São Paulo, sexta-feira, 19 de agosto de 2005

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MASSACRE NO CENTRO

Motivo e autores não foram descobertos; mulher que testemunhou ataque foi morta em março, diz polícia

Impune, morte de morador de rua faz 1 ano

Flávio Florido - 18.mai.2005/Folha imagem
Moradores de rua no centro de São Paulo, onde 7 foram assassinados e 8 ficaram gravemente feridos


LUÍSA BRITO
AFRA BALAZINA

DA REPORTAGEM LOCAL
Passado um ano após o massacre que causou a morte de sete moradores de rua e deixou outros oito gravemente feridos no centro de São Paulo, ninguém foi preso. E o pior: a polícia admite ainda não saber o motivo de essas pessoas terem sido assassinadas.
Os ataques ocorreram nos dias 19 e 22 de agosto, próximos a locais símbolos da cidade, como a Sé e o fórum João Mendes. As vítimas foram mortas, geralmente de madrugada, por objetos contundentes, como paus e marretas. O crime chocou o país, ganhou repercussão internacional e mobilizou órgãos ligados aos direitos humanos e ao governo federal.
Na época, o secretário da Segurança Pública, Saulo de Castro Abreu Filho, prometeu que o caso estaria resolvido em 30 dias.
Até agora, mais de 110 testemunhas foram ouvidas e os únicos três suspeitos que haviam sido detidos foram postos em liberdade por falta de provas, segundo justificou o Ministério Público.
Uma das principais linhas de investigação da polícia é de morte de alguns dos moradores de rua por suposto envolvimento com o tráfico de drogas comandado pelos suspeitos. Outras vítimas teriam sido atacadas para despistar a polícia. Não são descartadas outras motivações, como a intenção de fazer "uma limpeza" na área.

Mais crimes
Enquanto a solução para o caso não chega, só agora veio à tona o assassinato de uma moradora de rua em março deste ano, que, segundo a polícia, testemunhou o segundo ataque de agosto de 2004, na rua Barão de Iguape.
Quatro PMs estão presos acusados de terem cometido o crime, em março, e, segundo a polícia, esse caso pode ter ligação com o massacre de agosto de 2004.
Segundo o delegado Luiz Fernando Lopes Teixeira, foram identificadas seis pessoas suspeitas dos ataques. Eles podem ter agido com os dois PMs e um segurança que haviam sido detidos. Segundo Teixeira, os seis suspeitos fazem parte de um grupo que atua com tráfico, extorsão e homicídio no centro da cidade.
Apesar de polícia e Ministério Público dizerem que não esqueceram o caso, eles reconhecem que a demora pode atrapalhar a investigação. "O tempo é sempre um aliado do criminoso", disse ontem o promotor Carlos Cardoso, assessor de Direitos Humanos da Procuradoria Geral de Justiça.
O padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo de Rua, acredita na culpa de policiais e vê risco na impunidade. "A quadrilha segue armada e funcionando. O centro é uma terra controlada pelo crime."

Na mesma
Na época dos ataques, autoridades municipais e estaduais prometeram soluções para a situação dos moradores de rua. Quase nada, porém, foi feito. Nem mesmo as ruas onde os ataques ocorreram tiveram a segurança reforçada (leia texto nesta página).
Só um dos sobreviventes continua freqüentando um albergue municipal. Em abril, a Folha encontrou uma das vítimas do ataque vivendo numa rua próxima ao local onde foi agredido.
Segundo o ouvidor-geral da Cidadania da Presidência da República, Pedro Montenegro, o fato de a chacina chegar a um ano sem solução mostra a dificuldade das polícias brasileiras com esse tipo de prática criminosa. "Outra constatação é a dificuldade de a polícia controlar a segurança privada. Há indícios fortes de que policiais trabalhavam fazendo segurança clandestina no local."
Ele afirmou também ter recebido várias reclamações, até de integrantes da polícia, de que o batalhão que atua no centro da cidade é formado por "policiais problemáticos", que foram transferidos em vez de serem demitidos.
O porta-voz do comando da PM na capital, Emerson Massera Ribeiro, nega que isso aconteça. "A região tem atenção especial da polícia, que tem como meta reduzir a criminalidade na área."

Memória
Hoje a data será lembrada com um ato multirreligioso, ao meio-dia, na catedral da Sé, com a presença de d. Cláudio Hummes, cardeal-arcebispo metropolitano de São Paulo, de um rabino, um monge, pastores e representantes das religiões afro-brasileiras. Depois, será feita uma caminhada até a Câmara, no viaduto Jacareí, onde haverá manifestação.
O padre, que cobra uma ação mais efetiva do Ministério Público, pretende pedir hoje que seja criado no órgão um grupo especial que atue com o povo de rua. A solicitação será feita durante uma reunião com o procurador-geral de Justiça do Estado, Rodrigo César Rebello Pinho. Também devem participar do encontro o ouvidor-geral da Cidadania, Pedro Montenegro, e o secretário de Direitos Humanos da Presidência da República, Mario Mamede.


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