucedido ele é.
Na política, por exemplo, alunos que se interessam "muito"
pela "política de sua cidade, o prefeito, os vereadores" fizeram em
média 48,85 pontos na prova objetiva. Os que manifestaram
"muito interesse" pela "política
nacional, papel dos deputados e
senadores, presidente da República" fizeram 54,34 pontos.
O escore saltou para 59,48 pontos para os que disseram se interessar pela "política de outros países".
O interesse por esportes afeta
pouco a performance, mas quando o assunto é "artes, teatro e cinema", os alunos com muito interesse por esses temas culturais
performam 8,89 pontos a mais do
que quem não tem interesse.
Fazer cursinho, praticar atividades artísticas e esportivas em geral
e freqüentar escola de idiomas
também aparecem na pesquisa
como elementos que influenciam
positivamente o desempenho.
Surpreende que, dentre todas as
variáveis, aquelas relativas à qualidade do professor sejam as mais
difíceis de ser avaliadas pelos alunos. O educador que dá nome ao
Inep é Anísio Teixeira (1900-1971), um dos mais respeitados
pensadores da escola brasileira.
Teixeira já antevia, na década de
60, que o desenvolvimento tecnológico e a inclusão de milhões de
sem-escola no sistema educacional colocariam desafios imensos à
frente do professorado.
Sobre o perfil do novo mestre,
dizia o educador: "Ele parecerá
com uma mistura de certos jornalistas de revistas e páginas científicas, um pouco de autores de enciclopédias e livros de referência.
Ao mesmo tempo, deverá ser
mais do que tudo isso". Parece
coisa de ficção científica e, no entanto, é urgentíssimo.
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