|
Próximo Texto | Índice
SAÚDE
Pais acionaram centrais de transplante durante cinco dias; demora inviabilizou doação do coração de menino de nove anos
Casal faz peregrinação para doar órgãos
FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL
O casal de publicitários Teresa
Cristina Rodrigues Lima, 51, e
Sérgio Lima, 60, inverteu a lógica
das doações de órgãos no país.
Para conseguir que as córneas,
os rins e o fígado do filho de nove
anos beneficiassem outras pessoas, dispararam telefonemas para os órgãos governamentais e ficaram desesperados diante de informações desencontradas e falta
de estrutura. A confusão que enfrentaram por cinco dias inviabilizou o aproveitamento do coração do menino. Apenas as válvulas foram retiradas.
O caso do menino Antonio, o
Tom, exemplifica um dos problemas que causam o subaproveitamento de mortes encefálicas para
as doações de órgãos no país. Segundo dados do Ministério da
Saúde, no ano passado, de 5.050
mortes encefálicas registradas,
1.417 resultaram em doações, um
aproveitamento de 28%. Hoje,
62.785 pessoas aguardam um
transplante no Brasil - 293 estão
na fila esperando por um coração.
De acordo com Roberto Soares
Schlindwein, coordenador do Sistema Nacional de Transplantes, o
ideal é que de 40% a 45% das mortes resultem em doações. Mas
mesmo em países desenvolvidos
o índice não ultrapassa os 50%.
Negativas das famílias, impedimentos legais e condições dos
doadores ajudam a explicar esse
resultado.
Informações desencontradas
O menino Antonio morreu em
decorrência de um atropelamento ocorrido no dia 24 de abril deste ano. "Estávamos na estrada que
vai para Mauá (RJ), próximos de
Penedo. Paramos em uma loja.
Ele disse que iria fazer xixi no matinho, mas de repente atravessou
a pista e um carro o pegou. Foi
uma fatalidade", conta o pai, que
decidiu relatar o caso agora para
tentar ajudar a melhorar o sistema de transplantes.
Os pais de Antonio relatam que,
durante cinco dias após diagnosticada a morte encefálica do menino, receberam uma série de informações diferentes.
Primeiro a central de transplantes do Rio informou que seria necessário esperar cerca de 180 horas para a captação dos órgãos,
mais de uma semana, porque o
menino havia tomado sedativos
-isso poderia mascarar o diagnóstico de morte encefálica e os
órgãos só podem ser retirados
quando há essa certeza. Os exames necessários para o transplante, que seriam feitos em outra cidade, foram cancelados.
"Depois descobrimos que cada
Estado tinha uma regulamentação", lembra Sérgio. Os pais e a
equipe médica temiam que os órgãos entrassem em falência e começaram a agir.
Valdemar Fernandes de Souza,
o neurocirurgião que atendeu
Antonio no Hospital Samer, uma
unidade privada de Resende, relata que inexiste uma padronização
sobre o tempo que é necessário
esperar para finalizar o diagnóstico de morte encefálica quando há
uso de sedativos.
"Não sabíamos desse protocolo
[do Rio]. Procuramos Brasília,
não sabiam falar. São Paulo disse
que o Rio iria editar uma nova
norma e que para pegar os órgãos
precisavam de um aval. Chegou
uma hora em que não sabíamos o
que fazer", afirmou.
Enquanto isso, a família disparava telefonemas para o Sistema
Nacional de Transplantes, em
Brasília, e a central de São Paulo.
No dia 29, uma sexta-feira, antes
do fim das 180 horas, a equipe médica recebeu um aviso da central
do Rio "de que havia possibilidade". Depois de a central encaminhar o equipamento para a realização dos exames, os órgãos foram retirados e aproveitados, exceto o coração. O Rio afirma ter
recebido uma autorização de Brasília -que nega.
Como o Rio não aproveitaria o
coração -não tem fila de crianças que necessitam do órgão-, a
família e a central de transplantes
tentaram outros interessados,
mas sem sucesso. A central do Rio
diz que São Paulo não buscou o
órgão e que ficou tarde para acionar um helicóptero para transportá-lo -Resende não tem aeroporto. São Paulo afirma que
não recebeu autorização de Brasília. E Brasília diz que o Rio foi autorizado a encaminhar o órgão se
não pudesse aproveitá-lo.
Teresa, a mãe, afirma que chegou a falar pessoalmente com a
central de São Paulo no dia 29 de
abril, avisando sobre a existência
de um coração infantil para doar.
De acordo com ela, a médica
que a atendeu na central "foi muito dura". "Você está pensando
que é assim? Não é porque liga
com um coração que a gente pega!", afirmou a médica, de acordo
com Teresa.
"Houve desorganização e falta
de vontade", diz o neurocirurgião
Valdemar Fernandes de Souza.
Próximo Texto: Falta registro de morte encefálica Índice
|