São Paulo, terça-feira, 19 de julho de 2005

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SAÚDE

Pais acionaram centrais de transplante durante cinco dias; demora inviabilizou doação do coração de menino de nove anos

Casal faz peregrinação para doar órgãos

FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

O casal de publicitários Teresa Cristina Rodrigues Lima, 51, e Sérgio Lima, 60, inverteu a lógica das doações de órgãos no país.
Para conseguir que as córneas, os rins e o fígado do filho de nove anos beneficiassem outras pessoas, dispararam telefonemas para os órgãos governamentais e ficaram desesperados diante de informações desencontradas e falta de estrutura. A confusão que enfrentaram por cinco dias inviabilizou o aproveitamento do coração do menino. Apenas as válvulas foram retiradas.
O caso do menino Antonio, o Tom, exemplifica um dos problemas que causam o subaproveitamento de mortes encefálicas para as doações de órgãos no país. Segundo dados do Ministério da Saúde, no ano passado, de 5.050 mortes encefálicas registradas, 1.417 resultaram em doações, um aproveitamento de 28%. Hoje, 62.785 pessoas aguardam um transplante no Brasil - 293 estão na fila esperando por um coração.
De acordo com Roberto Soares Schlindwein, coordenador do Sistema Nacional de Transplantes, o ideal é que de 40% a 45% das mortes resultem em doações. Mas mesmo em países desenvolvidos o índice não ultrapassa os 50%.
Negativas das famílias, impedimentos legais e condições dos doadores ajudam a explicar esse resultado.

Informações desencontradas
O menino Antonio morreu em decorrência de um atropelamento ocorrido no dia 24 de abril deste ano. "Estávamos na estrada que vai para Mauá (RJ), próximos de Penedo. Paramos em uma loja. Ele disse que iria fazer xixi no matinho, mas de repente atravessou a pista e um carro o pegou. Foi uma fatalidade", conta o pai, que decidiu relatar o caso agora para tentar ajudar a melhorar o sistema de transplantes.
Os pais de Antonio relatam que, durante cinco dias após diagnosticada a morte encefálica do menino, receberam uma série de informações diferentes.
Primeiro a central de transplantes do Rio informou que seria necessário esperar cerca de 180 horas para a captação dos órgãos, mais de uma semana, porque o menino havia tomado sedativos -isso poderia mascarar o diagnóstico de morte encefálica e os órgãos só podem ser retirados quando há essa certeza. Os exames necessários para o transplante, que seriam feitos em outra cidade, foram cancelados.
"Depois descobrimos que cada Estado tinha uma regulamentação", lembra Sérgio. Os pais e a equipe médica temiam que os órgãos entrassem em falência e começaram a agir.
Valdemar Fernandes de Souza, o neurocirurgião que atendeu Antonio no Hospital Samer, uma unidade privada de Resende, relata que inexiste uma padronização sobre o tempo que é necessário esperar para finalizar o diagnóstico de morte encefálica quando há uso de sedativos.
"Não sabíamos desse protocolo [do Rio]. Procuramos Brasília, não sabiam falar. São Paulo disse que o Rio iria editar uma nova norma e que para pegar os órgãos precisavam de um aval. Chegou uma hora em que não sabíamos o que fazer", afirmou.
Enquanto isso, a família disparava telefonemas para o Sistema Nacional de Transplantes, em Brasília, e a central de São Paulo.
No dia 29, uma sexta-feira, antes do fim das 180 horas, a equipe médica recebeu um aviso da central do Rio "de que havia possibilidade". Depois de a central encaminhar o equipamento para a realização dos exames, os órgãos foram retirados e aproveitados, exceto o coração. O Rio afirma ter recebido uma autorização de Brasília -que nega.
Como o Rio não aproveitaria o coração -não tem fila de crianças que necessitam do órgão-, a família e a central de transplantes tentaram outros interessados, mas sem sucesso. A central do Rio diz que São Paulo não buscou o órgão e que ficou tarde para acionar um helicóptero para transportá-lo -Resende não tem aeroporto. São Paulo afirma que não recebeu autorização de Brasília. E Brasília diz que o Rio foi autorizado a encaminhar o órgão se não pudesse aproveitá-lo.
Teresa, a mãe, afirma que chegou a falar pessoalmente com a central de São Paulo no dia 29 de abril, avisando sobre a existência de um coração infantil para doar.
De acordo com ela, a médica que a atendeu na central "foi muito dura". "Você está pensando que é assim? Não é porque liga com um coração que a gente pega!", afirmou a médica, de acordo com Teresa.
"Houve desorganização e falta de vontade", diz o neurocirurgião Valdemar Fernandes de Souza.


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